Eu não escolhi o amor pela aparência externa... Muito menos pela contagem dos dias de vida ou o lugar onde dizem que ele nasce.
Escolhi, ou melhor, fui escolhido quando vi o brilho do olho no meu olho, e a minha alma viu no mesmo instante que havia uma identificação do que não há como ser descrita em palavras... Então meu coração se tornou inquieto, e bateu descompassado, e não sossegou enquanto não sentiu perto de si aquele que bate no mesmo compasso...
O meu amor não foi escolhido pelos bons hábitos e costumes... Muito menos pela quantidade de etiquetas penduradas como troféus no peito... Escolhi – desculpem, – fui escolhido em detrimento disso que as pessoas valorizam ainda que seja falso como seria um coração pintado de azul, ou um céu de verde... Não estou dizendo que eu desprezo os bons modos ou a gentileza. Mas que é tudo isso sem amor?... São tão irritantes como ouvir milhares de vezes a mesma música ainda que seja a nossa preferida...
Tenho uma historinha sobre isso...
No nosso primeiro dia meu amor falou com a boca cheia. Eu não disse nada, e continuei rindo de suas graças, porque não sei se notaram que o amor é muito alegre na sua intimidade. Quando foi minha vez de falar tampei discretamente a boca com a mão... E hoje, depois de muito tempo o meu amor continua tão amável que nem sei onde foi que aprendeu tantos gestos bonitos que tem exibido com a graça e a leveza do amor...
Não fomos escolhidos nesses momentos de loucura que todos dizem que o amor é capaz... Embora eu sinta que haja em nós esse estado de semi-embriagues que permeia as cabeças de todos aqueles que bebem dessa taça e se deleitam com esse vinho... Talvez seja isso que justifique que quando nos reunimos rimos de tudo, inclusive daquilo que os outros julgam ser os motivos das suas separações...
O nosso amor não foi escolhido debaixo do conceito de santo... Mas há algo entre nós que está muito acima dos que se julgam assim só porque foram convencidos que o são depois que obedecem a certas leis, como se elas conduzissem a alma a um paraíso que não existe... Entre nós não há leis... Escritas ou não. Antes somos conduzidos por uma vontade que surgiu em nós (não sei como nem de onde), de querer fazer o que agrada ao outro, não porque isso dê resultados para nos mesmos... (Os que do outro jeito procedem são os egoístas disfarçados de santos...) No entanto não posso pensar em algo que seja santo que não pense no nosso amor...
O nosso amor não foi encomendado, por exemplo, como quem diz que quer viver no paraíso... Pelo contrário, já sentimos o gosto amargo da dor a percorrer as nossas veias... E também do sal das lágrimas que rolaram em nossas faces... Mas temos certeza que vale muito mais o brilho delas quando correm em duas faces coladas uma na outra, que o riso em um paraíso falso feito pelas esperanças não menos enganosas das promessas de amor...
O amor não precisa prometer, porque o cumprimento do desejo do outro não é uma obrigação, mas um prazer. O amor não jura fidelidade, porque não vê outra possibilidade a não ser esta. O amor não precisa de juramentos, porque a lembranças dos mesmos se tornam pesadas leis com o passar do tempo...
Desculpem contar uma outra historinha...
Um dia, fomos convidados (eu e o meu amor) a falar desse encanto que nos une há uma eternidade...
Foi dada a palavra a mim para discorrer sobre o que é o amor. Soltei a mão que afagava a minha, levantei no meio dos aplausos, e caminhei com os passos firmes até ao púlpito, e me pus em pé como uma coluna de amor diante das pessoas (desculpem dizer), ansiosas. Então olhei os olhos da minha querida que me via, e nos demoramos um pouco nesse olhar. Mas quando tentei falar, senti o mesmo fogo que sempre percorreu minhas entranhas quando o amor me embriaga nesse toque sem explicações, e a voz não me saiu... Rolou uma lágrima de cada um dos meus olhos, e nos olhos dela também, e minha garganta parecia apertada por mãos invisíveis... Só muito tempo depois foi que consegui falar uma única palavra antes do vexame de ter que descer do púlpito sem conseguir fazer o que fui fazer:
“Desculpem”...
Mas a platéia entendeu nossa mensagem, e de pé nos aplaudiu por muito tempo.
Confesso que desci muito envergonhado daquele palco. Mas quando me assentei novamente, ela afagou minha mão e disse bem aqui no meu ouvido: