-Olhou por todos os lados procurando algum sinal de que o lugar era mesmo
aquele. De que havia pousado certo.
DR. LEÃO CUIDARÁ BEM DO SEU DENTÃO, dizia a placa de identificação com
letras garrafais que mais parecia placa de oculista.
Devia ser mesmo ali. Ele seguiu direitinho o mapa traçado por Deus.
"Desce 1968 degraus, vira a esquerda, depois duas a direita e segue em
frente por 29 quadras. Você encontrará um prédio de 6 andares, suba 4,
saindo do elevador vire a esquerda conte 4 portas e terá chegado."
Ora essa! Onde já se viu anjo ter que usar elevador para subir?
Mas o dente doía tanto que voar era quase impossível, obedecer a Deus
era mais fácil.
Quando entrou Dr. Leão estava sentado de costas trabalhando em dentes
que se encontravam fora da boca.
Achou estranho e teve medo, aliás, ele era o anjo mais temente de todos
os anjos que habitavam o céu.
Sempre teve medo de dentista e se tratava a duras penas.
Dr. Leão rugiu algumas palavras ainda de costas.
Pediu que sua assistente, uma onça de fino trato, o sentasse na cadeira.
O anjo seguiu as instruções com todo o pavor que lhe cabia.
- Abra a boca. Rugiu o leão.
O anjo mais do que depressa abriu a boca e os olhos.
As asas ficaram molhadas de pavor e o desejo de sair voando não podia
ser cumprido.
Restou ao anjo render-se ao leão.
Dr. Leão era dentista conceituado que cuidava de algo mais que dentes.
O anjo sofria de dor de pai, dor de mãe.
Sofria de dor de sexo e corria risco sério de fazer um canal.
Sofria ainda de cor-de-rosa.
Parecia coisa séria! Nunca tinha ouvido falar de "
sofrer-de-cor-de-rosa".
Achou que de todos os males aquele deveria ser o pior.
Já tinha ouvido falar de dor de pai, dor de mãe, dor de sexo e já tinha
até feito um canal quando ainda querubim.
Mas cor-de-rosa?!?!?
Era a primeira vez.
Ficou pensando se Deus já sabia desse sofrer e por isso o enviara até o
leão.
Pensou ainda em perguntar para o doutor se cor-de-rosa tinha cura, mas
ficou com medo que ele rugisse algo grave e engoliu a pergunta.
Aliás, o anjo estava ficando cheio de perguntas.
Engolia no café, no almoço e no jantar.
Mantinha uma dieta alimentar rigorosa de perguntas, mas sem sobremesas.
Outro dia foi ao supermercado procurar nas prateleiras algumas
respostas, mas só conseguiu voltar para casa com mais perguntas.
Perguntas perecíveis e não perecíveis.
Bom, mas isso já é outra história.
Dr. Leão observava atento e rugia sempre a mesma frase:
- Curioso, muito curioso!
Curioso mesmo ficava era o anjo imaginando que tanta curiosidade Dr.
Leão podia estar vendo dentro da sua boca.
Tá certo que na boca tem céu, e que no céu tem estrelas e anjos, mas que
diabos (com perdão da má palavra) Dr. Leão poderia estar enxergando ali
que pudesse ser assim de tamanha curiosidade.
Ele começou a achar que na boca, além de céu, também tinha palavras e
que o Dr. Leão ficava era lendo as palavras que saiam da boca dele.
Começou a achar que dente funcionava que nem máquina de datilografar
palavras e que cada dente era uma tecla e que cada tecla tinha uma
letra, e que juntando os dentes certos o Dr. Leão lia o que queria.
Com tantos pensamentos vagando pela cabeça, o anjo nunca sabia o que
dizer, pois tinha medo de já ter dito sem saber e se tornar repetitivo.
Porque vocês não sabem, mas não tem nada pior que anjo repetitivo.
Ah! Tem sim. Anestesia de Dr. Leão.
Quando aplicava anestesia Dr. Leão convocava todas as formigas da
floresta para uma visita.
Era dia de festa. Elas bebiam aquele líquido inebriante e começavam a
dançar.
Dançavam por duas horas seguidas, sem ao menos se preocupar se era noite
ou dia. E nem era inverno. E falavam mal da pobre cigarra.