Maria entra na loja exatamente às 19h e 30min.
Cumprimenta, solta a bolsa sobre o balcão e começa a dizer que vai precisar de uma escada alta, de um grampeador, de clipes, etc... . Não presto mais atenção no que Maria continua falando. Esperava que se desculpasse, afinal, havíamos combinado às 18h, mas, ela está tão à vontade que parece ter chegado com pontualidade britânica.
Falo que não disponho de grampeador e ela me diz então, que vai precisar cortar os fios de nylon que prendem as cortinas de flores. Digo que não concordo. Maria assegura-me que não tem problema, que é só cuidar para não enrolar os fios e que mais tarde eu posso reatá-los na cortina remanescente.
Sem outra solução, fico a vê-la tirar as rasteirinhas verde e prata e subir na escada com a tesoura na mão. A cada degrau, levanta a bainha da saia rosa, cinza e branca ornada de franjas, feita provavelmente de uma canga. Horrível! Ela percebe meu olhar, mas, felizmente não tem o poder de ler meu pensamento. Fala qualquer coisa a respeito de estar descalça.
Maria, com seus cabelos claros, quase brancos e, olhos azuis, dependurando estrelas douradas nas vitrines, chama a atenção. É uma Barbie gigante em meio aos brinquedos. Impossível não admirá-la!
Enquanto ela trabalha, conversamos. Do alto da escada, entre glitter, fios de nylon, cola e E.V.A., Maria me conta que é formada em Artes Plásticas é professora e tem família: marido e filhos. Orgulhosa, detém-se mais ao falar no filho de 29 anos que está fazendo doutorado em um país da Europa.
Calculo milimetricamente a posição dos enfeites natalinos e Maria ri. Diz-me que não precisa ser tão certinho, no entanto, faz a decoração conforme a minha vontade.
Ao terminar, solicito recibo do pagamento ao que ela responde: -Sem problemas! Assina o recibo, calça as sandálias, pega a bolsa grande de couro bege e sai balançando os cabelos, com um meio sorriso nos lábios.
Já é tarde e eu ainda preciso organizar as prateleiras.
Avisto Maria na praça de alimentação junto com algumas pessoas, tomando cerveja. Falam alto e riem. Percebo neles um sentimento inexplicável que só a proximidade com as festas de fim de ano é capaz de proporcionar.
Meu marido vem me buscar para irmos pra casa e ao sairmos da loja, um senhor vem em nossa direção cumprimentar-nos. Eles já se conhecem, trabalham na mesma instituição. Falam sobre o trabalho e a greve. Fico sabendo então, que ele é o marido de Maria. E que está muito contrariado, pois devido à greve terá que trabalhar durante as férias.
O grupo de Maria junta-se a nós. O assunto continua girando sobre as férias e alguém sugere que desta vez as esposas vão para a praia somente com os filhos. O marido de Maria fica sério e diz: - De jeito nem um! Mulher minha não anda por aí tirando férias sozinha.
Todos riem, achando graça. De certa forma, fico feliz por Maria. Ela já não é mais jovem, tem um casamento de muitos anos, mas, mesmo assim, seu companheiro é alguém que quer estar junto dela. Coisa rara hoje em dia!
O grupo despede-se de nós e vai se dispersando.
Maria e o esposo, abraçados, como se namorados fossem, vão embora. Fico olhando os dois se afastarem e me pergunto: - Maria é amada porque é assim ou Maria é assim porque é amada?