O crepúsculo chegou de mansinho e foi trazendo púrpura, ouro e manchas escuras, ocupando as claras nesgas azuis do dia findante.
Aníbal puxou o relógio de algibeira e viu que eram quase dezoito horas. E ele esperando. O suor porejava no seu rosto, que ele enxugava, de tempos em tempos, com um lenço amarfanhado e meio sujo.
Suas pernas fraquejavam, pois estivera ali parado, em pé, por quase quatro horas.
Paciente, esperava e esperava. As horas se arrastavam e Maria não voltava. Ela se despedira rapidamente, nem mesmo o beijara. Dissera que iria ter uma conversa com o ex-marido, para resolver de vez todas as diferenças, o divórcio, a seperação, seja lá o que fosse, inclusive, a guarda da menina, que Aníbal adorava como se fosse sua própria filha. E era correspondido, porque a menina queria estar sempre ao lado dele, puxando conversa, perguntando, cobrando atenção.
Começou a recapitular aquela breve história: conheceu-a em plena Avenida Beira Mar, passeando com uma amiga. Olhou para o porte da morena, olhos pretinhos, vivos, cílios grandes, covinhas no rosto, pernas torneadas.
Olhou e foi correspondido. Encontraram-se na esquina do Náutico, um aperto de mão, uma auto-apresentação e, logo percebeu que era a outra banda da laranja que tanto procurara nos seus trinta e dois anos de vida.
Ela se chamava Maria, tinha vinte e seis anos, aparentava vinte, fora casado com Onofre, um desocupado, tivera uma filha.
Dali para moararem juntos foi uma só noite de paixão, tórrida, inigualável.
Aníbal exultava de contentamento. Mudara de humor.
Ganhara ânimo para o trabalho. As pessoas notaram imediatamente a transformação positiva, mas ele fazia segredo, não contava para ninguém a causa daquel súbita alegria. "Dá olho grande", costumava dizer.
A noite se instalou de vez. Agora era tudo escuridão. Maria, nem sinal. Começou a ficar preocupado. E se o homem tivesse agredido Maria. Se ela a tivesse estrangulado, ou esfaqueado. Havia tantos crimes passionais. Sentiu calafrios.
Resolveu entrar no prédio onde ela havia entrado. Tudo vazio, não havia ninguém. POr onde teriam saído? Percebeu que havia uma porta nos fundos, pela rua estreita que levava à praia.
Um nervosismo estranho tomou conta de todo o seu ser. Imaginava mil e uma coisas horríveis. Resolveu ir para casa. Quem sabe, Maria podia ter raciocinado que ela teria desistido de tanto esperá-la.
Mas, a porta estava fechada à chave. Tirou o chaveiro e abriu a porta. Ninguém em casa. Nem a menina, nem a empregada. Um bilhete sobre a cômoda:
"Adeus, adeus...vou me embora. Perdão, sou uma idiota. Você merece coisa melhor.
Maria.
Chorou silenciosamente quando notou que o nome estava manchado, talvez por uma lágrima daquela ingrata.