Quando dos céus ouvi que chegou o momento do meu casamento fui levado pelo anjo ao alto da montanha para o ritual da escolha da minha noiva... Então ele mostrou-me duas virgens lindíssimas, uma ao lado da outra, e tão parecidas como a duplicidade de espelhos...
E quando as vi pensei mesmo que uma fosse o reflexo da outra. Mas observando um pouco mais percebi que eram diferentes em seus movimentos, embora parecidos. E quando as ouvi falar notei ainda que as palavras e as vozes eram tão parecidas que eu não podia saber qual das duas falava primeiro se não prestasse muita atenção nos movimentos de seus lábios. E embora uma falasse um ínfimo instante depois da outra, as vozes soavam aos meus ouvidos como um dueto muito afinado.
O anjo me disse que deveria escolher uma delas, e que com essa viveria eternamente (porque no lugar de onde somos não há nenhuma possibilidade de divórcio)...
Então pedi para que pudesse conviver pelo menos por um instante com cada uma delas em separado para que conhecesse os seus pensamentos, já que fisicamente eram tão iguais. Mas ele disse que isso seria impossível porque quem convive com uma, jamais poderia conhecer a outra.
E quando eu decidi que escolheria uma delas aleatoriamente, ele me adiantou que uma se chamava Verdade, e a outra Mentira... Ouvindo seus nomes vacilei um pouco, e pedi para que ele me desse uma chance de pelo menos estar com as duas ao mesmo tempo por um instante.
Mas ele me disse:
- É também impossível conviver com as duas ao mesmo tempo. Elas não podem viver juntas no mesmo tempo e espaço. Embora se pareçam tanto são diferentes em essência. Não nasceram ao mesmo tempo, nem tiveram o mesmo pai. A Mentira apareceu um instante depois (quando a Verdade chegou para reinar eternamente), e começou a imitá-la em tudo, inclusive em sua aparência, palavras e gestos... E desse dia em diante elas fazem uma separação entre luz e trevas, entre o bem e o mal, e de geração em geração o mundo é enganado e massacrado por uma, enquanto a outra espera paciente que o seu dia chegue, e ela se levante para reinar num tempo melhor que todos os tempos passados...
Eu estava mais assustado, e perguntei:
- Posso então pelo menos perguntar os seus nomes a elas mesmas?
- Não adianta. As duas responderão a mesma coisa... E se você se dirigir à Verdade chamando-a de Mentira, ela mesma dirá que você tem razão, porque não discute sua identidade, e sabe que quem a confunde com a sua imitadora, é porque o seu coração é de fato da mentira; e jamais discute com quem é do outro lado.
- Então eu posso falar com uma delas chamando-a de Verdade... – eu disse mais uma vez pensando ter encontrado a solução.
- Se você chamar a Mentira de Verdade, uma ficará calada; a outra talvez tome a tua mão e o leve a caminhos que só por milagre descobrirá se são falsos ou verdadeiros, até que o dia da Verdade seja estabelecido...
Então eu disse:
- Não poderás escolher por mim?
- Não. A escolha é de cada um. Mas eu te digo que se você é da Verdade, ainda que vacile por um pouco, por fim escolherá aquela à qual pertence. Mas quem é da Mentira, não poderá viver sem ela, e a defenderá a todo custo, dizendo que uma é a outra, pois não há quem não diga ser da Verdade.
- Então não tenho escolha... – eu disse.
Então o anjo sorriu... Mas ficou sério novamente quando disse:
- Não há mais tempo!... Escolha agora!...
De repente senti confiança. Olhei para ele e também sorri, e caminhei até a que estava levemente mais perto de mim, tomei a sua mão, e saímos... E quando andamos, olhei a minha amada, e ela me abraçou, e recostou a cabeça ao meu peito e disse:
- Desde a eternidade, eu sabia que me escolheria.
Eu a olhei, e sorri, e caminhei calado, e não arrisquei dizer seu nome, mas sabia quem ela era... E hoje temos um filho muito parecido com a mãe. O seu nome é um segredo entre nós, porque a minha amada não quer revelar de quem ele é filho ainda...
Já vivemos mil anos, em silêncio...
Soubemos que a outra também se casou e tem milhares de filhos... Milhões... Todos eles têm sobrenome de Verdade... Porque quem se nomeia assim, terá muito mais facilidades nesse mundo. Com esse sobrenome fica fácil erguer templos, fóruns, palácios... Também com ele é fácil vender livros, discos, e fazer sucesso na política e na televisão...
Dêem licença!... o meu filho me chama. Ele tem mais de mil anos, mas ainda é uma criança...