Aquele lugar era distante de tudo. Para onde quer que se olhasse, só se avistavam os campos ondulados, parecendo marolas que se solidificaram, cobertos por uma gramínea baixa e amarelada pelo calor e a pouca chuva do verão. Os campos iam se acabando lentamente de encontro ao horizonte azul brilhante. Nada de árvores, nem animais pastando, nem pássaros voando. Não sei se o lugar tinha nome, mas se me fosse dada a oportunidade de nomeá-lo eu o chamaria Solidão.
Havia algo, porém, que quebrava a harmonia natural do quadro e indicava a presença humana. Duas estradas de terra vermelha cortavam aquelas paragens, entrecruzando-se quase perpendicularmente, formando uma encruzilhada. Encruzilhada da desolação, diria eu. Subitamente, surge no caminho que vem do sul um ponto no horizonte. Parece uma formiga, mas depois já parece um cão. Mais tarde, bem poderia ser uma criança, até que finalmente se percebe que se trata de um homem que caminha só pela estrada, levantando um pouco de poeira que parece congelada no ar devido a falta de vento.
O homem veste uma calça jeans já avermelhada pela poeira e uma camiseta preta. A barba já não é feita há dias. Nos pés, um par de tênis também preto e nas costas uma mochila de lona verde-oliva. Seu cabelo é curto, mas mal aparado, molhado pelo suor. O passo é arrastado e, embora seja relativamente jovem, caminha com a lentidão dos idosos. Pergunto-me para onde vai aquele ser vivente vindo do nada que segue pela estrada que leva a lugar nenhum. Sinto que é um homem só tentando encontrar a si mesmo em meio ao nada.
Ele agora se aproxima da encruzilhada, enquanto o passo vai diminuindo ainda mais. Ele olha para a direita, depois à esquerda, em seguida avante, enquanto parece pensar em qual direção deve seguir. Ele está perdido. Só e perdido, contemplando o nada. Eis que chega na encruzilhada. Pára então. Não sabe o que fazer. Olha para o céu, olha para os pés, gira os calcanhares voltando-se para a direção donde proviera, depois vira de novo voltado à posição inicial. Coça a cabeça, o cotovelo. Alisa o cabelo, se agacha. Senta no meio da encruzilhada e encolhe os joelhos, os quais abraça, como que reproduzindo a posição fetal. Ele assim permanece enquanto cai a noite. Quando a última luz do crepúsculo morre eu já não o vejo mais, pois a penumbra é cerrada. O homem está só, perdido no nada escuro, refletindo em que rumo seguir. As opções são variadas, pensando bem, pois além de seguir por uma das estradas ou voltar pelo caminho por onde veio, também poderia, se quisesse, embrenhar-se pelos campos em qualquer direção. Deve pensar nisso, eu acho. Afinal, quando se chega numa encruzilhada, além dos caminhos óbvios, há um sem-número de outras opções à disposição de nossa criatividade e da nossa coragem. Acontece que o caminho escolhido pode não ter volta ou então só dar voltas ...
Acho que ele dorme agora, é o que imagino. A noite é fresca e o silêncio é infinito. Aguardo pacientemente a chegada da aurora para vê-lo. No horizonte a leste, o céu negro começa preguiçosamente a fazer-se azul, ainda pálido. Quando me dou por conta, já há luz suficiente para observar a encruzilhada para onde dirijo meu olhar curioso. O que vejo agora me assusta. O homem está deitado no meio da encruzilhada de costas para o solo, a face para o céu, os braços abertos. A mochila está atirada ao seu lado e o conteúdo dela está todo espalhado ao seu redor. Algumas poucas roupas, um cantil, uma bíblia de bolso, escova dental e mais alguns artigos de higiene. Acho que ainda dorme, mas não, olhando bem, parece que não, pois seu rosto está arroxeado. Seu peito está imóvel. Ele está morto! Morto!
Parado na encruzilhada, morto na indecisão. Enquanto pensava para onde ir, a morte chegou primeiro, pois ela não espera pelos indecisos. No fim, com medo de se decidir, ele não pegou caminho nenhum, morrendo ali, sem andar, em meio ao nada.
Aviso que não sou humano. Minha percepção do tempo é diferente da vossa. Este episódio que presenciei para mim durou uma tarde e uma noite, mas no tempo humano bem pode ter durado uma vida. Não estou certo, mas creio que é bem possível que eu tenha visto toda a vida adulta deste homem em fast forward. Parou nas encruzilhadas da vida esperando não-sei-quê, enquanto seguiam-se os crepúsculos e as auroras, até o último badalar do seu coração. Sentando na encruzilhada esperando a morte chegar passou a vida do homem. Desse e de outros mais.