Era um suplício: o amor queimava suas entranhas, misturava-se ao desejo avassalador de abraçá-la, de beijá-la, de ficar sempre ao lado dela e, no entanto, tinha que sopitar tudo aquilo, em nome das convenções sociais, de um papel que a tornara esposa do Tenente Jonas, um farrista de marca maior, incapaz de corresponder ao grande amor que ela dedicara durante anos ao militar, até que, perdendo as esperanças de regenera-lo, emurchecera como uma planta que não recebe água e carinho.
Aí, chegara a vez dele, Goulart, solteirinho da silva, bem de vida, vencendo seus oito mil contos de réis por mês, louco para casar. Foram apresentados pela Amélia, uma casamenteira contumaz, que tinha muita pena da Martinha, pois a conhecera desde criança, muito bem criada pelos pais, filha única, já que o irmão gêmeo nasceu com um problema congênito e viveu apenas dezoito meses.
Ela, muito tímida, mal estendeu a mão alva e perfumada, que ele teve ganas de apertar e beijar, porém, contentou-se num simples cumprimento breve, quando a vontade era ficar segurando aquela maciez por horas a fio.
O cumprimento calhou bem na avaliação que a moça fez do rapaz, bem parecido, alto, esbelto, cabelo bem penteado, roupa bem passada, sapatos lustrados, denotando vaidade para com a aparência, coisa que ela achava positiva, porque detestava gente desleixada.
Já se conheciam há mais de seis meses, trocavam olhares furtivos, bilhetes marcados por juras de amor, que ela pedia encarecidamente que ele os destruísse após a leitura, mas ele não dava ouvidos às súplicas e os guardava cuidadosamente numa caixa de sapato, lendo-os repitadamente, marejanbdo os olhos, suspirando, sonhando em tê-la nos seus braços.
O tenente Jonas era muito ciumento, não admitia que a ex-mulher tivesse namorado algum, embora fossde ele um incorrigível mulherengo, arrastando as asas para tudo quanto era rabo de saia que passava al alcance dos seus olhos.
Rufino, o grande fofoqueiro do bairro, viu um rápido aperto de mão dos dois pombinhos e não contou pipoca, foi logo bater com a língua nos dentes para o Tenente Jonas:
_ Sei não, amigo, mas eu penso que a tua mulher está de rabicho com o Goulart, aquele cara que mora no sobradão da esquina.
O Tenente bufou de raiva, furioso.
"Aquela cadela me paga".
Mas, sempre muito ocupado em conquistar as presas incautas do bairro, deixou o tempo passar, esquecendo rapidamente da conversa do Rufino.
Meses depois, logo que saiu o divórcio que já se arrastava por mais de três anos, Martinha esperou ansiosa que o Goulart fosse até sua casa, para oficialmente iniciarem o namoro.
Mas, o destino as vezes pode ser vilão ou bom moço, quando Goulart seguia rua abaixo, em direção à casa dos pais de Martinha, deu de cara com o Tenente, que estava voltando de uma ronda, comandando um grupo de homens.
A cena foi rápida, à voz de comando do Tenente, os homens atacaram o pobre Goulart e o moeram numa sova violenta, deixando-o desacordado junto a uma poça de lama que se formara da última chuva.
Martinha soube do incidente e correu para socorrer o amado, o coração aos saltos, sentindo-se viúva antes mesmo de começar o namoro.
Quando chegou a ambulância já tinha sido chamada e os paramédicos prestavam os primeiro socorros ao rapaz desfalecido.
Goulart abriu os olhos espantado, reagindo de modo muito estranho ao ver a figura pálida de Martinha diante dos seus olhos:
- Socorro, socorro, é um monstro branco que está me perseguindo. E mordia as mãos e se contorcia.
O pessoal da ambulância comentou em voz baixa:
-E um caso de concussão cerebral. Talvez ele se recupere.
Martinha prorrompeu num pranto convulso e viu desabarem inopinadamente os seus sonhos casamenteiros.
No outro dia, no noticiário policial a manchete dizia:
Faleceu no hospital, vítima de agressão brutal, jovem empresário.