Conheci Orlando numa feira de automóveis, trabalhando como recepcionista, seu jeito elegante e esportivo logo chamou minha atenção, ficamos numa paquera gostosa pôr muito tempo. Sempre que ele passava pôr perto nossos olhos se encontravam, e sorriso misturado com timidez e sensualidade marcava aqueles instantes entre um carro e outro. E sem surpresa, recebi seu cartão e um convite para um jantar, recusei informando que só ficaria livre no final de semana após a feira, Orlando abriu um sorriso e disse que não tinha problema, que aguardaria meu telefonema.
Na semana seguinte liguei e marcamos um encontro. Para minha alegria Orlando comprara exatamente o carro que estava em meu estande.Perguntando meu nome respondi: Helena. Fomos jantar e depois passeamos na calçada de Copacabana entre turistas e cariocas nossa alegria era notada pôr todos.
Voltei a minha vida normal, estudava fisioterapia e trabalhava em eventos.
Nosso relacionamento firmava cada vez mais, fiquei sabendo que Orlando era gerente administrativo de uma grande metalúrgica. Sem planos para o futuro, vivendo intensamente a vida de jovens namorados, nos finais de semana viajávamos para cidades próximas do Rio.
Foi numa manhã quando ia para a faculdade, senti mal estar e lembrei com desespero que não menstruara naquele mês. Fui ao médico sem nada dizer a Orlando e fiquei sabendo da gravidez. À noite voltei para meu apartamento, morava sozinha, meus pais ficaram em João Pessoa. Silenciosamente caminhei pelo minúsculo apartamento, pensando em ligar para Orlando, mas não tinha coragem, quando de repente o telefone tocou, era ele dizendo que estava com saudade. Conversamos rapidamente, mas não falei sobre a novidade. Não passou nem cinco minutos o porteiro informou que Orlando estava subindo, dei uma risada de surpresa, pois Orlando falara do celular na portaria do prédio. Aproveitei a noite, depois das carícias de nosso grande amor, falei da gravidez, para minha alegria e surpresa, Orlando abraçou-me e beijou minha barriga, dizendo que esse fora a melhor noite que ele vivia.
Passado os dias, Orlando providenciou nosso casamento, informando a família e foi uma cerimônia simples.
Fomos morar numa casa em Marica, a casa de grandes janelas de vidro, os quartos tinha a paisagem do mar e das montanhas, escolhemos o quarto de nosso bebe onde na janela havia um grande boguenvile na cor maravilha, que contornava a janela exageradamente. Orlando mesmo podara para que ficasse só de um lado.
Decoramos o quarto com muitas cores, preferimos não querer saber o sexo do neném, seu bercinho colorido cortinas listradas, parecia um quarto de jardim.
Fui para a maternidade numa manhã de inverno com muita chuva, Orlando percebera aquela noite de insônia e não fora trabalhar, silenciosos numa expectativa natural, Orlando colocou a música de Kátia Ellen “Quando o segundo sol chegar, e realizar...” segurei sua mão numa mistura de medo e alegria. Entrei para a sala de cirurgia, nosso neném nasceu, mas pôr ironia do destino, uma falha médica, ele caiu das mãos do cirurgião, fraturando gravemente a coluna. Dei um grito sem saber o que acontecia quando ouvi uns murmúrios na equipe, meio sonolenta, adormeci acho que pôr medo de saber do acidente.
Quando acordei no quarto, uma sensação de esperança que tivesse sido um sonho, mas meu pressentimento assustava-me. Ao abrir os olhos, vi meu marido e uma equipe de médicos. Participaram o que acontecera, informando que o cirurgião seria punido e o hospital arcaria com uma indenização, pois meu bebe sofrera uma fratura e tinha sido operado e as esperanças eram remotas de sobrevivência, mas que se vivesse, seria tetraplégico. Chorei silenciosamente, virei as costas e fiquei olhando a parede a minha frente, era o que simboliza a minha vida naquele momento, sem saída sem alegria sem nada.
A luta foi desigual, meu neném suportou a cirurgia e em casa começou minha luta. Não terminei o curso de fisioterapia, mas já chegara a fazer estágios, e tinha alguma noção de como lidar com aquele problema. Minha vida passou a ser integralmente para meu bebe, ele era lindo, tinha os cabelos loirinhos e olhos.
Azuis. Posicionei sua cama de frente para a janela. Os meses foram passando, sua reação era limitado em sorrisos, choros, e doenças respiratórias, não movia nem a mão, e sobre meus esforços, lutava pôr algum progresso. Passados três anos, meu filhinho Leonardo naquela cama, minha vida com Orlando mudara muito, ele ia se afastando a cada dia, havia noites que ele não voltava para casa dizendo que havia muito serviço na metalúrgica. Seu afastamento foi tão lentamente que quase não notara.
Foi numa manhã em que adormecera no quarto de Leonardo, que Orlando foi até o quarto e perguntou o que acontecera, respondi que nosso filho passara mal a noite toda com febre e gripe. Vi Orlando balbuciar algo que não entendi, mentira pra ele, pois a verdade é que Leonardo tinha um problema respiratório crônico e eu tentava suavizar para não entristecer ainda mais a nossa vida. Orlando voltou para o quarto para se arrumar, e a demora foi maior que os outros dias, fiquei deitada na cama de Leo olhando as nuvens que formavam bichinhos e outras figuras, segurava suas mãozinhas fininhas, quando percebi Orlando na porta do quarto nos olhando. Virei e sorri, Orlando tinha a seus pés uma mala. Tomei um susto e levantei perguntando se ele ia viajar. Orlando não respondeu e foi caminhando para sala. Acompanhei assustada, pressentia a resposta, e meus pressentimentos não foram diferentes, Orlando abraçou-me dizendo, que não suportava mais aquela vida, que ele não tinha minha força, que estava indo embora e que não deixaria faltar nada. Chorei convulsivamente abraçada em seus braços imóveis, implorei que não nos deixasse. E num silencio sofrido, Orlando afasta-me de seus braços e sai fechando a porta sem olhar pela vidraça como sempre fazia.
