Há crianças por todos os lados, mulheres implorando a Deus por salvação, enfermeiros em correria, médicos estressados... Esta é a rotina de todo C.T.I. infantil! Com os cabelos desarrumados e a roupa simplória, a jovem prossegue, o leito de número 22 a aguarda, pois lá está seu filho de cinco anos, em coma há dois dias, vítima de leucemia. Ao não conseguir um doador de medula compatível, a criança passou a definhar rapidamente. E a jovem mãe, viúva há alguns anos - seu esposo faleceu da mesma enfermidade, passou a morar no hospital, na esperança de que ao menos o filho se curasse desse mal; esperança essa que morre aos poucos, pelo fato do agravamento da doença.
Uma brisa fria desce do céu, invade o corredor, toca-lhe os cabelos, acaricia-lhe a face... A sensação de perda é inquietante! Joana chora, teme entrar no quarto e não mais encontrar seu pequeno João. Como dói o coração de uma mãe ante a perda de um filho, não é? Talvez seja a pior das dores já concebidas pela natureza!
Ao entrar no quarto, encontra sua mãe, uma senhora de sessenta e poucos anos, com um terço entre os dedos, orando em sussurros. Na outra ponta do quarto, sua sogra, com o esposo, acompanham tudo em silêncio, não há mais nada a fazer pelo neto, a não ser aguardar o seu vôo a terras distantes e desconhecidas pelo homem.
O aparelho que acompanha os batimentos cardíacos do menino toca, o pânico toma conta dos presentes, enquanto o médico e algumas enfermeiras adentram ao quarto. Os olhos da mãe, de um vermelho sangue, encontram-se aos do doutor, que tenso, pede a todos que se retirem.
_Meu filho...! Não o de-deixe ir em-em-embora, doutor Pedro! Salve-o!!!
_Farei o que for possível, mas agora saia! Precisamos de espaço! Por favor!
_Saaalve meu filho – implora a mulher, em soluços, segurando-o pelo braço.
_Por favor! Deixe-me agora!- solicita, tentando libertar-se da mulher para, talvez pela última vez, reverter a parada cardiorrespiratória do menor. Enfermeiras, tirem-nos daqui! Todos!!! E me tragam o desfibrilador... Agooooooora!!!
Antes mesmo que as enfermeiras atendessem-se às ordens do doutor, a jovem, após muita resistência, termina empurrada pelos próprios familiares ao corredor. E de lá acompanha as tentativas clínicas de ressuscitação.
_Tenha fé em Deus, minha filha!!! – suplica sua mãe, com os olhos marejando. Nosso senhor Jesus Cristo ouvirá nossas preces...
_Que Jesus Cristo? Quem é esse?.. – diz Joana, esmurrando a parede.
_...é o filho de Deus, minha filha!- entrecorta-lhe a mãe.
_Deus??? Quem é Deus? – pronuncia, num misto de rancor e descrença. Quem é Deus? Ele não existe! Levou meu marido e agora leva meu filho...
_ Você não sabe o que diz, minha filha!
_ A senhora é uma tola! Será que está cega? Seu neto está indo embora... -diz, enquanto assiste à criança receber novo choque. E Deus nenhum está aqui!
_Por que blasfema assim, Joana? Deus está aqui sim! –sentencia a mulher, com uma das mãos agarrando com força o terço enquanto a outra acaricia os cabelos da filha.
_OOOONNNDEEEE??? Mostre-me ele! Mostre-me!!! Se você estiver aqui, Deus, que apareça... vamos, cadê você? – grita, ensandecida, pelos corredores. CADÊ VOCÊ???
Sua mãe entra em pranto, sendo prontamente atendida pelos pais de seu falecido genro.
_DEUS NÃO EXISTE, MINHA MÃE! DEUS NÃO EXISTE! É MAIS UMA DAS LENDAS DO HOMEM... – berra, afastando-se, aos tropeços, pelo corredor. DEUS NÃO EXISTE! NUNCA EXISTIU!!!
Nesse momento, após duas tentativas, o coração de João volta a bater... mais uma vez! O médico, não acreditando que aquilo fosse possível, sorri, ainda que o choro lhe ameaçasse recair sobre a face.
_Isso é um milagre! – profere uma das enfermeiras.
_Milagre!!? Seja lá o que for, uma coisa é certa: em toda minha vida, e olha que são anos, nunca vi uma criança querer viver tanto como esse João. Quando penso que ele partirá, volta do nada, como se ainda não tivesse concluído sua missão neste planeta. E se isso for mesmo um milagre, hei de creditá-lo nos registros da incrédula Ciência. Agora vamos, deixe-o descansar... não quero ninguém aqui! Esse menino... bem, diga à mãe dele que...ah, não diga nada! VAMOS!!!
