Estamos no início de 2006 e todo esse episodio iniciou-se nos anos 80, portanto eu levei uns 20 anos para escrever esse livro.
Mesmo passado tanto tempo e tendo a medicina evoluído consideravelmente no contexto psicossomático, os problemas mentais e os seus reflexos no organismo humano, continuam a ocorrer, perturbando, desagregando, desestruturando, desarmonizando, desequilibrando todo o sistema e as relações entre as pessoas, e entre elas, o seu trabalho e a sua família.
Meu desejo é o de ajudar na compreensão de determinados sentimentos e reações podendo ocorrer com determinadas pessoas em diversos lugares e a cada instante.
Despertar para a reflexão, desenvolver o pensamento. Por esse motivo eu narro algumas fases da minha própria experiência de vida, onde vejo muito encadeamento lógico e que pode ser comum ao leitor.
Meu maior interesse é o de evitar que aqueles que venham a ser submetido a essas provações, não percam as forças e possam tomar decisões radicais. Garanto que não é necessário. O importante é ter Fé, Esperança e promover a Caridade, no sentido de não guardar ressentimentos, aprender a perdoar, sem entretanto se acovardar, cuidando permanentemente do corpo e do espírito.
Eu conheci homens e mulheres que sofreram tanto ou mais do que eu com esses efeitos e causas. Creio que não nos encontramos por acaso e até hoje tenho conhecido e feito novos amigos.
Aprendi que tudo tem o seu momento e em 2005, após um período bastante longo de provações, eu fui merecedor de um grande prêmio que me proporcionou o inicio de uma nova jornada, onde dentre outras coisas, mesmo sem nenhuma veia literária, pude enfim iniciar esse trabalho, que já me provoca o interesse por desenvolver outros similares.
SUMÁRIO:
Prefácio II
A máquina começou a quebrar IV
O ataque a 13 mil metros de altura VII
A manhã de março de 1964 XII
Perdas e danos XV
A coisa tomou conta XVII
A ajuda do Anjo XXI
20 anos depois XXVI
A necessidade de empreender XXVIII
Sinopse (contra capa) XXIX
A máquina começou a quebrar
Fazia algum tempo que eu trabalhava em uma grande empresa do Governo; um Bureau de serviços de processamento de dados.
Um orgulho para mim. Considerava uma das minhas maiores conquistas’ e me esforçava por merecer aquele emprego.
Cheguei até lá graças a um grande amigo paulista; nós o chamávamos de Chiquinho. O Francisco - naturalmente o seu nome - é uma daquelas pessoas que matam os outros de inveja com a sua capacidade de não irradiar o ódio, sentimento de vingança, de saber lidar com as diferenças. Ele já conhecia a importância da discrição, o que todos confundíamos como sendo traços de uma personalidade tímida. Bem, pelo menos ele era assim profissionalmente.
A sua índole e a sua experiência profissional, iniciada quando ele ainda era muito jovem, o transformara realmente em uma pessoa extraordinariamente corajosa no trato com a vida.
Ele, o Chiquinho, me recomendou para as entrevistas profissionais e eu fiz a minha parte.
Toda aquela organização de funções, especializações, infraestrutura, o nível intelectual e moral daquelas pessoas, me deixavam realmente em profundo sentimento de satisfação. O ambiente sempre teve uma forte importância para mim.
Constatei nessa ocasião a importância de se trabalhar em um ambiente saudável e harmonioso.
Cada dia era mais enriquecedor do que o anterior e eu já imaginava que isso permaneceria até o final dos tempos.
Como a minha formação profissional se deu na iniciativa privada, onde se aprende a lidar com a concorrência e com a máxima de que ‘quem nos dá a segurança no emprego somos nós mesmos através do conhecimento adquirido’ , me angustiava a possibilidade de me acomodar, a ponto disso se transformar em grande insegurança posteriormente. Portanto estava sempre atento a novas oportunidades, com muita ansiedade.
O espírito de liberdade também determinava esse comportamento e o empreendedorismo se manifestava, sem eu muito entender o que se passava.
