Quando ouvi baterem palmas no portão fiquei meio irritada. Era a primeira Semana Santa que passávamos naquela casa, a nossa casa de verdade, que papai ainda nem tinha terminado de construir, mas que era nossa! Primeira Páscoa sem pagar aluguel! Eu tinha apenas onze anos de idade, mas vivia, na carne, todos os problemas e preocupações da família. Afinal de contas eu era a mais velha de três filhos e cuidava da casa e dos meus irmãos enquanto mamãe trabalhava para ajudar o papai nas despesas, já que fora com muita luta, muito trabalho extraordinário, que ele conseguira comprar aquele terreno, naquele bairro tão afastado e levantar a casa para que mudássemos logo, pois pagando aluguel tudo ficaria ainda mais difícil ou quase impossível.
Até então, morávamos numa casinha de madeira soerguida nos fundos de um terreno dividido ao meio, onde, na metade da frente residia a Lucinda com a sua família, uma prima da mamãe a quem eu, na comparação natural feita pelas crianças, considerava como rica, já que a sua casa era bonita, feita de tijolos, possuindo até um banheiro grande o qual nós também usávamos, mas sempre pedindo licença e nos sentindo meio intrusos por termos que passar para o seu quintal para o uso. Tomar banho ali, nem pensar! O banheiro não era nosso! Nós tínhamos a nossa bacia, uma bacia que ante os meus olhos parecia enorme, pois cabíamos ali dentro! Então, bastava aquecer a água no fogão, temperá-la com água fria para adquirir a temperatura ideal e nos deliciarmos com os nossos banhos.
Agora não. Tínhamos, enfim, uma casa só nossa, com banheiro e tudo! Um quarto para os meus pais e um para as crianças e uma sala onde ninguém precisava dormir. Claro que com o tempo a sala passou a ser também o meu canto de dormir e o quarto das crianças se transformou no dormitório dos meninos. Por isso que sempre digo para as minhas filhas que eu nunca tive um quarto só meu. Quando elas ainda eram meninas e reclamavam de uma coisa ou outra que não estava exatamente como queriam, em seus quartos, eu não perdia a oportunidade de dizer que pelo menos elas tinham o cantinho só delas, um para cada uma, enquanto o máximo de “meu cantinho” que eu sempre tive foi uma sala, que só era minha depois que todos dormissem. Talvez seja por isso que durante toda a vida eu gostei da madrugada, pois era o único momento do dia que eu podia ficar isolada e em silêncio para poder ler, estudar, escrever as minhas poesias, as minhas fantasias de adolescente, sempre ouvindo o meu rádio de pilhas, bem baixinho, mas com o fone no ouvido.
Mas voltemos àquela quinta-feira santa de mil novecentos e sessenta e três. Eu queria deixar a casa brilhando para as comemorações da Páscoa. Afinal de contas as homenagens eram pela Ressurreição de Jesus e eu tinha aprendido que aquela era a data mais importante, depois do Natal. Com o passar dos anos essa data já não me deixa tão feliz, porque foi às vésperas de uma Páscoa que perdi minha filhinha caçula. Mas não devo falar sobre isso agora.
Tinha acordado cedo e já tinha faxinado as janelas, as portas, a cozinha e o banheiro e na hora que ouvi as palmas lá fora, eu estava passando a palha de aço no chão da sala. Faltava ainda passá-la nos dois quartos para depois encerar a casa toda. E não existia enceradeira! O brilho que se dava à cera era através do escovão colocado sobre um pedaço de tecido que poderia ser de lã ou flanela. Mas a palha de aço eu preferia passar com a mão, assim poderia esfregar o quanto sentisse necessidade para ver toda cera removida antes de aplicar a nova. Também não existia cera líquida! Nossa! Como tudo era tão mais difícil e trabalhoso naquela época!
Com os joelhos já meio doloridos, levantei-me do chão onde eu passava a palha de aço e fui atender o portão, torcendo para que pudesse entrar rapidamente, para continuar o meu trabalho.
Entretanto, não era algum vendedor como eu previa. Aliás, vendedores de porta passavam o dia todo por ali e isso até me deixava contente, porque era uma forma de ver gente diferente o tempo todo, já que na outra casa, por morar nos fundos, eu nunca tinha atendido o portão.
Fiquei surpresa, mas ao mesmo tempo sem graça por me encontrar tão desarrumada, quando vi que era a Lucinda que tinha vindo nos visitar. Isso mesmo, a Lucinda, prima da mamãe, que morava na casa bonita, no mesmo quintal onde nós tínhamos morado. Respirei aliviada quando vi que ela estava sozinha. Ela era mãe de uma menina da minha idade, que era minha grande amiga e que eu gostava muito mesmo. Mas naquele dia, se a Claudete tivesse vindo com ela, eu não iria cumprir o meu objetivo de deixar minha casa linda para o domingo. E nem tinha como interromper o que eu estava fazendo! No dia seguinte, por ser a sexta-feira santa, eu não poderia fazer faxina e no sábado eu queria estar livre para poder ir lá na outra rua para ver queimarem o Judas que amarravam no poste. Eu adorava o sábado de Aleluia!
Devido à data, mamãe não tinha ido trabalhar naquele dia e isso também era bom demais, pois assim foi ela quem fez as honras da casa para a nossa visita. Ela fez o almoço e ficou o resto da tarde papeando e matando a saudade da prima que tanto gostava. E eu só parei o meu trabalho para almoçar.
No começo da noite eu estava cansadíssima, mas feliz. Minha casa estava um brinco! O chão brilhava! Havia cheiro de limpeza em todos os lugares! Pude, enfim, tomar um merecido e necessário banho (de chuveiro!) para só depois notar, sobre a mesa da cozinha, um belo pacote. - É seu, disse a Lucinda. Trouxe para vocês! E, cheia de curiosidade, chamei meus irmãos para, juntos, vermos e agradecermos os Ovos de Páscoa que acabávamos de ganhar! Não eram grandes, mas para nós eram enormes! Tinham o tamanho do carinho e do amor com que foram dados e recebidos!
A Páscoa daquele ano foi linda! Casa nova, nossa, inteirinha para nós, com tudo brilhando como eu queria e ainda tínhamos ovos de chocolate para festejar a Ressurreição de Jesus!