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Contos-->AMOR E LUZ -- 08/01/2001 - 12:12 (Mario Jacoud) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Por volta de dez da noite o homem caminha sozinho em direção à sua casa. Noite de lua, refletindo nos cabelos brancos e na roupa clara. Adentra a casa suburbana, com pequeno esforço para manter o equilíbrio, olhos sonolentos procurando a mulher pela sala quase escura. Ao lado da poltrona, estofada e alegre no pano colorido, brilha o abajur no pedestal em forma de violoncelo, como a indicar o caminho a seguir. E ele segue, subindo a escada rumo ao quarto do casal. Escada de madeira, rangendo os mesmos rangidos em vinte e cinco anos. Passa pelo quarto do menino, ele não está, alguma namorada o tirou de casa. Senta-se à cama com cuidado, temendo acordar a mulher que ressona tranqüilamente. Um sorriso e um beijo terno e leve. Procura o cinzeiro no criado mudo e acende um cigarro, a brasa vermelha no quarto escuro, segue com os olhos quase fechados o branco da fumaça, querendo encontrar algo, uma lembrança tão presente e, ao mesmo tempo, tão distante....

Noite de chuva, o homem se protege sob a marquise de um edifício e, durante alguns minutos, observa o mínimo movimento na rua, olha mais atentamente os poucos que entram e saem do prédio assobradado à sua frente. Como se escolhesse o momento certo, atravessa a rua e sobe a escada do cabaré, rapidamente, pulando degraus, mostrando sem perceber a agilidade proporcionada pelos seus vinte e poucos anos. Ao fim dos degraus encontra o salão de mesas ainda limpas, forradas com tecido branco, algumas vazias, outras ocupadas por homens de olhos perdidos e umas poucas por casais conversando ansiosos. Passeia o olhar calmo por todo o ambiente, atentando-se um pouco mais no bar, onde algumas mulheres estão encostadas à espera de um possível parceiro que garanta bebida, sexo e, sobretudo, dinheiro. Apressado, porém aparentando tranqüilidade, esbarra nas cadeiras e alcança um corredor escuro onde encontra, sentada em uma cadeira velha, uma mulher com o rosto carregado de maquiagem e batom: “cadê a Dorinha”? O rosto maquiado responde secamente: “no quarto, com freguês”. Volta ao salão, encaminha-se ao bar, copo de uísque, cigarro e a espera. que parece interminável.
Dorinha caminha pelo corredor, morena, alta, o corpo querendo se livrar da roupa branca, entrega um dinheiro ao rosto maquiado: “tem alguém esperando, no bar”. Ela se apressa sem gosto. Ainda sente, bem lá dentro de sí, o frio da água do jarro branco, água que purifica suas entranhas, como querendo devolver a virgindade, para gozo do próximo cliente. Ajeita o vestido e o cabelo. Olha em direção ao bar e, depois da surpresa, um sorriso branco e luminoso atravessa o salão de luz vermelha. Abraça o homem, beija e sussurra, a boca colada na orelha, os olhos são duas luzes de ansiedade.
- Pedro, amor
- Dorinha, meu bem, a saudade me trouxe, só para me despedir e amar mais uma vez, talvez a última...
- Não me chame de Dorinha. Para você, e só para você, meu nome é Dalila. Dalila do Pedro.
- Nada de nomes, querida, a pressão aumenta, nem sei como consegui chegar até aqui sem ser seguido.
- Nada sei de política, mas sei que é perigoso. Vi sua foto no correio, procurado, estremeci, pensei que não iria mais vê-lo....
- Vamos ao quarto.
No corredor escuro, mais dinheiro ao rosto maquiado. No quarto ele apaga o abajur e se abraçam. Desejo. Um ano de amor, amor pago, como se amor tivesse preço. Roupas espalhadas e bocas unidas, eles queimam, suam e se invadem, amor transformado em líquido. Agora sim é a purificação, santificada, definitiva.
Vestidos, sentados na cama, as roupas devolvendo a razão.
- O que vai fazer?
- O pessoal decidiu me esconder, outro nome, talvez exílio, não sei ao certo. Por minha decisão continuava na luta.
- A vida vale mais do que a coragem, procure ficar em segurança. Se puder, você volta?
- É adeus, Dorinha. Não posso pôr você em risco, e a situação não está perto de mudar, as lembranças que nos ajudem, querida.
- Mesmo com tudo o que você fala, não entendo...
- A vida, meu bem, sem liberdade e amor é como esperar a morte, não temos vida, temos a perspectiva do fim e um amor sem liberdade.
- Isto é sonho.
Eles se beijam, beijo salgado, despedida temperada com sonho impossível. Enquanto Dalila enxuga as lágrimas, Pedro sai.
No corredor escuro percebe o sorriso de batom, sorriso nervoso e maquiado, sorriso de quem nunca sorriu, sorriso de quem deveria estar com a mão à frente, esperando dinheiro. Ele pára, a mão nervosa apertando a arma, de costas procura o final do corredor, olhos atentos na entrada do salão. Mal surge um vulto e a arma dispara, corpo de costas no carpete sujo do salão e sangue auxiliando a luz vermelha. O segundo vulto vira-se e corre. Ele entende que venceu o maior perigo. Continua andando, para trás, para a janela no fim do corredor, sabe que aprendeu a lição que ensinava a preparar a fuga assim que entrasse em qualquer local. Da janela do sobrado ao terreno vazio, em meio ao lixo, um muro sem altura suficiente para servir de obstáculo à sua vontade, e a rua....Ainda olha para trás e vê a janela, quadro em tintas escuras, sua Dalila entre a moldura, as mãos no rosto em sinal de desespero e solidão. Dalila da vida, da liberdade, do amor. Utopia.

O homem bem vestido sobe os degraus do cabaré e atravessa o salão, não ouve a música que conta uma história de amor, o olhar fixo e decidido no corredor escuro. Um corpo estranho naquele lugar, parece não notar as mesas e as pessoas, nem sentir o cheiro de cigarro e bebida. “Procuro uma moça de nome Dorinha”. Faz não perceber a mão estendida, à espera do dinheiro, segue ao quarto indicado, bate à porta e espera a resposta. Dorinha abre a porta, o rosto mostrando marcas de violência, o corpo escondido no vestido largo. “Polícia? Nada mais tenho para dar nem para falar, moço. Arrancaram tudo de mim”. O homem sorri, esperto. “Tudo”? Saca um papel do bolso da calça e entrega para ela. Em pé e em silêncio, como que esperando uma resposta. Ela lê, sorriso e lágrimas manchando o papel. “Onde ele está”? O homem senta-se ao seu lado, querendo demonstrar intimidade. “Em segurança”. Retira suavemente o bilhete das mãos dela, acende um fósforo e ela vê o amor iluminar o quarto. ”Me leva até ele”. Ela sobe em uma cadeira e pega a pequena mala que estava esquecida sobre o armário, amassando duas mudas de roupa. O homem parece esperar por isso. “Levar os dois até ele?”. Exposta, aprendeu a lição da coragem, faz que nem ouve. O homem pega a mala e anda, rumo ao corredor. Ela apanha o abajur e o segue, olhos abertos para a vida, liberdade e amor.
Mário Jacoud






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