Quando a porta do laboratório Fleury se abriu, pontualmente
às 7 horas, seo Arlindo foi dos primeiros a entrar.
Com um grande envelope branco nas mãos, sentou-se no sofá
imitação de couro e ficou atento aos números de chamada no
letreiro luminoso.
Chamaram o 12, a senhora ao lado levantou, tornou a sentar
e se desculpou meio envergonhada:
“Troquei os números. O meu é 21”.
Seo Arlindo sorriu, cúmplice.
Chamaram o 13, o 14 e no 15 seo Arlindo apontou para o
grande envelope branco que a senhora do número trocado
tinha no colo e arriscou:
“Radiografia ?”.
“Coluna. Escoliose”, respondeu a senhora.
Seo Arlindo mostrou o seu envelope:
“Pulmão. Fumei demais.”
Chamaram o 21, a senhora pediu licença a seo Arlindo e deu
lugar a duas loiras gorduchinhas, mãe e filha.
Nervosa, a loira-filha segurava um pequeno envelope azul e não
tirava os olhos do letreiro.
O envelope escapou de suas mãos, e o prestimosos seo Arlindo
se incumbiu de apanhá-lo e devolvê-lo, todo simpático:
“Aposto que é da mamãe.”
“É...varize.”
“Minha mãe também teve. Operou, ficou boa.”
“Boa de tudo ?”
Seo Arlindo falou baixinho para a mamãe-loira não ouvir:
“Sai dançando toda noite.”
A risadinha dos dois foi interrompida pela chamada do 28.
“É o meu”, disse a loirinha. “Prazer em conhecer”.
A sala de espera continuava cheia, muita gente era chamada
mas outras pessoas chegavam sem parar.
Uma senhora muito elegante, discretamente perfumada,
sentou ao lado de seo Arlindo e logo o reconheceu:
“O senhor por aqui. Bom dia.”
“Bom dia, dona Iolanda. Que lugar de se encontrar, hein ?”
“Pois é, já fiz o exame, mas agora é com contraste. E o senhor ?”
perguntou, apontando com o queixo para o envelope no colo
de seo Arlindo:
“coloscopia, né ?”
“Co-lo-nos-co-pia.
“Meu marido fez endoscopia. É parecido ?”
“Bem, parecido até que é...Só que...”
Seo Arlindo foi salvo pelo 33 que apareceu no letreiro:
“É o meu !”, exclamou dona Iolanda, “bom exame para
o senhor”.
Seo Arlindo resolveu esticar as pernas, deu duas
voltinhas e sentou ao lado de uma bonita moça de moleton
branco.
“Ah, senhorita Hemograma”, diz seo Arlindo, todo sorridente,
“no dia do seu exame eu fiz cintilografia, lembra ?”
Antes de a moça responder, um senhor grandão, terno azul
marinho, sentou ao lado de seo Arlindo e sussurrou em seu
ouvido:
“seo Arlindo, vamos saindo. Eu acompanho o senhor”.
“Tá bom, tá bom”, conformou-se seo Arlindo.
E falando baixinho para ninguém ouvir:
“Só deixa eu passar no desjejum, tem uma conhecida minha
que veio fazer ultrassom, deve estar tomando café.”
No meio do caminho finalizou:
“preciso ver se ela melhorou da cistite...”