Assim que ele chega da rua, a secretária dá o recado: -- Ligaram pro senhor. Era da casa da Maísa. A pessoa disse que volta a ligar mais tarde. Ele pensa um pouco e deduz logo de que se trata. Dispensa detalhes sobre o telefonema. Matou a charada! Aquele espetáculo programado para amanhã, Maísa quer ir. Ele sabia que ela ia convidá-lo! Acontece que ele não está com cabeça para isso. Coração, menos ainda, porque ferido, depois de um pequeno -- e triste – episódio, semanas atrás. Com Maísa, por coincidência... E agora ela telefona! Acha melhor não retornar a ligação nem esperar pela próxima. Em lugar disso, mandará uma mensagem por e-mail. Convoca a secretária, concentra-se e mergulha na própria alma. Depois, em voz baixa, quase sussurrando, começa a ditar: “Maísa, Sua companhia é sempre um prazer e um privilégio. Mas não sei se eu faria bem em combinar alguma coisa. Não sei se eu seria boa companhia. Devo admitir que, apenas com minha presença e atenção, não consigo ser simpático a quem eu não soube agradar com o mimo mais especial. Espero que você entenda, querida amiga. Afinal, se os versos que decantei no pulsar das coronárias e na mais casta intenção foram abandonados intactos à lixeira pela leitora primeira, ainda que pobres de engenho e arte, se a mais sincera homenagem redigida por este aprendiz dos versos nem foi lida pela homenageada, o que esperar? Como agradar a quem não consegui ser simpático com a delicadeza da mais acalentada gestação das minhas letras? Peço desculpas se fraquejo a ponto de desapontar-me como a abelha, pelo mel que alguém entorna ao chão. Perdoe-me se pareço tão suscetível como o pintor perplexo com o desprezo da musa pela tela pronta. Admito meu fracasso, como o bom anfitrião iria admiti-lo se, ao melhor prato, o convidado desse as costas. Também contarei com um pouco da minha e, sobretudo, da sua condescendência, estimada amiga, se lhe pareço tão mole como requer o sentimento verdadeiro ou mais piegas que o necessário ao pensamento poético. Não tendo apreendido, quero ao menos aprender. Comprometo-me comigo mesmo a melhorar. Procurarei seguir sem tantos equívocos. Se necessário, hei de inspirar-me no exemplo pacífico da ave resignada que, de pronto, põe-se a reconstruir, quando o ataque predador destrói o ninho que ela acaba de tecer.“ Ele pára e segue-se um silêncio longo e pesado. Finalmente, a secretária recobra os sentidos: -- Acabou? -- pergunta com a cara comovida... -- Sim, é só isso. Pode enviar, autoriza o patrão. -- Para quem, chefe? -- Para a pessoa que ligou, tem aí no catálogo do correio eletrônico. Procure na letra M, Maísa. -- Chefe, não tô entendendo. Quem ligou foi o telemarketing das Casas Maísa, aquela rede que tem lojas no shopping... -- Que história é essa? Você me disse que ligaram da casa da Maísa! -- Não, o senhor entendeu errado. Mas espere, chefe. Ouça, isso não importa... Agora não vem ao caso. Quer saber minha opinião? Essa tal Maísa precisa ler sua mensagem! Ah, vai ter de ler, sim! Vamos mandar o e-mail, chefe. Cadê o endereço dela?