Morava numa cidade que não gostava,
Vivia uma vida que não suportava.
Todo o dia era a mesma coisa:
O cunhado bêbado e desempregado sonhando com grandes negócios, que nunca saíam do papel,
a irmã reclamando das faxinas que fazia como diarista,
a mulher querendo mais dinheiro para algo desnecessário,
o filho sempre com cara de doente e quieto pelos cantos.
O patrão estava sempre cobrando,
E o salário era sempre um trocado.
Não sonhava,
Mas clamava aos céus, todo o dia,
para a situação não piorar mais.
Mas piorou.
O senhorio morreu
E o casebre meia-água foi vendido.
Dívidas, diziam.
Muitas dívidas.
Endividados ou não,
Os filhos do senhorio lhe deram um prazo: 03 dias.
Então, tudo desandou.
O cunhado queria mata-los a tiros,
A irmã e a mulher passaram o dia chorando,
O filho alienado num jogo de dominó o dia inteiro.
Atordoado, assoberbado, preocupado e atucanado
Foi a feira para pensar e para fazer render o salário minguado.
Entre batatas e cenouras,
Couves e temperos verde
Avaliava como conseguir um vale do patrão,
Um novo casebre na vila,
Uma atividade para o cunhado,
Uma consulta com o médico do posto de saúde para o filho.
Então, tudo aconteceu.
Com uma sacola de frutas numa mão
E de verduras na outra,
Teve um estalo e tudo se perdeu.
Foi num abrir e piscar de olhos,
Num suspiro rápido,
Numa expiração mais profunda.
Olhou tudo em volta
E nada reconhecia.
Gente de um lado para o outro,
Barracas de lona amarela repletas de frutos da terra.
Olhou as mãos abarrotadas de tantas coisas,
Olhou a si mesmo e não se reconheceu.
Ficou no meio do nada,
No meio da vida olhando apavorado.
Viu que chamava a atenção
E se encostou perto de uma barraca.
Procurou nos bolsos e encontrou alguns trocados,
Documentos velhos e quase rasgados.
Olhou a foto e aquele ali lhe era estranho,
Mesmo assim puxou de um espelhinho do camelô
E se olhou detidamente e a foto.
Fez caras e caretas e a certa altura
O homem lhe alcançou um batom
Achando que se olhava por outras coisas ou motivos.
Saiu da feira alucinado,
Correndo,
Perdido,
Confuso e embananado.
Correu com as sacolas nas mãos
Perdendo maçãs e laranjas,
Berinjelas e repolhos.
Correu e correu e entrou no primeiro ônibus que viu.
Passou a roleta e só depois de muita gritaria se deu conta
Que o cobrador lhe cobrava a passagem irritado.
Sentou num banco e lá ficou.
Chegou no fim da linha
Num bairro distante.
Desceu como um condenado
A socos e pontapés.
Mas desceu como um aventureiro
Para descobrir uma nova terra, num mundo novo e distante.
Um lugar cheio de àrvores,
Parecia um grande parque,
Havia muitas casinhas bonitas
Crianças alegres e brincando.
Quem ele havia sido?
Mais de uma vez ele se perguntou e olhou a carteira amarelada.
Então, pensou: havia sido. Agora era outro.
Com o restante das sacolas
Parou numa esquina,
Pegou um papelão numa lixeira
Olhou as ofertas num mercadinho local antes de pôr o preço,
E dispôs as frutas e verduras ainda inteiras.
- Olha a maçã bem vermelhinha e a banana madura! Gritou.
E ficou por ali,
vendendo o fim da outra vida e
ganhando para iniciar uma vida melhor.