A tempestade já terminara. Da chuva, restavam os últimos pingos ameaçando suicídio na beira da marquise que protegia a porta principal da casa.
Brincos de princesa, heras e filodendros espalhados pelo chão, expulsos de suas escadinhas guias, denunciavam a violência do vento que havia passado por ali.
Sentado em uma pequena cadeira branca sob o caramanchão de palha, Atílio Jr. assemelhava-se a uma estátua de jardim. A expressão impassível não deixava transparecer o caos interior. Por ali também havia passado um vendaval. Olhos secos, ardidos, dor indefinida, aperto no peito, vazio na mente. Atílio encontrava-se neste estado de espírito desde a hora do sepultamento de seu pai.
Tudo acontecera de maneira tão rápida! Atílio Jr. estava em uma reunião de trabalho, tocou o telefone, ele atendeu, correu para o hospital e quando lá chegou, já havia acontecido. Abraçou a mãe, telefonou para a esposa e tomou as providências necessárias que a ocasião exigia.
Naquele dia, apertou tantas mãos que lhe foram estendidas, recebeu tantos abraços, ouviu tantas vezes a palavra pêsames, em completa alheação! Não conseguia chorar, apenas balançava a cabeça e mordia imperceptivelmente o lábio inferior.
Atílio Jr. era filho único do “Seu Atílio” e da “Dona Irma”. Nascera de uma gravidez delicada e de um parto difícil e desde o começo já era Jr., ou melhor, Juninho.
Seus pais adoravam-no, porém, o laço afetivo mais forte da vida de Juninho era com o pai. Logo após o nascimento do menino,“Seu Atílio” mandou instalar uma cadeirinha na parte da frente de sua bicicleta e, quando seu primogênito aprendeu a ficar sentado sem o apoio das almofadas de “Dona Irma”, pai e filho podiam ser vistos a dar belos passeios pelas ruas tranqüilas do bairro onde moravam. Nos sábados de outono, quando uma brisa fria levava o sol a soletrar luz por entre as folhas das árvores, Juninho, usando uma touca vermelha de tricô feita pela mãe e, de uniforme do seu clube preferido, saía para jogar bola com o orgulhoso pai.
Atílio Jr. aprendera quase tudo o que sabia sobre a vida, com “Seu Atílio”. Sua mãe era bonita e exigente.Vivia preocupada com os hábitos de higiene, a alimentação e a educação do filho. O pai entendia de futebol, de geografia, de política, de carros e de mulheres.
Na espaçosa casa de ensolarado jardim aonde a família morava, havia um escritório. Em frente à escrivaninha sobressaía-se um grande mapa mundi onde Jr. “viajava” com o pai enquanto faziam planos para as férias de todos os verões. Na parede oposta havia um relógio de madeira marrom que permanecia sempre fiel ao ofício de indicar o tempo.Toda segunda-feira, seu dono subia num banquinho e dava-lhe corda, o suficiente para que trabalhasse a semana inteira. Jr. sabia como dar corda no relógio, porém, isto era prerrogativa absoluta do pai.
Na escola, Juninho era o capitão do time e não havia menina que resistisse ao seu sorriso. Foi quando ele passou a ser chamado Atilinho.
Aos quinze anos Atilinho já dirigia o carro da família. Quando completou 18 anos e passou no vestibular de Administração de Empresas, ganhou de presente um carro zero km. No segundo ano de faculdade Atílio Jr. apaixonou-se perdidamente por uma garota e quis casar-se. Seu pai apoiou-o e ainda fez questão que a festa de casamento fosse na sua casa, afinal, tratava-se do filho único e por este mesmo motivo, ele continuou morando na casa dos pais, agora, com a esposa.
Após a formatura, Atílio Jr. montou um pequeno negócio, financiado é claro, pelo pai. O rapaz, sem surpresa para ninguém, mostrou-se um eficiente administrador e em pouco tempo era um empresário bem sucedido.
“Seu Atílio” era o braço direito de Atílio Jr., ou melhor, o consultor, como gostava de ser chamado.
Certa vez, ao ser consultado pelo filho a respeito de divórcio, foi categórico: -Um homem de bem, quando casa é para sempre! E como fosse católico fervoroso arrematou com uma citação bíblica. Atílio Jr. nunca mais ousou falar a palavra divórcio, pelo menos, na frente do pai.
Quando viajava, ao telefonar para os pais, Atílio Jr. falava rapidamente com a mãe sobre o clima, os cardápios servidos nos restaurantes freqüentados por ele e à cerca dos presentes que levaria para ela. Com o pai, uma hora era pouco no telefone. Havia tanta coisa para contar, para perguntar!
A diferença entre “Dona Irma” e “Seu Atílio” consistia em que, enquanto ela falava sobre quem havia falecido, ele comentava sobre o nascimento de filhos ou netos de seus amigos. Quando ela queixava-se de doenças, ele programava um churrasco em família para o final de semana. Os pais de Atílio viviam numa gangorra, na qual, o pai era o responsável pelo equilíbrio.
Atílio Jr. já havia passado dos 40 anos e era pai de três filhos. Dois já estavam na universidade e o caçula preparava-se para o vestibular. Atílio Jr., não se sentia pai. Na verdade ele sentia-se mesmo era filho de “Seu Atílio”. Assim ele era conhecido, assim ele era apresentado às pessoas. Engraçado é que isto não o incomodava, pelo contrário, até gostava.
A umidade da terra molhada e a fumaça que saía das chaminés, avisavam que o inverno chegara. Eram apenas 17:00 h e o sol já perdera a força.
Subitamente, ouve-se alguém gritar:- Atílio! Atílio!
Atílio Jr. estremece. Meio tonto, se levanta. Sente o corpo dolorido, parece estar acordando de um pesadelo. Quer andar rápido e, não consegue. Com as pernas pesadas, arrasta-se até a casa. Pára perto da porta semi-aberta e observa a mãe, encurvada, com uma jarra de água nas mãos, molhando os vasos de plantas murchas. Ela percebe sua presença e lhe diz:- O relógio, Atílio, rápido! Hoje é segunda-feira!
Atílio Jr. entra em casa, vai até o escritório e faz como seu pai faria: sobe no banquinho e dá toda a corda no relógio! Neste momento, um golpe de ar frio entra pela janela. Atílio Jr.inspira profundamente e então, chora.