Quando o delegado de polícia ouviu a queixa fez pouco caso. Afinal quem iria dar crédito a um absurdo daqueles. A cidade ainda era pouco visitada e se resumia em duas dúzias de casas espalhadas em ruas mal planejadas. O delegado estava ali graças a uma indicação do deputado da região e era um jovem em começo de carreira. Não haveria porque criar problemas com histórias fantásticas sem um quê de razão. Mas a vizinhança do cemitério não parava de reclamar. Desde que o milagre da paineira aconteceu, os mortos não deram mais sossêgo para ninguém. Primeiro, andaram vagando pelas madrugadas, assustando quem pelas ruas ousa-se caminhar. Depois, começaram a abrir portas e janelas a bel prazer. Chegaram ao cúmulo de invadir casas durante o dia, para furtar objetos e fazer barulho. De nada adiantou o padre benzer o cemitério, a algazarra aumentava conforme as reclamações. Vencido pelo cansaço, o delegado mandou dois soldados fazerem vigília em frente ao cemitério. Pegaram no sono, tamanha monotonia. Naquele noite, nada aconteceu, exceto os ventos uivantes. Quando o dia raiou, os mortos riram o dia inteiro. Os soldados, completamente nus, saíram correndo em desbaratado desespero. Um espetáculo dantesco. “Pelo menos aqui, não precisamos de fardas”, divertiu-se o coronel reformado que morreu na insurreição do leste e teve a ignóbil idéia de despir as autoridades.