Às vezes, a gente tem que pensar sem parar muito para pensar. Apesar de a capacidade de análise e de raciocínio serem características fantásticas de um ser humano, elas não são sempre necessárias e, acreditem, podem até atrapalhar o seu caminho para uma conclusão correta.
Estávamos em Fortaleza, programa família. Minha mãe foi para o seu congresso e eu com minha tia fomos comprar sanduíches para os que estavam no hotel. Muito boa a lanchonete. Quem um dia for a Fortaleza, não deixe de experimentar o milk-shake de flocos com marshmallow de lá. É muito, muito bom. O nome do local é Bebelu (tônica na última sílaba) e fica na Praia de Iracema, próximo ao monumento em homenagem à mesma.
- Oi.
- Oi.
- Vai ser um de frango infantil, mas com as verduras (porque é um adulto que vai comer), um de picanha sem ervilha, um cheeseburger, um guaraná... tem suco de manga?
- Tem, sim senhora.
- Então um suco de manga também. Tudo para levar.
- Certo. Então é um frango infantil com verduras, um cheeseburger...
Passada a conferência, nos debruçamos sobre o balcão e começamos a esperar. Qualquer um diria que agora a história vai ser uma divertida narrativa de acontecimentos interessante enquanto esperávamos quarenta minutos pelos lanches. Nada disso. Não esperamos mais que dez minutos e neste tempo não houve um assalto, ou alguém teve uma diarréia típica dos contos, aquela incontrolável, que o cara se borra todo enquanto conta a história, essas coisas. Foi bem mais simples. Aliás, simples demais para duas pessoas tão inteligentes quanto minha tia e eu.
O “homem da chapa” estava fazendo dois outros lanches antes de o nosso entrar na fila. Sem mais nada para fazer, fiquei a observá-lo. Pão, queijo, carninha gostosa, uma alfacinha, tomate, beleza. Aí o cara me senta duas rodelas de abacaxi no lanche. Puts, que lixo, mas tudo bem, tem gente que gosta. Como diria o meu pai, “gosto não se discute, mas vai gostar mal assim lá no inferno!”. Sem qualquer poder para impedir aquela atrocidade contra a carninha gostosa, continuei olhando. Foi aí que aconteceu. O cara, quando o sanduíche estava quase pronto, tirou as duas rodelas de abacaxi, embrulhou os lanches nos seus saquinhos e despachou para a mesa.
- Jessica, olha lá! O cara colocou o abacaxi e agora tirou. Nossa, esse cara é muito fera! Será que o abacaxi tem alguma propriedade que facilite fazer o sanduíche, ou algo assim?
- É, não sei – respondeu minha tia – com certeza tem alguma razão. Talvez ele só use mesmo para ajudar, e depois tira no final.
- É mesmo (prestem atenção na minha opinião agora). Talvez ele use o abacaxi porque a acidez vá soltando aos poucos e impeça a carne de grudar na chapa. Ou o queijo. Isso! É o queijo! Talvez a acidez não deixe o queijo grudar na chapa. Que genial!
Não sei de onde tirei essa idéia. Não entendo nada de acidez ou de aderência a chapas metálicas. Mas minha tia, companheira e fiel, junto a mim se colocou:
- Deve ser mesmo. Que interessante, né? Para você ver como as coisas são. Quando a gente poderia imaginar uma coisa dessas? Não é mesmo que ele tira o abacaxi depois. Por que será?
- Ah, Jessica, eu não agüento. Vou perguntar.
Aproximei-me do balcão e chamei pelo “chefe”.
- Senhor! Senhor, desculpe por perguntar, mas eu não pude deixar de reparar. Naquele outro sanduíche o senhor colocou duas rodelas de abacaxi no começo, depois tirou no final, nossa, foi incrível, que sacada, parabéns, você é o rei, o maior! Como é que funciona? É para não grudar o queijo na chapa? Por que você colocou o abacaxi no começo e tirou no final?
Esperando até que falasse em francês o mestre à minha frente, recebi a resposta no mais típico sotaque cearense:
- Ah, não. É que era sem abacaxi. Eu pensei que fosse com abacaxi, mas era sem abacaxi. Foi por isso.