Nos anos 80, a empresa sofreu uma grande reestruturação, determinando a separação do meu grupo de trabalho, com o qual me acostumei a dividir as necessidades profissionais e pessoais. Fui designado para atuar como apoio de uma nova gerencia, uma espécie de assessor de alguém que necessitava da colaboração de um perfil mais articulador, mais extrovertido, como acreditavam que era o meu caso.
Foi um grande baque. Sentia que estava sozinho e tendo que recomeçar. Mas fui tocando e praticando ao máximo a minha fidelidade, pois todos com quem me relacionava, mereciam essa conduta.
Certo dia porém, aconteceu ! Já era um final de tarde e estávamos nós três em uma sala e os dois gerentes mais graduados discutiam planos, determinavam ações estratégicas e eu ali, que tinha segurado a onda por todo o tempo, desde aquela decisão de separação do grupo, não era sequer consultado.
A conversa dos dois seguia já por algum tempo, quando de repente se deu uma intensa manifestação de revolta e eu passo a questioná-los como fosse seu superior.
A indignação era aterrorizadora – me dei conta disso quando percebi a expressão de espanto dos dois – eu dava ordens e ordens sem o menor controle sobre mim mesmo. Não parecia que era exatamente eu que estava ali. Não parecia ser um mero desabafo.
Demorou certo tempo até que tudo voltasse ao normal, mas o interessante é que produziu algum efeito positivo nas decisões. Pelo menos eu não fui demitido, nem mesmo recebi uma advertência, acreditem!
Não me recordo se me desculpei, mas creio que também não deveria, pois ninguém acreditou que era eu quem estava ali ... Mas havia alguma coisa no ar. Um dos gerentes – descobri depois de certo tempo – era dotado de grande sensibilidade, parecia que já teria lidado com situações semelhantes e em um belo dia eu solicitei uma reunião com ele para colocar um pedido. Se ainda me recordo, fui solicitar a minha transferência para o meu grupo de origem. Acho que queria ficar perto dos amigos.
Nesse dia, enquanto conversávamos, fui questionado sobre a minha situação financeira e aí desabei.
Não sei porque. Não me lembro de estar passando dificuldades financeiras, não vivíamos dificuldades econômicas nessa época, eu já tinha o meu carro zero, a minha casa própria, uma remuneração melhor do que todas as anteriores, mas o tema foi forte e eu custei a me recuperar.
Ficamos grandes amigos, depois dessa data. O Arthur era muito parecido com o Chiquinho, menos técnico, mais político, mas dotado de grande humanidade. Creio que se tivesse arbitrado por aceitar um convite seu para acompanha-lo, quando ele se transferiu para outra empresa, não teria encontrado determinadas pedras no caminho.
Mas as coisas são assim, temos o nosso livre arbítrio para decidir como crescer.
O ataque a 13 mil metros de altura
O processo de redemocratização estava em curso no país e a nova ordem era descentralizar o poder. Nossa empresa seguia alinhada com a nova política e estávamos agora envolvidos com um projeto de distribuição da gestão de informações até então centralizadas com o Governo Federal.
Havia um plano de ação onde grupos de 2 técnicos visitariam os estados para um trabalho inicial de levantamento de informações sobre o parque instalado de computadores, o nível de desenvolvimento, enfim, desejava-se mapear os gargalos tecnológicos para se promover o processo de distribuição das informações.
Eu e o Wagner fomos designados para a região nordeste. Lembro-me que ríamos muito com a nossa sorte: Que “tragédia”, hein ? ter que visitar o nordeste naquela época do ano. Nós não merecemos todo aquele sol, aquela natureza, brincávamos.
Iríamos apresentar o projeto e levantar as informações de três estados.
Era um vôo Buenos Aires – Manaus, um equipamento Jumbo, com capacidade para mais de 300 pessoas, com passagem pelo Rio, onde embarcaríamos e em alguns estados do Nordeste. Nós desembarcaríamos em Fortaleza.
