Eram sete horas da manhã do dia 6 de setembro de 1982, quando saí para Alvorada do Iguaçu com a missão de entrevistar para o semanário Nosso Tempo os últimos moradores daquela vila que havia surgido em 1960 para ser uma cidade planejada e estava com seus dias contados. Em breve ela seria coberta de água.
Faltava pouco mais de um mês para o fechamento das comportas do canal de desvio e a região estava deserta. Raramente aparecia alguém ao longo da estrada. A quiçaça tomava conta dos campos antes tomados por lavouras, e das casas e galpões que eram vistos ao longo do caminho só restaram os cepos. Outros madeirames foram levados para as novas propriedades e dos espaços de chão batido, onde antigamente se erguiam as moradias dos colonos, só ficaram suas histórias. Algumas me foram contadas por Alcides Binotto, um carpinteiro que trabalhava nas demolições. Eu o conheci em Alvorada do Iguaçu, ou melhor, no que restou dela, quando desmanchava o que um dia foi a casa comercial de Belmiro Mariani, uma das poucas construções remanescente no vilarejo. Entre velhas vigas de aroeira e caibros de cedro, seu Alcides recordou os dias de movimento, quando os colonos se juntavam na venda para beber cachaça e contar causos. Recordou as reuniões políticas que eram feitas no salão e contou-me em voz baixa que certa ocasião quando o deputado Alencar Furtado visitava a região foi ao Belmiro conversar com o povo. O boliche ficou cheio. Tinha gente pendurada nas janelas e até do lado de dentro do balcão. Alencar era famoso pelos discursos inflamados, em que ele desancava a ditadura. Um deles serviu de pretexto para a cassação de seu mandato de deputado federal. Foi em 1977, quando no simpósio Luta pela Democracia, ele criticou a falta de liberdade no País e denunciou a violenta repressão aos opositores do regime, as prisões arbitrárias e o desaparecimento de cidadãos. “Defendemos a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em pranto; filhos órfãos de pais vivos – quem sabe mortos talvez... Órfãos do”talvez” e do “quem sabe”.
Veio a anistia, Alencar Furtado voltou à Câmara Federal em 1983 e só desapareceu do cenário político paranaense após perder para Álvaro Dias a eleição de governador em 1986.
Alencar estava cassado e com os direitos políticos suspensos quando falou, em 1978, para o povo reunido na venda de Alvorada do Iguaçu. Apesar de estar punido pela ditadura, sem poder votar e ser votado, ele peregrinava pelo Estado fazendo campanha para seu filho Heitor, que foi eleito deputado federal com uma votação extraordinária e morreu em outubro de 1980, vítima de um atentado.
Por causa da reunião em seu estabelecimento, Belmiro Mariani foi fichado como subversivo e passou a receber visitas periódicas dos agentes do serviço de informações do Batalhão de Fronteiras. Desde então sua vida desandou, perdeu o ânimo pelas coisas e descorçoado fechou a sua casa comercial em 1980 indo trabalhar como operário numa fábrica em Cascavel.
Naquela época muitos colonos venderam suas propriedades a preço de banana e foram viver em casa alugada e trabalhar como empregados em outras cidades. Alguns caíram vítimas de estelionatários que percorriam a região soltando boatos e dando golpes. Um desses estelionatários foi o advogado Ubiratan Costa, que dizia ser protegido dos militares do 1º Batalhão de Fronteiras, afilhado do bispo de Cascavel, dom Armando Círio, sobrinho do almirante Luiz Oliveira e do general Isaac Nahan. Com tantos parentescos e proteções, mais um arsenal de astúcias e muita lábia, o advogado enganava com facilidade os habitantes da região. Comprava a propriedade por uma ninharia, com o argumento de que vendendo para ele o colono receberia em poucos meses, enquanto negociando direto com Itaipu o recebimento iria demorar de 10 a 20 anos. Para sustentar sua história o estelionatário citava seus “parentes e protetores” poderosos. Aqueles que caíram em sua conversa acabaram indo parar na rua da amargura, sem eira bem beira.