Clara atravessara a barreira dos setenta. Antes, saudável e ativa, agora se via acometida de uma enfermidade que a prostrara. Devota de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, desde a infância, era com ela que contava nos seus dias de sofrimento e tédio. Sempre que podia externava o seu desejo de que após a sua morte, fosse colocada sobre o seu corpo uma rosa vermelha.
Padre Z (como era carinhosamente tratado o padre Zacarias) e dona Leda complementavam a família de Clara. Cuidadosos e vigilantes frente a esta enfermidade, desdobravam-se em atenções para com a irmã.
Católica devocional, sua fé girava em torno da santa. Isto inquietou dona Leda, que procurou imediatamente uma assistência espiritual e sacramental para Clara.
Após muita insistência numa catequese “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, Jane (ministra extraordinária da Sagrada Comunhão), conseguiu angariar a confiança de Clara, que prometeu confessar-se assim que trouxesse o sacerdote. Como o padre Z estava nas imediações, foi comunicado e em pouco tempo, os pecados da irmã haviam sido perdoados.
Uma vez por semana, Clara recebia a visita de Jesus, pelas mãos de Jane. Quantas vezes entre lágrimas que banhavam o seu rosto e tolhiam sua voz, dizia que não acreditava que Jesus estivesse presente naquele pedaço de pão.
“Eu não acredito! Eu não acredito!” – exclamava. Sempre era assim.
Jane voltava para casa com o coração partido. Nos seus momentos fortes de oração interior, a primeira pessoa que se apresentava era Clara. E as suas palavras, como eco, chegavam aos ouvidos de Jane, que se enternecia e compadecia daquela alma que não acreditava na presença de Jesus.
Certo dia, Jane foi surpreendida pelo telefonema de dona Leda, avisando que naquele dia não precisava que ele levasse a Eucaristia, porque o estado de saúde de Clara era grave, e ela estava na UTI. Agradeceu, e desligou.
Jane dirigiu-se à capela onde retirava as partículas consagradas para levar aos seus doentes, ajoelhou-se diante do Sacrário, e silenciou diante do Mistério. Um silêncio profundo. Um silêncio de Amor. De repente o silêncio é rompido por passos que se aproximam da imagem de Jesus Misericordioso. Esta mulher traz uma rosa vermelha na mão. Olha fixamente para a imagem e, parecendo hesitante, volta-se e se dirigem em minha direção. Olha nos meus olhos e diz: “É pra você”. Lembrei-me do quadro da Divina Misericórdia que havia dado de presente à Clara, e a rosa me lembrou Santa Teresinha. Um desejo apoderou-se do seu coração. Era como se uma voz a impelisse para levar a Eucaristia para Clara. Ela se questionava, e a voz insistia. Levantou-se, acendeu a vela, purificou os dedos, estendeu o corporal sobre o altar, abriu a teca, fez a genuflexão diante do Sacrário, e recitando a jaculatória “Graças e louvores se dêem a cada momento, ao Santíssimo, e diviníssimo Sacramento”, colocou a partícula na teca, fechando-a. Reconduziu a âmbula, fechou o Sacrário, tomou o corporal, e dirigiu-se para a casa da Clara. Sabia que ela estava na UTI, mas cumpria a determinação do Senhor.
Ao chegar, encontra dona Leda à porta. Antes que dissesse alguma coisa, apressou-se em justificar-se: “Foi Jesus quem me mandou vir”. Uma lágrima furtiva mostrou-se timidamente, e ela falou: “Jesus está certo, quem vai comungar sou eu”. Jane leu o Evangelho do Dia. Apresentou “o Cordeiro de Deus”, que é colocado diretamente na sua língua. Ao despedir-se, desejou melhoras para Clara e uma breve recuperação. Aproveitou o momento e deixou a rosa vermelha para que lhe fosse entregue.
Já era por volta das 23:00 horas, quando Jane apagou a luz do quarto. Estava quase adormecendo. Como se fosse num sonho, via Jesus Misericordioso (o mesmo do quadro), tomando Clara nos braços e conduzindo-a para o céu. O telefone toca. Jane atende. É a voz de dona Leda: “Clara partiu, e partiu com a sua rosa vermelha na mão. Santa Teresinha não a decepcionou. Jesus Misericordioso a levou em seus braços”.
Jane sorriu. Um riso puro, de pura alegria. “Clara está com Deus” – balbuciou. Em seguida, sussurrou: “No céu”.