Naquele dia a maquina não estava bem. O mau humor tomava conta e eu não estava admitindo a presença de ninguém. Não havia como aceitar de bom grado a companhia da minha mulher, meus dois filhos e dos meus pais. Eu estava rejeitando um dos gestos mais nobres entre pessoas: a oferta de ajuda, caracterizada pelo desejo deles me acompanharem até o aeroporto para o vôo das 19:30hs.
Muito a contra gosto acabei aceitando e encontrei o Wagner já meio que angustiado com o meu atraso.
As 19:30hs lá fomos nós, misturados àquela multidão aparentando total alienação com o mundo. Era gente de todo o tipo.
Nos sentamos na fileira do centro, da classe econômica e ao meu lado uma senhora tricotava concentrada, alguma coisa, não sei se para presentear ou mesmo para passar o tempo.
O vôo de aproximadamente 4 horas teria escala em Recife e seguia calmo e suave, oferecendo todo o conforto de uma grande companhia aérea.
O jantar já fora servido e eu já tomara um whisky apenas um, só para aproveitar aquela mordomia, pois naquela época a minha preferência era o Martini.
Estávamos a 13 mil metros de altura e já faziam quase duas horas de vôo e comecei com uma sensação de falta de ar que não levei muito a sério, haja vista estar bastante acostumado com viagens aéreas e os problemas de pressurização e despressurização.
Era o que eu imaginava que se passava: uma despressurização. Mas como não foi anunciada ? E porque a sensação crescia rapidamente ?
Eu olhava ao redor e ninguém demonstrava esse desconforto. A senhora que tricotava, seguia firme com a sua tarefa.
Comentei com o Wagner sobre a anormalidade e não me lembro se foi ele que recomendou que eu desse uma caminhada pelo corredor, mas foi o que eu fiz.
A essa altura outros sintomas começavam a surgir. Todo o meu lado esquerdo começava a adormecer, o coração disparava e eu já começava a suar frio. Julguei imediatamente que estava sofrendo um ataque cardíaco e estava em vias de morrer. Eu queria a qualquer custo abrir uma daquelas portas e sair dali.
A falta de ar tomava conta e o medo de morrer me levava ao pânico. Corri para frente da aeronave, procurando ajuda e encontrei um comissário de bordo. Um encontro infeliz : quando relatei o que se passava comigo, a sua reação foi de total desprezo, algo como se achasse que eu estava com medo de voar.
Com a minha reação meio agressiva, ele se assustou e resolveu comunicar o fato ao chefe dos comissários.
Em princípio também não havia crédito com as minhas palavras. Como acreditar em alguém que diz que está morrendo, que não consegue respirar e esse alguém não morre e continua respirando ? Não é uma sensação agradável você perceber que ninguém entende o que se passa contigo, principalmente quando se vive uma sensação tão séria.
Ao perceber o meu estado de pânico, fui conduzido pelo chefe dos comissários, para a primeira classe da aeronave e só mesmo desse jeito pude conhecer as mordomias que são oferecidas para quem pode pagá-las.
Aquelas poltronas eram verdadeiras camas e foi em uma delas que me instalaram, estendido. Logo me ofereceram uma garrafa de oxigênio, que em absolutamente nada adiantou a não ser em aumentar o pânico. A essa altura do campeonato eu já estava convencido de que não escaparia daquela situação. Já me questionava sobre Por que eu ?
Toda aquela situação era totalmente nova para a tripulação e incrível, tudo transcorria à margem dos passageiros da primeira classe, ali ao meu lado.
Surgiu a idéia de anunciar um apelo a algum médico presente. Fui consultado sobre o interesse e logo o aviso foi feito. Não chegou um médico imediatamente, mas o Wagner apareceu e aí percebeu que a coisa era séria. Tentava conversar comigo, me acalmar, me fazer perguntas e nada ... eu insistia que estava sufocado e morrendo lentamente.
As forças já se iam e daí aparece uma médica. Uma moça, simpática, com aquele semblante Zen e se aproximando, me fez algumas perguntas e foi logo me tranqüilizando.
- Olhe ! se você estivesse enfartando, já teria morrido, então fique calmo, isso é uma disfunção qualquer. Vai passar !
Mais como vai passar? Perguntava creio que já aos prantos. Calma, em 15 minutos nós faremos escala em Recife, eu peço ajuda de terra e o pessoal vai te atender.
