Quando Leopoldo chegava em casa, Lurdes tremia de medo, punha as crianças na cama e ficava aguardando alguma reclamação brusca ou ofensas.
Seu mau humor era conhecido na vizinhança, chegava a ser antipatizado num pequeno bairro de Belo Horizonte.
Vendedor de produtos de limpeza, fazia pequenas viagens pelas cidades vizinhas.
Foi numa noite de inverno, Lurdes já não agüentava mais as brigas e surras, Leopoldo chegara bêbedo e quebrando tudo que via pela casa. Lurdes esperou que ele acalmasse e quando aconteceu, informou que estava indo embora, qual não foi sua surpresa, ele esbravejou, mas Lurdes foi irredutível, saiu porta a fora com as duas crianças, e os gritos de ódio chamou a atenção de todos.
Lurdes sem olhar para trás, foi para o ponto de ônibus. Leopoldo não acreditava em sua atitude e ficou no portão ameaçando-a se a mesma subisse para o ônibus, e Lurdes indiferente aos seus gritos, aguardava o ônibus.
Os vizinhos silenciosos ficaram olhando, ninguém ousava dizer nada, ele entrou em casa. Na calçada os comentários eram sussurros, nesse instante passava um homem segurando um cão pastor alemão. Leopoldo sai de dentro de casa esbravejando com uma arma em punho, e quando olhou para o ponto de ônibus, Lurdes já havia sumido.
Leopoldo aponta para a cadela e atira. As pessoas correm e o homem que a segurava, ficou rodando, perguntando o que acontecera, ele era cego, a cadela era seu guia.
Leopoldo volta pra dentro de casa, pega o carro e sai da cidade. No dia seguinte foi manchete no jornal local.
Pôr muito tempo os comentário não cessava, o rancor das pessoas era muito forte.
Ele continuou sua vida de viajante, nunca mais ouviram falar de Lurdes. Leopoldo em todos os lugares que chegava, alguém o reconhecia e comentavam, ele começou a sentir que sua atitude fora longe demais, mas não podia voltar a atrás.
Era verão, no céu as nuvens acumulavam, prenúncio de temporal, Leopoldo viajava pela estrada deserta, os primeiros pingos de chuva caia, no pára-brisa as manchas de poeira indicava que sua viajem fora longa.
E a chuva foi aumentando, ele não podia parar, não tinha abrigo, e seguiu desafiando a chuva. Os raios cortavam o céu, nesse instante, ao fazer a curva, deparou com um lugarejo, mas insistiu na estrada já alagada, nas margens o rio já igualara com a estrada. E sentindo que estava perigoso, tentou sair para o outro lado onde havia uma pequena elevação, mas foi inútil, não conseguia, seu carro fora arrastado pôr uma correnteza, e caiu dentro do rio. O carro foi afundando, conseguiu sair e agarrou-se aos galhos, numa tentativa inútil de salvar-se, em seus pensamentos a lembrança da esposa e filhos que foram embora, o medo tomando conta, um apelo de socorro, mas o silencio era quebrado pelo barulho das águas enfurecidas e dos raios. Nesse momento, o uivo de um cão quebrou aquela barulheira, Leopoldo olhou para as margens, e lá estava um cão latindo, angustiado para ajudá-lo, Leopoldo gritou outra vez, o cão foi embora, o desespero era grande, os galhos em que ele segurava, já estavam se desfazendo nas águas, nesse instante o uivo do cão voltou, alguém no escuro, jogou uma corda, mas ele não conseguia pegar, e várias tentativas, suas forças já estavam acabando, quando o cão, jogou-se na água com a corda na boca, nadou até perto, ele pegou a corda e foi puxado pelo homem acima das margens.
Ao chegar, com muito frio e cansado, subiu tonto, tentando se aquecer, olhou para o animal que salvara sua vida e ao acariciar seu corpo, notou uma grande cicatriz em suas costas, olhou para seu dono, esse com olhar vago, falou com uma voz meiga, que tinha em sua casa, comida e abrigo. Leopoldo, lembrou que era o homem cego, que um dia ele atirara naquela cadela.E sem nada falar, correu pelo mato envergonhado. Contam que Leopoldo nunca mais foi visto na cidade.
Lira Vargas
