EU NÃO SEI PORQUE RESOLVI ENTRAR NAQUELE ÔNIBUS, TALVEZ SEJA PORQUE ESTAVA VAZIO, APENAS HAVIA O TROCADOR E O MOTORISTA, NEM SABIA QUAL O ITINERÁRIO ÔNIBUS, SABIA QUE IA LEVADO COMO SEMPRE FUI, JÁ NEM VIA ESTRADA E POUCO ME DAVA CONTA DA POBREZA QUE A ENFEITAVA, GENTE BÊBADA NOS BARES, CASA POBRES COM TELEVISÃO E AQUELE CHEIRO ACRE DE TERRA MOLHADA PELA CHUVA, ERAM DUAS HORAS DA MANHÃ E EU E EU SEM RUMO...
DURANTE A VIAGEM SÓ PENSAVA NELA -ARA- A CONHECI QUANDO ADOLESCENTE, ESTA NO PRIMEIRO ANO DO GINÁSIO QUANDO ELA ENTROU NA SALA COMO SE ACOMPANHASSE UM CORTEJO DIVINO, PASSOS CURTOS MANCANDO UMA PARALISIA INFANTIL. ERA LINDA, ERA NEGRA, ERA MINHA DESDE QUE A VI PELA PRIMEIRA VEZ. EU PEQUENO BURGUÊS DA ALIANÇA FRANCESA E DO PALÁCIO DAS ARTES, VIBRAVA QUANDO ELA FALAVA DE POLÍTICA E ME ENSINAVA A DISTINGUIR O BRANCO DO NEGRO, O
DESENVOLVIDO DO SUBDESENVOLVIDO E MOSTRAVA O CAMINHO , ME FALAVA DA CLASSE OPERÁRIA E A CHAMAVA DE SOLUÇÃO...
O ÔNIBUS SEGUIA RÁPIDO, E EU NEM PERCEBI QUANDO AQUELE RAPAZ SE ASSENTOU AO MEU LADO, VERDE-OLHOS, GRANDES CABELOS, UM ROSTO JOVEM DE ANGÚSTIAS VELHAS -ARA-LICE-. SÓ A COMPARAÇÃO ENTRE A COR DOS MEUS PENSAMENTOS E A COR DO RAPAZ ME DETEVE NO ÔNIBUS, PRETO-BRANCO, CASTANHOS-VERDE, CURTO-COMPRIDO, DURO-LISO...
SAÍAMOS JUNTOS APÓS AS AULAS, O CHOPE, AS CONVERSAS, A FLOR, OS AMIGOS, RONDAVAM A MINHA CABEÇA. NOS DOAMOS UM AO OUTRO DE CORPO INTEIRO, ELA CADA DIA ENVOLVIA MAIS COM O POVO, TRABALHAVA, ESTUDAVA, REIVINDICAVA E ME AMAVA. ENTRE MARX, LENI, A BURGUESIA E O PROLETARIADO, FIZEMOS O MAIOR AMOR DO MUNDO. O SEU CORPO NO MEU CORPO, OS SEUS SONHOS NOS MEUS SONHOS, A TERNURA DO CONTATO DO NOSSO CORPO INTEIRO...
UMA CURVA BRUSCA, O CHOFER COM ATENÇÃO NA ESTRADA, O TROCADOR DORMINDO E O MEU COMPANHEIRO DE VIAGEM APROXIMANDO O SEU CORPO DO MEU, O CONTATO DA SUA PERNA ME FEZ VACILAR ENTRE A REALIDADE E FANTASIA, JÁ NÃO DISTINGUIA A TERNURA DO PENSAMENTO, DO GRITO DO SEXO, ELE ACARICIAVA A MINHA PERNA E SUA MÃO CAMINHAVA PARA O MEU SEXO. JÁ NÃO SABIA SE ESTAVA COM MINHA AMADA -ARA-LINDA- OU SE ESTAVA FAZENDO AMOR COM O MEU COMPANHEIRO DE VIAGEM...
JÁ NÃO SEI ONDE A ESTRADA TERMINA, OUTRA CIDADE OU UM BAIRRO DISTANTE, JÁ ESTOU OUTRA VEZ SOZINHO, O RAPAZ DESCEU A ALGUNS SEGUNDOS ATRÁS, JÁ NÃO SEI SE ELA ESTEVE AQUI COMIGO, OU SE PERDEU EM ALGUMA CURVA DO CAMINHO, ENTRE CASAS POBRES COM ANTENA PARABÓLICA E BÊBADOS NOS BARES, LUTANDO PELA CLASSE OPERÁRIA - ARABELA-...