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Contos-->Um Conto de Natal -- 11/12/1999 - 09:09 (Simão de Miranda) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Naquela noite regada a vinho, embalaram-se feito folhas ao vento pelos entrebecos da cidade ácida.

Sem pressa e sem convites paravam de festa em festa, em busca de melhor ambiente. As vitrines repetiam a idêntica decoração natalina dos anos passados. Com passos curtos cruzavam as ruas e por indivíduos trôpegos de olhares rubros. Os discos repetiam os mesmos acordes, o mesmo tom sombrio. Quando o silêncio, qual cântaro frágil, foi quebrado ao cair da boca.
- Será essa, a intenção dessa festa? Natal só significa álcool e banquetes?
- É uma... hic! Data qualquer. É feriado, não? A gente precisa comemorar...
- Seu fígado não está muito interessado, está reclamando!
- Ele reclama, é um idiota! Não reconhece as delícias da vida!
- Nada disso, precisamos mais de amor que de álcool. A carência é mundial.
- Ah, ah! Você é o primeiro quarentão carentão que conheço, hic!
- Você está bêbado, o Natal pra você não faz qualquer sentido!
- Bolas, eu só bebi vinho! O Cristo também bebeu vinho!
- Mas não chegou a este estado deplorável! Que vexame...
- Fizeram exame... hic! Com o bafômetro?
- É, já vi que você não está em boas condições...
- Irmão, só bebo uma vez por ano, e é nesta data. O que há de mal?
- E o que você faz em todos os finais de semana do ano?
- Ensaio, hic!
- Ah, sim. Hoje é quinta, amanhã, que a manhã já anuncia, é sexta e a enésima guerra mundial prosseguirá. Deve prosseguir, é consecução lógica. Veja só a cidade: uma fortuna inteira em eletricidade, para armar o melhor cenário. A cidade colorida como nunca e a gente nem olha pra cima. Resultado: não vê a estrela de Davi, nem esse céu supremo...
- Você é católico? Não... hic! Sabia.
- E não sou. Mas você é caótico!
- Então, qual o motivo da pregação?
- Estou vivo, isto é maior que tudo. Daí precisamos assinalar uma data qualquer, como você disse, exclusivamente para meditar sobre o mistério da criação. Mesmo que seja entre um copo de vinho e outro.
- Hic! Eu também tenho uma data, ora! É o carnaval, a festa que vegetariano não entra! A festa da carne! Ah, ah, ah! É uma data bem alegre, não?
- Até demais. A noite já se adianta. Não adiantam essas máscaras de Pierrot fora de estação. Já se pode ver no horizonte a presença firme e inevitável de outro novo ano, e até o velho Noel se apressa para cumprir suas promessas, pois o tempo urge. Devemos lembrar-nos disso. Não como esse seu vergonhoso caso de amnésia intermitente...
- Amné... hic! Eu? Francamente, não me lembro quando sofri amnésia...
- Acaba de sofrer a última. Veja, por exemplo, a árvore de Natal da praça central. Consegue lembrar desde quando é a mesma? E essas teias de luzes? E as canções? Hein? Acorda, daqui a alguns instantes aborta-se mais um novo dia da Era Cristã... Você era cristão, hoje nem sabe mais onde se classifica. E as gerações que se sucederam não se esforçaram para cumprir o que sugeriam os Estatutos, portanto não temos perspectivas otimistas para os vindouros. O horizonte do planeta começa a abrir as persianas e deixa vazar timidamente as primeiras ondas de luz. Acorda, veja que espetáculo sem igual! Sinta a magia! Ela vem do norte, junto com a brisa e toma de assalto os becos ressaqueados de nossa cidade. As janelas vão se abrindo num balé bem ensaiado. E vem fluindo a luz, penetrando nas retinas avermelhadas, anunciando mais uma chance. Acorda, amigo! Levanta as pálpebras e veja os pombos em revoada. Nem precisam ensaiar essas arrojadas evoluções aéreas. Fazem isso há décadas, nesse mesmo dia e hora. Eles não nos cobram pelo show. Nos cobram atitudes sérias e vida à altura. O vento norte, esse facho em feixe áureo, rendem graças. É nesta festa que devemos entrar, nessa festa somos convidados. Natal é pra nascer, não para se perder nos entulhos ou se sujar nas bocas de lixo. Vamos, meu amigo, levantar acampamento! É preciso recolher todas as alegrias desta noite como se fossem para sempre e semeá-las para que cada dia seja a mesma vibração. Aquele habitual banho frio deve reanimá-lo... O que há? Me deixou falando sozinho?! Não me ouve? Espera...
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II
Após vinte minutos, partia o rabecão do Instituto Médico Legal, com total alarde. Sempre com pressa, o motorista sequer olhava as vitrines e certamente não se preocupava em saber se as decorações eram as mesmas ou não. Ele as via com olhos avermelhados de sono, como uma tarefa rotineira. O parceiro da vítima ia petrificado ao seu lado, entalado com o silêncio abominável. O vácuo, inesperado, e aquele nó na goela incomodavam sobremaneira. Natal é pra nascer, não para se perder... Aquilo soava em eco, como uma goteira no meio da noite, enquanto ele ruminava distante... Sentido do Natal? Quem falou em sentido do Natal?

A Veraneio preta do Instituto Médico Legal entrou na primeira rua e desapareceu na avenida vazia da cidade fantasma.


SImão de Miranda
simao@persocom.com.br
www.persocom.com.br/simao
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