Ao saírem, são abordados pelos parentes do garoto e, para evitar ainda mais tumulto, todos são conduzidos a uma sala reservada.
A porta se abre, um outro médico entra no quarto e se aproxima de João, com visível serenidade estampada à face. Pegando a criança pelo pulso, pergunta:
_Como está, Joãozinho? Melhor? Ei, acorde! Já dormiu demais, não acha? –sorri. Acorde, dorminhoco!
Aos poucos o menino percebe novamente a luz, o dia, o quarto e o rapaz que está ao seu lado.
_Que-quem é você? Vo-vo-vo-cê não é o meu médico! O que faz aqui?
_Vim vê-lo! Estava com saudades!
_E você me conhece? – pergunta o garoto, numa voz enfraquecida.
_Digamos que sim! Vim despertá-lo! Há quanto tempo está dormindo? Já não é hora de levantar, brincar com outras crianças?
_Eu estou muito doente, senhor! – titubeia o menor.
_Doente? Quem disse? Você está muito bem, olhe para si mesmo, perceba o sopro da VIDA invadir seus pulmões, correr suas veias, bombeando o sangue que leva esperança e amor a todas as células do corpo humano...
_Sim... sim... mas eu tenho uma doença...
_Não há doença alguma! – entrecorta-lhe, com o semblante iluminado por um sorriso celestial. Veja... - o homem lhe dá a mão e, vagarosamente, o levanta -... quem está doente é capaz de levantar-se da cama para abraçar a um velho como eu? Não! Quem está doente, fenece como as flores no inverno; não irradia vida como os pássaros na primavera.
_Então eu não tenho mais nada? – inquire o menino, com os olhos luzentes, como se o que tinha passado há pouco nunca existira.
_Exatamente! Está na hora de ir embora daqui, não acha? Tem um mundo lá fora o aguardando, mas, olhe, nunca se desvie do caminho do bem...
Os dois se abraçam.
_Agora preciso ir, há outros que ainda preciso visitar antes de ir embora. Sabe, ser médico não é fácil, porque o que está em jogo todo o tempo é a vida humana, o bem divino de maior valia, que o homem deveria prezar com todo o amor possível! Infelizmente, o homem ainda não aprendeu a amar e não sei quanto tempo mais terá para conseguir realizar este feito... Mas vamos mudar de assunto, isso é conversa para adultos e não para um rapazinho lindo como você!!! Antes que me esqueça, trouxe-lhe um presente... - o homem lhe dá um carrinho. Espero que possa brincar muito ainda com ele.
Minutos se passam...
Dispara a campainha no leito 22. O médico e os familiares correm para o quarto, a possibilidade de João se entregar à escuridão da morte é plena. Ao entrarem, a choradeira é geral. João está sentado na cama, sorrindo, com os grandes olhos vivos e a face tomada por um brilho só visto nos olhares de mães quando dão a luz.
_O que está acontecendo aqui? – pergunta o médico à enfermeira que disparou a campainha.
Ela nada responde.
_Mãe!!! Você também está aqui? Pensei que tivesse me deixado... – diz o garoto, numa felicidade demasiada, ao ver Joana chegando ao quarto.
_Não, meu beb-be-bebê! – as palavras que lhe saem da boca trepidam assim como sua carne, por ora envelhecida pelo sofrimento. Você está bem? Mas... mas... doutor – vira-se para o médico, o que está havendo aqui? Ele... ele....
_DEUS EXISTE, MÃE! – diz o menino, já em seu colo.
_O que disse, filho? – pergunta a mulher, ressabiada, como se não quisesse acreditar na afirmativa de João. Quem existe?
_DEUS! Aquele homem me disse e pediu para que eu também lhe dissesse que o papai não lhe foi tirado, sua missão na terra já havia sido cumprida, que era a de me trazer ao mundo.
_Não entrou ninguém aqui, doutor! Isso posso garantir, pois fiquei o tempo todo diante da porta - diz uma das enfermeiras, assustada com o relato do menor.
_Filho, olhe para a mamãe, e diga apenas a verdade... Quem esteve aqui?
_Um homem, ele também é médico, e até brincou comigo.
_Com esse carrinho? – interrompe-lhes a mãe de Joana, mostrando o brinquedo e olhando com fervor para os olhos da filha.
_É vó! Com esse carrinho...
_ENTÃO DEUS EXISTE!!! Bom saber, não é, Joana?– revida a senhora, com a cabeça altiva e o semblante avermelhado, fixando-se diretamente nos olhos da filha.
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