“A própria luta para atingir os píncaros basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz”.Albert Camus
Todo o dia, no mesmo horário, ele faz igual. Retira o controle do porta-luvas e obedecendo remotamente o comando de alguém, aciona o dispositivo que abre a garagem. Prepara-se para me deixar.
Pareceu-me sempre incansável esse humano. Mesmo com as freqüentes alterações de humor, vejo-o repetindo os mesmos gestos, com olhos de caçador e mãos de tenaz.
Hoje, porém, notei suas mãos crispando-se com mais força no volante, houve momento em que homem e máquina foram um só, instante em que me senti parte de sua consciência. A sensação foi de que ele dava-se conta da estranheza, do absurdo da vida opaca e da morte certa e notei uma sombra anuviando seus olhos. Depois que a nuvem dissipou-se, o sol voltou a brilhar-lhe no rosto.
Agora, final de tarde, ele bate a porta de mim. Afasta-se alguns passos, pára e volta-se em minha direção. Sorri, sabe que sou parte do seu fardo e vai-se embora, sentindo-se dono do próprio destino.