A choupana no centro do vale, a beira do lago, já não era mais aquele sossêgo, tranqüilidade e paz de outrora. Desde que a velha mulher morreu de câncer, aquele lugar tornou-se amargo, triste e exclusivamente solitário. Pela manhã, o velho homem alimentava as galinhas e levava para um passeio em meio a floresta de cedros o também velho e cansado perdigueiro. Depois, sentava-se a beira do lago e ficava olhando um rumo perdido de seu próprio olhar, tentando ver algo capaz de felicitar alguns breves segundos de sua velhice.
Sentado à beira do lago, certa vez, divagou. Tirou do bolso um pingente com uma pequena foto de sua velha mulher. A foto tinha um lindo sorriso e um quê especial que inundava o cinzento presente com as cores de um passado cheio de vida e paz. De tanto desgosto, o velho homem atirou o pingente no lago, que não demorou muito a afundar. Segundos depois, o pingente repousou no fundo arenoso do lago e por ali repousou pela quase eternidade. No silêncio absurdo daquele lugar, o velho sorriso não sorriu para ninguém. Ficou estático e só, num sombrio universo de água e escuridão.
Quando a trigésima geração do velho casal veio ao mundo, já não sabiam mais da existência de seus avós ancestrais. A lembrança deles, até nas mais remotas frações de segundos, havia sido perdida implacavelmente. Foi nesses tempos remotos do futuro, que o mundo explodiu e espatifou tudo que ele contia. Não sobrou muita coisa, mas o pingente vagou pelo espaço buscando uma explicação. O único registro de uma complexa civilização resumiu-se ao belo sorriso da velha mulher.
O velho homem parou de divagar quando o alarido de sua segunda geração chegou para passar o fim de semana na choupana. Guardou o pingente no bolso da calça e prometeu a si mesmo não mais trazer aquele objeto à beira do lago. O casal de netos, barulhentos e travessos, roubava-lhe a reclusão e o sossêgo, mas lhe dava um certo alento e impregnava a choupana de alegria e vida, de esperança e conforto, de amor e reconhecimento.