Usina de Letras
Usina de Letras
76 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 62582 )
Cartas ( 21339)
Contos (13279)
Cordel (10457)
Crônicas (22550)
Discursos (3244)
Ensaios - (10499)
Erótico (13582)
Frases (50953)
Humor (20093)
Infantil (5516)
Infanto Juvenil (4840)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1377)
Poesias (140979)
Redação (3332)
Roteiro de Filme ou Novela (1064)
Teses / Monologos (2439)
Textos Jurídicos (1963)
Textos Religiosos/Sermões (6271)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->AI, COMO DÓI ! -- 09/02/2001 - 13:12 (Mario Jacoud) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

“Para dentro, moleque”. O moleque passa pelo pai, à porta da casa, e é alcançado por um tapa na cabeça, por trás. A agilidade do menino não vence a fúria do pai. Moleque de rua, não estuda. Tenta o refúgio do quarto, o cobertor é armadura. Abra a porta, se não abrir põe abaixo, se abrir apanha, a coberta não cobre, melhor abrir, cinta na mão, não chora, não tem medo, marca nas costas, tem medo, chora, urina, chama a mãe, corre ao banheiro, liga o chuveiro. Ai meu Deus! Passou do horário, sem janta, maldito futebol! Água quente, ah se o pai soubesse da menina, brincando de namorar, as mãos lisas de sabonete, beijo na boca, relaxa, espuma que limpa, brinca, ai mariazinha, ai.
A bicicleta segue, rápida, uma pedra e o menino cai. Bicicleta quebrada, menino esfolado, para dentro, moleque. Ai, ai, ai, como dói, não pode correr, dois tapas, ai, ai, a cabeça dói, almoço na mesa, a cinta, não tem medo, marca nas costas, chora, tem medo, liga o chuveiro, namoro nas bicicletas, ah se alcança a menina, cheiro de sabonete, água quente, é bom, gostoso, ai mariazinha, ai.
A velha estanca lágrimas com o lenço encharcado, olhos no caixão. A mulher não chora, caminha até o corpo, está cansada, abaixa a cabeça, levanta o tule preto e deposita um beijo na face fria. Na cozinha, café, falatório, tão moço, o que será da viúva, o filho que só estuda. O rapaz chega, o movimento da cabeça serve de cumprimento a todos, deixa a mala na entrada da sala, abraça demoradamente a mãe, beija a avó no rosto, vai até o esquife, a mão nas mãos cruzadas do morto, alguns segundos de silêncio, vai para a cozinha e aceita o café oferecido. Engole o café e a dor, doem o coração e a cabeça, ai, ai.
Os livros espalhados na mesa da cozinha, a mãe preparando o almoço, o rapaz estuda. Não tem tempo para o futebol, alguns anos de ausência não deixaram saudade dos amigos, não bebe nos bares, a bicicleta enferruja no quintal. Não tem marcas nas costas, tem no peito, lá no fundo. A mãe sorri, passa as mãos nos seus cabelos, beija o rosto, recolhe os livros, almoço na mesa. A comida quente traz saudade, come com pressa. Não corre pela casa, não se esquiva, não foge, o quarto tem a porta aberta, não chora, não tem medo, olha para a mãe, ela chora, tem medo.
A loja quase vazia, a vendedora atenciosa atende o moço e sua mãe. Calças, camisas, gentilezas e sorrisos. Fala de moda, aconselha, mede o rapaz com os olhos, ela tem uma boca em cada olho, ajeita a roupa no corpo dele, passa a mão no peito, nas costas, ela tem uma boca em cada mão. Ele tem na boca um gosto que nunca sentiu e não sabe de onde vem, as mãos tremem e suam, tem febre nas faces e não vai esquecer a voz da moça dizendo volte sempre, espero você, não esqueça, venha sozinho e, rouca, sussurrando: “amanhã, saio às seis”. Ele tem o coração na boca, tem medo.
A espera na calçada não termina nunca, ela sai cinco minutos atrasada e o beija no rosto. Palavras que mal saem da boca. Ela segura sua mão e caminham, onde vamos, onde mora, na porta da casa o beijo na boca, os corpos se tocam, amanhã mesmo horário, gostei de você, não tenho namorado.
Mãe, o menino quer jantar, já tomou banho e guardou os livros. A noite é fria e queima em seu corpo, debaixo das cobertas, a cabeça escondida, gosta dos livros, de jogar bola, da bicicleta e da namorada. Quem pode ser homem se não foi criança? Depois vem o pesadelo, grito, a mãe descobrindo a cabeça, o beijo no rosto suado, o colo, o gemido. Dói, mãe, ai.
Os namorados passeiam tranqüilamente, abraçados, carinhosos, os olhos nas vitrines iluminadas, quase não falam. Na porta da casa o beijo não é de despedida, vamos entrar, meus pais saíram, só um pouco. O beijo na sala, sentados no sofá, as mãos inquietas, ela o empurra sem violência, não, ainda não. A mão dele é rápida e explode num soco. Sangue na boca beijada, um grito e está calada, um lenço sufoca a boca sangrada, cabelos acarinhados agora são puxados, as costas arranhadas no chão, pernas fechadas, olhos que choram. Mais socos na cabeça e os olhos não choram, fecham, as pernas abrem com violência, cada carícia lembrada no corpo é uma mancha roxa, um monstro de muitas pernas e braços, as roupas rasgadas, entranhas rasgadas, o monstro de mil tesouras é pesado e duro como pedra, mal respira, no nariz os odores de sangue, suor e sexo. Aflição e dor, é um alívio quando faltam os sentidos.
O moço vê o pai parado à porta da casa. Corre, as pernas doendo, sente os socos, para dentro, moleque, não quer estudar, abra a porta, só quer namorar. O que fez com a moça? Não tem medo, se abrir apanha, se não abrir põe abaixo, a coberta não cobre, melhor abrir, chora, tem medo, cinta na mão, marcas nas costas, chama a mãe, corre ao banheiro, abre o chuveiro. Ai meu Deus! A espuma nas mãos, no corpo, alisa, escorrega, duro como pedra, namoro nas bicicletas, alcançou, ai, que bom, mariazinha, ai, ai.
Mário Jacoud




Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui