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Contos-->Cabeças cortadas, -- 12/08/2006 - 15:20 (Aluizio Ferreira Palmar) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cabeças cortadas,
ponte queimada


Quando eu cheguei a Santa Helena para entrevistar Plínio Angeli, o ambiente era extremamente tenso. Naquele dia muitas famílias estavam indo embora e o impacto das desapropriações para formação do reservatório de Itaipu atingia toda população. Cerca de 30 por cento da área total de Santa Helena estava para ser inundada e milhares de colonos migravam para outros municípios e até para outros estados.
Encontrei o Plínio na Câmara de Vereadores, onde ele trabalhava. Eu o conheci em 1980, por intermédio de seu irmão José Angeli, jornalista e escritor de mão-cheia que mora em Curitiba, mas tem parentes e amigos espalhados por toda a região Oeste, onde seu pai foi um dos desbravadores. Zé Angeli é, como ele próprio diz, um velho companheiro das peleias travadas contra a ditadura. Plínio era do PCB e militou antes do golpe militar no Rio de Janeiro. Devido a essa militância foi fichado pelos órgãos de repressão do regime e controlado durante anos pelos agentes dos serviços de informações do Exército e da Polícia Federal.
Quando o encontrei ele estava triste com o esvaziamento econômico e populacional de Santa Helena. “Agora só resta escrever a história”, dizia Plínio, enquanto tentava abotoar a camisa que teimava em expor seu imenso barrigão. E histórias Santa Helena tem às pencas; algumas ainda não foram escritas, como a morte por enforcamento de dezenas de camponeses, ocorrida na fazenda dos Mesquitas, localizada na região da Ponte Queimada. Naqueles últimos anos da década de 60 a violência contra os posseiros era de tal monta que os jagunços matavam os pais e seqüestravam as filhas menores para morar com eles, como está registrado nas declarações prestadas à Polícia Federal pelo agricultor Ortêncio Elibrando Monteiro. No depoimento dado à PF, Ortêncio contou que além de seqüestrar as moças, os jagunços dos Mesquitas cortavam as cabeças dos pais e as levavam para as famílias.
A região onde ocorreram esses conflitos pela terra leva o nome de Ponte Queimada, pelo fato de existir ali destroços da ponte que cruzava o Rio São Francisco Falso e que em 1925 foi queimada pelos revolucionários de Luiz Carlos Prestes para impedir a passagem da tropa governista comandada pelo general Cândido Rondon.
Durante sua marcha pelo oeste do Paraná, Prestes e seus comandados encontraram uma terra dominada por empresas concessionárias da exploração de erva-mate e madeira de lei. Na região de Guarapuava e Laranjeiras dominava a Companhia Mate Laranjeira, enquanto que no Alto Paraná, na região de Guaira e Porto Mendes, quem explorava a erva-mate era a Companhia Allica.
Nos obrajes, predominava o trabalho escravo e os trabalhadores, suas mulheres e filhos eram tratados com violência. Os mensus, uma derivação do espanhol mensualista, eram a mão-de-obra quase absoluta empregada nos trabalhos de extração de madeira e erva-mate. Constituída basicamente por paraguaios, sua arregimentação era feita pela força e eles deviam obediência irrestrita aos obrajeros e seus capatazes, verdadeiros monarcas, com poder de vida e morte sobre os trabalhadores.
Enquanto as autoridades constituídas atuavam sempre em defesa dos donos dos obrajes, a violência, corriqueira nos acampamentos, não era contestada pelos mensus. Fracos e descalços, eles passavam meses embrenhados no mato. Fugir era impossível. Quem se aventurava ia pra cadeia ou acabava boiando nas águas do rio Paraná.
Os atos de violência mais contundentes ocorriam na hora do acerto de contas. Os mensus estavam sempre devendo para o patrão. Esse endividamento constante e progressivo aumentava o grau de dependência, que já começava na contratação do peão, quando ele recebia um adiantamento, chamado de antecipo. O dinheiro era dado a peonada antes do embarque para os futuros locais de trabalho. As embarcações atrasavam de propósito até cinco dias e durante esse tempo os peões gastavam todo o antecipo com mulheres e bebidas e quando chegavam no obraje estavam devendo para o patrão. O desgraçado do trabalhador nunca mais conseguia pagar o que havia recebido.
O mais temido dos capatazes era o carrasco Santa Cruz, cunhado de Júlio Allica cujo império se estendeu por quase todo o oeste paranaense. Foi ele o responsável pelo maior dos massacres de mensus de que se tem conhecimento. Cansados de serem explorados e dos maus tratos um grupo de trabalhadores dos obrajes de dom Júlio decidiu fugir. Alguns se embrenharam no mato em direção a Campo Mourão e escaparam da patrulha do carrasco Santa Cruz; outros seguiram para Pitanga e não tiveram a mesma sorte. Foram massacrados pelos homens leais ao cunhado do obrajero. O lugar das mortes ficou conhecido como “Las Cruces”.
O império dos concessionários da exploração de erva-mate e de madeira só foi derrocado graças aos revolucionários de 1924. Durante sua marcha pela estrada Foz/Guaíra em direção a Porto Mendes a tropa comandada por Luiz Carlos Prestes atiçou o ânimo da peonada e com ela marcharam os paraguaios, argentinos e brasileiros que viviam nos acampamentos. Os mensus aproveitaram a oportunidade para escapar da escravidão dos obrajes e caminhar junto com os oficiais e soldados da coluna. Durante a fuga os trabalhadores deixaram para trás pontes destruídas, balsas afundadas e o corpo de Santa Cruz, abandonado na região de Quatro Pontes após ter sido degolado por um golpe de facão.
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