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Contos-->QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo XX -- 28/07/2006 - 10:50 (Edmar Guedes Corrêa****) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo XX

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O dia está lindo com os raios solares invadindo-me o apartamento através da janela. Acabei de acordar. Embora ainda seja 7:30 hs e não tenha dormido direito mais uma noite, não consigo ficar na cama. Estou inquieto, agoniado, como se alguma coisa perturbasse meu espírito; aliás, isso já vem acontecendo há vários dias – mais precisamente há quatro dias –, desde que encerrei o último capítulo. É como se as minhas últimas confissões, as lembranças daqueles momentos trágicos me fizessem sentir o pior homem do mundo. Sim, querido leitor! Às vezes eu me pergunto por que mereço viver mais um dia. Não seria melhor que eu fosse cometido de uma morte súbita a fim de livrar a humanidade de um ser tão vergonhoso quanto eu? Não seria melhor que este apartamento – meu único bem de maior valor – fosse vendido e o dinheiro doado para uma instituição de caridade? Minha irmã é uma pessoa bem de vida, não precisa desse imóvel. Eu poderia deixá-lo em testamento para uma instituição. É. Poderia fazer um testamento. E meus livros? Seriam bem mais aproveitados numa biblioteca. Raramente me atrevo a pegar um para ler. A leitura já não me causa nenhum prazer; Aliás, nada mais me causa prazer. É como se a vida tivesse me tornado um fardo pesado demais. A morte me parece a única coisa capaz de me provocar algum frisson; e dia após dia ela ocupa mais meus pensamentos. É como se estivesse caminhando a passos largos ao seu encontro. É como se a distância entre dois pontos – eu e a morte – ficasse cada vez menor, mais curta.
Fui ao banco ontem no período da manhã sacar o dinheiro que minha irmã deposita todos os meses para eu me manter. Não é uma quantia grande; o suficiente para pagar a conta de luz, o condomínio, a empregada que vem todos os dias na parte da manhã fazer a limpeza e o almoço, e comprar comida. Como não sou de muito luxo, aliás nem poderia, sempre sobra uns trocados, com os quais me dou ao prazer de sair duas ou três vezes por mês para comer num restaurante barato ou ir ao cinema. Sim, porque uma das pouquíssimas coisas que me dá prazer é o cinema. Sou um velho apaixonado pelo cinema.
Sei que sou mais um fardo para minha irmã. Talvez por isso ela nunca venha me visitar. Aliás, raramente nos falamos; vez ou outra é que telefono para ela e pergunto se está tudo bem. Sou tão miserável que até minha própria família me abandonou. Desde que meus pais faleceram há cerca de um ano, vivo ainda mais solitário. Não que viessem me visitar com freqüência, entretanto minha mãe aparecia ou telefonava pelo menos uma vez por semana. Meu pai não; nós ficávamos mais de um mês sem se falar. Agora, minha irmã parece me odiar. Aliás, ela só me sustenta porque meu pai deixou em testamento que ela ficaria com as empresas da família com a condição de me dar uma quantia mensal em dinheiro para eu me manter enquanto eu viver. Só que mesmo assim não acho isso justo. Ela e meu cunhado têm todo o trabalho para administrar as empresas com essa crise pela qual o país está passando e ainda têm que sustentar um inútil, um pobre infeliz que não é capaz de administrar a própria casa.
É a mais pura verdade. Eu não herdei as empresas de meus pais porque eles sabiam que em pouco tempo eu as levaria a falência. Eu perderia o controle da situação, usaria mal o dinheiro, deixaria ser enganado por fornecedores e principalmente por empregados inescrupulosos; enfim, as empresas em minhas mãos seria um completo desastre. Minha irmã é uma boa administradora; aliás, sempre foi, sempre foi a queridinha do papai, aquela com a qual meu pai podia contar a todo o momento. Por isso elas estão e sempre estarão em boas mãos enquanto minha irmã e meu cunhado forem os donos.
Desde o episódio em que desviei dinheiro da empresa para pagar o fatídico aborto de Fabiana, estava mais que provado que eu não servia para comandar as empresas de meu pai. Por muita sorte ele não descobriu esse desvio; pois, se isso tivesse acontecido, teria ligado uma coisa à outra, e então teria descoberto o responsável pela gravidez que levou a menina à morte.
Até hoje eu não sei como a polícia não chegou a mim. Tanto eu quantos os funcionários da repartição onde Fabiana trabalhava foram interrogados. Embora o pai da criança não fosse diretamente o culpado pelo ocorrido, a polícia queria saber quem havia lhe indicado onde fazer o aborto. A proprietária da clínica estava presa, mas não sabia dar essa informação. Pelo que li nos jornais e fui informado durante o depoimento, Fabiana não contara para ninguém quem lhe recomendara a clínica e menos ainda quem era o pai da criança.
Embora eu soubesse quem indicara – a prima de Fabiana --, omiti a verdade. Se a garota não tinha sido envolvida até agora, não seria eu quem a meteria nessa enrascada. Assim, achei melhor dizer que desconhecia tanto uma coisa quanto outra.
