Sábado gordo. A folia já tomara conta da cidade desde a noite anterior. Bandos de foliões, numa algazarra insuportável, dançavam e cantavam no meio da rua, pouco ligando para a chuva fria e fina que caía de modo insistente.
Pela cidade inteira, colisões, assaltos a residências cujos donos haviam batido em retirada para passar os dias de carnaval nas praias e serras que ofercem aos que não querem participar da grande festa, o ar puro e o clima ameno das montanhas e o mar gostoso das praias distantes da capital.
Na cabeça de Maurício, como se fosse uma máquina de fazer doido, o episódio de ontem rondava e rondava sem sair.
Procurava uma explicação: afinal, embora sendo um mortal e, por tal razão, um ser imperfeito, jamais poupava esforços para tornar a vida da Selma um paraíso. Trabalhava feito um burro para trazer os superfluos para casa: um carro novo, vestidos de griffe, academia, curso de maquiagem, salão de berleza de luxo, celular de última geração, I-pod, notebook, livros, enfim, todo esse conjunto de coisas, delícias do consumo, que ele propiciava.
Por que então ela se mostrava tão infeliz?
Qual o motivo que a levava a ser tão indiferente.
Resolveu tirar a limpo, exatamente, na sexta-feira, quando haviam programado ir para a serra, mas, na última hora, ela resolvera seguir com um grupo para participar do carnaval carioca.
Tentou ser carinhoso, falou mansinho, chamando-a de queridinha. Quis convencê-la a desistir, falou que se sentiria sozinho, solitário, carente.
Ela nem sequer olhou para ele, pegando a mala, apenas sussurrou:
- e eu com isso?
E correu para o táxi que iria leva-la ao aeroporto.
Olhou-se no espelho e sentiu palhaço, enganado, corno mesmo.
A palavra era forte, carregada de preconceito, mas era justamente assim que se sentia.
O que a Selma estava pensando da vida?
Entrou de cabeça na folia, comprou abadá pela primeira vez na vida, bebeu, gritou, dançou.
Terminou de cacho com a crooner do trio elétrico, uma morena sapeca de algum lugar da Bahia.
Quarta-feira de cinzas. Outra vez sozinho, aguardando a chegada de Selma. Uma ressaca do outro mundo, a cabeça com as peças todas fora do lugar.
Ela chegou carinhosa, esfuziante, falando do desfile das escolas de samba, da animação do camarote, da alegria contagiante da festa.
Irritado com a ressaca e com a atitude da mulher, rosnou:
- e eu com isso ?
E foi trabalhar, sem se importar com a voz dela gritando para ele:
- Amorzinho, vem cá. Quero te dar um beijo, vem.