No sofá do salão contíguo ao refeitório da empresa, através das lentes de fundo de garrafa, Adão consultou o relógio. Hora de trabalhar e o bom exemplo deve partir de mim. Levantou-se devagar.
A força empregada para erguer a perna e projeta-la para frente, fincar a sola do sapato na lajota do corredor e depois puxar a outra, o levou a pensar que comera demais.
Como resistir a um feijão preto com rodelas de lingüiça e costelinha de porco, arroz nevado, carne assada com batatas e uma salada de legumes?
Adão, meu garoto. O seu prato preferido. Dane-se o regime. Nada se leva dessa vida senão o que se come. Quem vai se importar se tu continuares assim gordão?
Entrou na fila atrás de Sílvia e esta se virou dizendo:
-Tenho ginecologista às quinze horas. Tu anotas meus telefonemas?
Ele abriu a boca para concordar quando uma voz nas suas costas respondeu:
-É claro. Podes ir tranqüila.
Voltou-se. Era Luíza.
Imbecil. Como podes pensar que ela se dirige a ti depois de tudo o que aconteceu? És mesmo um idiota.
-O novo chefe não vai reclamar se saíres tão cedo assim? Tem muito trabalho acumulado.
-O chefe? - ela retrucou com um risinho de ironia - com ele posso fazer o que eu quiser.
-Olha, menina, tenhas cuidado - aconselhou Luíza com voz de experiência - não abuses da sorte. Porque não aproveitas que ele gosta de ti? Podes ter um cargo melhor...
-Estás doida! Lerdo assim ele não dura nem seis meses no posto.
Sacudindo a cabeça, Luíza resmungou:
-Eu desisto!
Eu não vou durar? Eu? Espera até chegar a próxima reunião, sua ingrata. Vou rebaixar-te até a cozinha e vais me servir cafezinho. Desgraçada... Mando-te flores, bilhetes apaixonados, presentes de aniversário. Chegaste ao ponto de aceitar um convite para jantar e me deixar esperando feito um tonto, no restaurante. Garanto que agora que sou chefe tu aceitarias! E ainda ri. Isso. Ri de mim. Balança essa bundinha. Ah, Sílvia, a primeira coisa que notei em ti foi essa bundinha redonda, empinada, convidativa! Quando passaste por mim e fiquei te olhando, lembras? Porque me sorriste? Porque teu corpo todo sorriu? Porque o derradeiro sorriso dessa tua bunda ao passar balançando por mim? Ou era para outro que sorrias?
Tão ensurdecedores eram seus pensamentos que ele mal ouvia as banalidades sobre as quais as duas falavam.
-Agora te conto, no banheiro, uma disse.
Porque as mulheres têm essa mania de irem juntas ao banheiro? O que será que elas fazem lá? Será que falam de homens? Ou das outras mulheres que não foram?
Chegou a vez de Sílvia marcar o ponto e ela o fez com tanta graça que as pernas dele balançaram. Resistiu até não ter forças para outro gesto e passou o cartão, sinalizando o início do expediente. Em seguida veio a vertigem. Com estrondo, ele e o relógio caíram.
Levantou-se e pendurou-o num prego só. Bateu com as mãos o pó do terno marinho e entrou atrás delas, no banheiro feminino.