Eu só usei essa estratégia porque fui um dos últimos a prestar depoimento. Se os outros funcionários não me comprometeram, por que eu me comprometeria? Não, de forma alguma! Aliás, acho que mesmo aqueles que desconfiavam de mim preferiram ficar calados por causa do meu pai. Eles sempre o tiveram em boa estima, sempre o respeitaram e o admiravam pelo carinho com que tratava seus empregados. Só pode ter sido por isso; pois era evidente que alguém sabia de meu relacionamento com a falecida.
Se por um lado o meu envolvimento com Fabiana permaneceu ignorado, o que evitou dissabores para meus pais e conseqüências mais graves para mim mesmo no tocante a justiça, o mesmo não se pode dizer com relação aos efeitos psicológicos.
É evidente que fiquei arrasado, como muitos de nós ficamos. Contudo, de uma forma que não sei explicar, aquilo parece ter destruído o pouco de amor próprio que havia em mim. Daquele momento em diante eu passei a me sentir como se o mundo inteiro estivesse contra mim e nada que eu fizesse fosse capaz de mudar isso. Talvez tenha rompido algo, algo muito importante do qual eu nunca mais pude me recuperar.
Durante um mês e pouco eu não sentia vontade para nada. Eu sentava em minha mesa e era tomado pelo remorso, pelas lembranças daquela jovem tão alegre e cheia de vida que não estava mais ali por minha culpa; eu ainda executava minhas tarefas e cumpria todas as minhas obrigações, mas de forma quase mecânica; aliás, só fazia isso para não deixar que descobrissem o verdadeiro motivo daquele estado de desolação, de impotência, de fraqueza. Por diversas vezes Luciana me inquiriu acerca do que estava se passando. Em todas elas eu menti, cada vez com uma justificativa diferente. Talvez porque ainda me amasse bastante, ela aceitava as desculpas sem me pressionar para saber a verdade; pois eu não acredito que ela aceitasse em minhas justificativas de forma assim tão fácil. Aliás, eu fazia um esforço tremendo, quase sobre-humano, para evitar que ela percebesse algo de errado comigo. Eu tentava ao máximo agir com naturalidade, como se estivesse tudo bem, embora aquilo muitas vezes me aborrecesse e me enfadasse.
Tenho de confessar, querido leitor, que nesse período quase não pensei em Diana. Por um bom tempo ela ficou praticamente esquecida. Dir-se-ia ter morrido para sempre dentro do meu coração. E confesso que cheguei a pensar que ela fizesse parte do passado, de um passado sem volta; e que não passasse de uma paixão da juventude, uma vez que já contava com dezoito anos.
Ah! Como eu estava enganado! Como o destino da gente é imprevisível! Uma fagulha à toa é capaz de provocar um incêndio tamanho que não há força na natureza capaz de apagá-lo. Essa é a verdade! Como eu poderia imaginar que um passeio em Juiz de Fora mudaria tudo, faria acender a velha chama que eu pensara extinta, me faria acreditar na felicidade e sonhar em ser um homem de verdade? Ah! Querido leitor! Depois de perder a esperança na vida, depois de achar que seria infeliz até o último sopro de vida, vi uma chance de mudar tudo. Era como se depois de não restar mais nada, você descobrisse um fiozinho de esperança, então você se agarraria a ele como se sua vida dependesse desse fio. E foi isso que fiz.
Ah! Mas isso eu vou deixar para o próximo capítulo. Não é justo misturar um momento tão significativo, um dos raros momentos de felicidade, com lembranças ruins. Não, não. É melhor parar por aqui. Vou aproveitar que o dia está tão lindo e dar uma volta. Vou tentar recuperar um pouco das forças, pois estas andam me faltando muito ultimamente; quando retornar mais tarde, sento novamente diante do computador e então continuarei minha jornada.
Sei que ainda tenho muito a dizer. Por isso devo aproveitar quando estou disposto, quando me sinto melhor, o que raramente aconteceu nos últimos dois anos. Aliás, o que me animou hoje cedo foi a empregada. Não sei por que cargas d’água, ela veio trabalhar vestindo uma roupa além de justa muito curta também. Confesso que ao vê-la usando aquela bermuda curta daquela forma, deixando transparecer todos os contornos de seus quadris, senti uma pontada de desejo. Aliás, só não sentei diante do computador para continuar minha história porque estava de olho nela. Enquanto ela tirava o pó do sofá e varria a sala eu fingia ler um livro e ficava olhando para suas coxas e seus peitos. Ela não é uma mulher bonita e nem muito jovem – deve ter uns 30 anos –; mas para um homem na minha idade e nas minhas condições, qualquer coisa é melhor do que nada. Entretanto, não pensem que estou de olho nela. Não, de forma alguma. Ela é uma senhora casada e jamais permitiria uma ousadia de minha parte. Além do mais, não quero perdê-la, uma vez que eu não tenho o que reclamar de seu trabalho, e também não quero ser acusado de assédio, uma coisa muito em voga hoje em dia. Assim, se quero me engraçar com alguém, devo fazer como venho fazendo nos últimos anos: vou a um prostíbulo.

Para ler os demais capítulos, clique no número do capítulo correspondente.

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