Quase meio dia! Atrasei-me um pouco para abrir a loja. Hoje, especialmente, senti vontade de me arrumar mais, fazer maquiagem e escova. Meus filhos ao me verem falam que pareço uma perua! Meu marido sorri.
É final de ano, o Natal está próximo e as pessoas compram freneticamente.
Desço do carro e já percebo que a temperatura irá brigar com o meu visual. O dia está pra bermuda, regata, chinelinhos, cara lavada e cabelo preso.
Por algum motivo estou tão leve, tão feliz, que não me preocupo muito com o suor que poreja nas minhas têmporas. Saltitando sobre as sandálias novas, cor de rosa, dirijo-me ao Centro Comercial.
Ao passar pela entrada do supermercado, chama-me a atenção uma mulher com um bebê no colo. Está parada próximo ao telefone público e não sei exatamente se ela pretende telefonar ou se está apoiada sobre o aparelho. Sorrio, mas, ela não corresponde ao meu sorriso. Tem uma aparência cansada, o olhar perdido.
Entro na loja. É o tempo de me virar e a mulher que eu avistara lá fora, está em pé junto à porta, muito pálida, com a criança inerte nos braços. Com um fio de voz, ela me diz que não está se sentindo bem, que está tonta. Tomo a criança em meu colo e faço a mulher sentar-se numa cadeira da praça de alimentação. A criança em roupas de lã, recendendo a urina, parece ressequida. Tenho a impressão até, de que ela não respira. Com a boquinha aberta, assemelha-se a um passarinho sedento. A mãe continua com ar ausente e eu resolvo sugerir à ela que molhe o rosto, o cabelo, tome um pouco d’água. Segurando a criança, acompanho-a ao banheiro. Sem muito ânimo, ela se molha um pouco. Alcanço um papel toalha para que seque o rosto e voltamos à praça de alimentação. Entrego-lhe o filho e dirijo-me a um dos restaurantes pra comprar uma bebida. Quando retorno, ela está dando de mamar para a criança. Ofereço-lhe a latinha de refrigerante e volto à loja. Meu filho mais velho, a estas alturas, já assumiu o comando das vendas.
Ainda não se passaram dez minutos e a mulher está novamente na minha porta. Pergunto seu nome e fico sabendo que se chama Maria.
Falo pra Maria entrar e então ela me pergunta se eu não conheço alguém que precise de faxineira. Antes de eu responder, já acrescenta que três faxinas resolveriam o problema dela. Com o dinheiro, compraria uma passagem de ônibus e voltaria para a casa dos pais.
Pergunto então pelo pai da criança e ela me conta resumidamente a sua história: Ele perdeu o emprego e como não conseguisse outro, caiu em depressão e logo depois começou a beber. Questiono-lhe se têm outros filhos e fico sabendo que há outro menino em casa, numa cidade próxima, de onde ela saíra de manhã bem cedinho, após conseguir uma carona. Detalhe: não tem dinheiro pra voltar pra casa.
Maria começa a falar de seus planos. Quando conseguir juntar dinheiro, deixará seu marido, retornará à casa dos pais, voltará a trabalhar. Ela trabalhava como promotora de eventos antes de casar-se. Seus olhos brilham! Faz planos. Voltará a ter seu próprio sustento, poderá ajudar aos pais que são tão pobres! Enquanto ela fala, eu fico a pensar naquele homem que perdeu o emprego, a saúde e que agora está perdendo a família. Lembro-me das palavras que já ouvi tantas vezes, em momentos tão belos e tão felizes: “Eu te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...”
Não escuto mais o que Maria diz. Abro a gaveta do balcão e pergunto quanto é a passagem de ônibus até a cidade vizinha onde estão o filho e o marido. Ela responde, conto uns trocados e coloco-os na mão dela. Com voz trêmula, ela faz um pedido:_“A senhora me arruma uma faxina?” Balanço a cabeça em sinal negativo. Ajudo-a a voltar pra casa, não a ir embora de casa. Maria agradece e sai.
Ao longe, escuto o lamento da música: “Então é Natal! E o que você fez?... ”