Elvira passou um ano em Nova Iorque estudando flauta transversal. Nos primeiros meses ela mandava umas cartinhas, uns e-mails para o namorado. Mas depois, nada. Ninguém tinha notícia dela. Quando retornou a São Paulo, Elvira não era mais a mesma mulher alegre, carinhosa e calma. Além disso, ela voltou com a estranha mania de vender compulsivamente seus bens. Os amigos, no início, acharam que não era nada grave, mas com o passar dos dias a coisa começou a dar o que falar.
Ela, que sempre gostou de perfumes, de vestir-se bem, agora era só despojamento. Vendeu o carro, o apartamento, as jóias. Deixou o emprego e mudou-se para uma pensão na Baixada do Glicério. Elvira vivia nervosa, agitada, quase não aparecia mais no bar, até que um belo dia sumiu de vez.
Ernani, ex-namorado de Elvira, apesar do ríspido fora que recebera dela, ainda a amava. Preocupado com o sumiço da moça, ele telefonou pra Varginha, onde moravam os pais de Elvira, e a bomba que ouviu quase o fez cair pra trás: Elvira tinha matado um homem e estava presa em Cuba.
“Tenho que descobrir o motivo”, pensou Ernani. Com uma nota de 50 entrou sem dificuldade no quarto que Elvira manteve alugado na pensão. Misturadas a partituras ele encontrou várias cartas de amor e uma fotografia rasgada em vários pedaços.
Nas cartas, Fernandez, o professor de música, além de falar de amor, também pedia dinheiro a Elvira para a gravação de um CD com solos dela, e não deixava de elogiar o si tremido, “great, muy precioso”, que ela aprendera tirar na flauta.
Enciumado e ainda curioso, Ernani juntou com cuidado os pedaços da fotografia e viu surgir o rosto de um mulato bonito, com um bigodinho ralo, gel nos cabelos alisados e um brinco enorme na orelha esquerda.
No verso da fotografia Ernani descobriu o motivo de tudo. Fernandez rabiscara um lacônico e trilíngüe adeus: “Volto para Cienfuegos com Dolores. Forgive me. Ella está embarazada.”