As fofoqueiras de plantão, sempre organizadas em rodinhas, não demoraram a especular. “Mais um destes pobres mendigos a importunar a vida de nossa gente decente”, dizia uma. Outra tratou logo de esclarecer. “É cigana. Pela roupa encardida dá para saber”.
“Farinha meu filho, farinha”. No outro extremo da cidade, a mãe disfarçou o choro para o filho não perceber. A sopa de farinha de milho não era lá essas coisas, mas pelo menos saciaria parte da fome imensurável do obediente e educado menino. “Papai vai trazer comida do mercado a noitinha”, dizia a preocupada e resignada mãe enquanto acariciava os cabelos da criança. Disse meio sem convicção, já que o marido – desempregado – nem sempre vendia todas as canetas perambulando pela cidade em busca de uns trocados. A jovem mãe, bonita e angelical, já não escondia com facilidade as marcas de tanto sofrimento. Foi para o quarto e rezou chorando, pedindo a Deus um pouco de comida para o filho.
O pai sentou-se no banco da praça com mais ou menos uma dúzia de canetas na mão. Estava cansado e chateado, já que o povo optou em dar dinheiro para uma velha senhora de roupas encardidas para não comprar suas canetas. Chegou em casa derrotado, o ralo dinheiro só deu para comprar um pouquinho de arroz e um pouquinho de feijão.
Montada numa bicicleta, a velha senhora de roupas encardidas foi até o outro extremo de Rio dos Véus. Bateu na porta da casinha meia água e foi atendida por um menino de olhar triste e belo. A velha senhora lhe deu uma sacola cheia de alimentos. Tinha carne, queijo, verduras, legumes... Também lhe deu um beijo na fronte e disse chamar-se Valburga, uma monja do século VIII, que resolvera fazer bondades por outras paragens e tempos. “Meu filho, acharam que eu fosse cigana, vê se pode. Passei o dia inteiro pedindo pratinhas! Até que o mercado daqui não é careiro!”, antes que os pais aparecessem na porta, tratou de trotar a bicicleta e sumir na escuridão da noite que se precipitava. Nunca mais foi vista em Rio dos Véus.
Na praça da cidade, as velhas beatas e fofoqueiras continuavam a fazer troça dos outros. Observavam tudo, menos as coisas boas.