De repente a mulher a viu. Assustou-se e recuou. Curiosa, espichou o pescoço e a procurou. Ela ainda estava lá. Imóvel. Presa.
Resolveu encará-la ainda que o medo a puxasse para longe dali. Olhou-a. Sentiu que a conhecia, mas a arrogância desviou a mulher da lembrança.
Os segundos andaram. Agora, a memória lhe dava tapas, mas ela persistia no olhar sem querer se lembrar.
Quis fugir dali como tantas vezes já fizera. Era assim que a mulher enfrentava o que não compreendia ou o que a assustava: corria e corria e corria até encontrar uma palavra que a confortasse internamente. Momentaneamente. Ilusoriamente.
Dessa vez, porém, ela não pôde fugir. Não tinha para onde ir. Não tinha palavras em que se abrigar. Estava só. Apenas ela e a outra.
Viu os cabelos negros brigando com a minoria branca; as pálpebras se rendendo à flacidez; os olhos castanhos escondendo o cansaço; a boca anunciando um grito (um sorriso?) que não veio.
As rugas. A mulher também as viu. Não eram muitas. Eram vivas e novas. Assustadoras e reveladoras. Cruéis e inexoráveis.
Talvez elas marcassem uma vida outrora jovem e vazia. Um viver displicente e presunçoso. Um caminhar incrédulo e altivo. Um ingênuo gosto de eternidade. Ou talvez marcassem uma juventude outrora feliz e completa. Um viver consciente e sereno. Um caminhar responsável e presente. Um amargo gosto de efemeridade.
E assim a mulher ficaria, conjecturando, inventando, enganando. Parece até que a outra alimentava as invenções e a distanciava da verdade. Entretanto, a memória, cruel, novamente lhe esbofeteou a face.
Fechou os olhos e foi ali, na escuridão, que a verdade se aproximou. Abriu os olhos e se achou no banheiro de casa, o mármore frio da pia encostando na pele, a água da torneira molhando as mãos e o rosto refletido no espelho.
Então a mulher se viu. Viu aquelas rugas em si mesma. Era no seu rosto que elas estavam. Era a sua vida que elas projetavam. Era a sua juventude se perdendo num rosto que já não era mais seu.