Quem está aí? Quem está aí?, assustado, o homem de dentro da casa perguntava. Mas do outro lado, ninguém respondia. Quem está aí? Quem está aí? E quanto mais o homem assustado perguntava, mais as batidas na porta o ensurdeciam. Lá fora, o mundo caía.
Mais alguns instantes e já não se ouvia mais nada. Nem murros na porta, nem chuva, nem trovões. O homem assustado continuava assustado, mas pelo menos, parara de chorar. O medo cedera lugar a incompreensão e o homem, agora, parecia confuso.
O homem confuso resolveu abrir a porta, tomado de uma coragem, que ele mesmo se perguntava de que lugar estava vindo. Relutou um pouco, e aqui escrevo ..., pois foi exatamente isso, que durante aquela eternidade, que durou poucos segundos, aconteceu: reticências. Um passo a frente, outro atrás. Indo e voltando, o homem confuso, confundia-se cada vez mais, e tornava-se ridículo; um homem ridículo em uma dança sem propósito.
Abriu. Girou, cuidadosamente, a chave, e virando, com dificuldade, a maçaneta, desimpediu a porta e puxou-a bruscamente, como se quisesse surpreender antes de ser surpreendido. Um ato estúpido, pois se realmente houvesse alguém ali fora, e se esse alguém estivesse interessado em matá-lo, já o teria feito.
Não. Não havia ninguém. Nem uma pálida sombra, nem um animal revirando o lixo. O homem ridículo e depois estúpido voltava a se achar confuso e com medo, talvez nenhuma dessas duas sensações tivesse o abandonado, desde o instante em que ouviu batidas na porta. Munido de todas as suas incompreensões, resolveu voltar.
Primeiro um pingo; certeiro, direto em sua testa. Depois, muitos outros. E a chuva, que havia parado, sem motivo algum, voltava bruscamente. Relâmpagos. Trovões. E o vento forte, até então adormecido, voltou espalhafatoso, para fechar o homem do lado de fora.
Fechada, mas não trancada. E o homem que já sentira tantas coisas, agora apresentava uma aparente tranqüilidade. Percorreu, firmemente, os poucos metros de distância que o separavam de sua porta, de sua casa. Parou em frente a soleira e com a mão direita, mais especificamente, o dedão e o indicador, introduziu a chave em sua devida fechadura. Mas o encontro, que se esperava perfeito, não aconteceu. E a porta permaneceu impassível, trancada por dentro.
O homem encharcado do lado de fora não podia entender. O homem do lado de fora começou a bater em sua porta, desesperadamente, mas se deu conta de que morava sozinho e logo ninguém viria socorrê-lo. Ninguém era o que ele pensava, mas quando foi se preparar para arrombá-la, percebeu passos do lado de dentro. Ladrão, gritava, ladrão! No entanto, quando foi gritar pela terceira vez, já não podia ouvir mais sua voz, e desconfiava que outros também não poderiam.
Atônito, cansado e com as roupas pesadas pela chuva, parou meio torto, na iminência de cair de joelhos sobre o solo lamacento. Quando seus olhos se fixaram, desolados, em uma ratazana que fugia para o mato, provavelmente assustada pela chuva, o homem percebeu que não se lembrava mais quem era. E se não se lembrava mais quem era, então, não era ninguém. Melhor, só podia ser outra pessoa; detentora de uma outra vida, de outras lembranças, memórias e passado.
E se ele não se lembra de si, quem dirá nós mesmos. O homem de dentro, que desceu as escadas, ainda sonolento, posta-se diante de sua porta e observa, boquiaberto, a madeira envergar com os murros projetados do lado fora. Quem está aí?, pergunta o homem assustado. Quem está aí? Quem está aí? Não se sabe.