Voltei para o quarto e fiquei sentada na cama olhando para Leonardo que nesse instante deu um sorriso inocente, debrucei-me sobre seu corpinho frágil e chorei muito tempo, ouvindo sua respiração, num abraço de mãe, jurei que jamais o deixaria, que nada nem ninguém poderia nos afastar.
Os dias foram passando, tentava ligar para Orlando e sua secretária dizia que ele estava em reunião ou viajando. Uma noite recebi sua ligação em palavras frias e distantes, Orlando pediu que eu não voltasse a ligar para a empresa, pois ele estava de casamento marcado com a filha do diretor da empresa. Desliguei o telefone como num choque elétrico, numa mistura de raiva e ciúmes fui até a janela e briguei com Deus. Mas arrependida retornei para dentro de casa e agradeci a Deus aquela paisagem, o céu estrelado com a lua refletindo no mar, meu filhinho adormecido de frente para o céu estrelado. Dei um sorriso e cheguei a sentir felicidade.
Passaram os anos, Leonardo já tinha doze anos, crescera, mas seu corpinho magrinho e a pele branquinha faziam suas feições angelicais. Minha luta era conhecida naquela pequena cidade, descia a ladeira de minha casa com Leo na cadeira de rodas, fazia compras ia aos Bancos, e sempre que retornava, tinha alguém para ajudar-me a subir a ladeira até minha casa. Raramente sabia de Orlando, a ultima notícia que tivera, ele continuava casado, mas não tinham filhos, pois viviam viajando.
Uma manhã de primavera, o céu estava com um azul maravilhoso o mar competia com o céu, formando ondas espumosas, as nuvens em blocos parecia o cenário de um espetáculo dos deuses. O boguenvile estava carregado de flores, fui até a janela do quarto de Leonardo, ele estava acordado com um longo olhar para o céu, dei um psiu pra ele e um beijo, liguei a televisão, era um Sábado, a Xuxa cantava alegremente, percebi uma mudança em suas feições, seus olhos brilharam, fui até o boguenvile e peguei com cuidado um ramo de flores e tentei colocar em suas mãos, seus olhos ficaram parados olhando as flores e num gesto único em sua vida, tentou pegar as flores, fiquei rindo e nesse instante, Leonardo olhou para o céu sorrindo como se estivesse vendo algo e lentamente fechou os olhos tombando a cabeça para o lado. Olhei para o céu nesse instante e vi uma grande nuvem na figura de um anjo. Olhei para Leo assustada e percebi seu corpinho frio. Dei um grito que acho Ter chegado até o céu, as nuvens se dissiparam e gritei pela casa, gritei tanto que os poucos vizinho daquela ladeira, vieram correndo a meu socorro.
Passaram os dias, tentei ligar para Orlando para dizer o que acontecera, mas como sempre não consegui.
Um ano depois, retornei minhas atividades, de casa e resolvi fazer trabalhos voluntários em hospitais.
Foi numa manhã de primavera, estava no quarto de Leo recordando sua vida, olhando suas fotos, o boguenville estava florido, o céu e o mar brincavam de fazer a beleza da natureza mais alegre, debruçada em recordações alegres e tristes, ouvi o telefone. Atendi sem entusiasmo, quando a voz de uma enfermeira desconhecida informou que Orlando estava internado naquele hospital há dois meses e pedira que fosse dado esse recado. Tomei um susto, perguntei o endereço e fui correndo visitá-lo.
Orlando sofrera um acidente de carro, ficou paralítico e foi abandonado pela esposa. Entrei no quarto daquele hospital, minha mente embranquecida, meu coração disparando dividido entre tristeza e piedade, nossos olhos se encontrou, silenciosamente fui até sua cama e segurei suas mãos dizendo em meu silencio que estaria ali para sempre com ele.
Levei Orlando para nossa casa, e como o quarto do Leonardo tinha cama especial, acomodei-o ali também. Minha luta retornou, nunca perguntei o que acontecera, nem ele. Apenas uma noite Orlando perguntou como Leonardo morreu, expliquei sem muitos detalhes, e vi umas lagrimas correrem em seus olhos.
Seu corpo estava maltratado com ferimentos, tanto do acidente como de Ter ficado em hospital sem uma fisioterapia. Tratava dos ferimentos e fazia fisioterapia em Orlando. Cuidava com o mesmo carinho da época em nos amávamos, mas não permitia que ele percebesse. E os dias foram passando.
Ainda era primavera, a manhã estava linda, o sol dourando as montanhas e o mar, as flores na janela, afastei ainda mais as cortinas e deparei com Orlando sorrindo olhando para o céu. Colhi um ramo de boguenvile e dei a ele, brincando, em gesto carinhoso, olhei para o céu e vi nas nuvens um anjo.
Sorri e fui até sua cama e dei um abraço de alegria e de perdão.
25.02.2001-02-25
Lira Vargas.