Você não segue hoje ...vá a algum serviço de emergência, faça alguns exames de rotina e siga amanhã. Mas se mesmo assim você quiser seguir hoje, então pega o vôo da madrugada ... mas tudo depois que você estiver melhor.
Eram as palavras mais doces que eu tinha ouvido em muitos anos, carregadas de sotaque nordestino, aquele sotaque cantado, com muito carinho e que chegava como musica, mesmo.
O Wagner acompanhava tudo, pasmo. Os seus olhos por detrás daquelas lentes grossas dos óculos pareciam que iam saltar da órbita. Era só pavor e a mais alta expressão de impotência.
O equipamento taxiou, e antes que os passageiros descessem, uma equipe de profissionais com medicamentos surgiu ao meu lado e após serem recepcionados pela ‘minha médica’ me ministraram um comprimido com um pouco d’ água. O efeito psicológico foi imediato. A sensação de estar sendo atendido já reverteu o quadro e enquanto ia melhorando, a ‘minha médica’ desapareceu.
O pouco de cavalheirismo que me restava naquele momento ainda foi suficiente para tentar saber seu nome e como encontrá-la para poder agradece-la. Não fui suficientemente inteligente para localiza-la, ou não era o seu desejo, talvez.
Durante algum tempo percebi a importância de tecla a meu lado, uma sensação de carência mesmo, mas fui me conformando.
Antes da aeronave estar novamente preparada para nova decolagem eu já estava totalmente recuperado, como se nada, absolutamente nada, tivesse acontecido. Todos estavam novamente aterrorizados, dessa feita com a minha nova postura, do Wagner aos comissários e talvez os médicos ou enfermeiros que me atenderam, ninguém entendia muito bem o porque da movimentação causada até pela empresa aérea.
Bem, eu resolvi ficar em Recife. O Wagner também achou melhor assim e juntos fomos procurar uma clínica médica de emergência na noite de Recife.
Onde me indicaram, fiz alguns exames clínicos, conversei com o médico, fiz então um eletrocardiograma e aí surgiu um novo termo em minha vida: A onda ‘T’.
A tal onda estava invertida! Nem esperei a explicação, mas o médico se antecipou e esclareceu, confirmando o diagnóstico da médica. A onda ‘T’ fica invertida, caracterizando uma disfunção, causada por estresse... eu precisava saber controlar esse estado e me recomendou tomar um ansiolítico caso voltasse a sentir os sintomas.
Foi a primeira vez que um médico me sugeriu uma mudança de hábito, seguida naturalmente por uma centena de outras.
Como tudo estava sobre total controle resolvemos seguir firme para o nosso destino e eu feliz da vida já gritava para Fortaleza me esperar. Eu queria ir às forras !
Seguimos no Corujão, lembro-me que em um vôo inusitado.
Depois de ter conhecido a primeira classe, eu estava de pé, no corredor de um avião, com todo mundo me observando. Assim como se estivesse em um daqueles ônibus onde o motorista, com a sua tradicional gravata de lado, ‘pilota’ meio que torcido em relação ao volante, com a janela aberta e o braço dependurado.
Logo estávamos pousando em Fortaleza e o Wagner já totalmente aliviado, não cansava de me gozar e me avisar sobre a onda que ele faria no nosso retorno.
Fortaleza, depois Natal, João Pessoa. Foi tudo uma beleza. A recepção ao nosso trabalho era a melhor possível. Fizemos algumas palestras, mapeamos todo o ambiente, identificamos os gargalos, aproveitamos a hospitalidade típica dos nordestinos e nos despedimos depois de uma semana.
Naturalmente, nas recepções e após o trabalho, o episódio de Recife não podia ficar de fora. Tudo era contado, pelo Wagner com muito humor e eu confesso, colaborava com a farra. Nada porém se compararia ao que eu encontraria no meu retorno e quando fizemos novamente escala em Recife.
Nesse dia havia uma reunião de técnicos na cidade e todos estavam a par do ocorrido, devidamente modificado pelo Wagner e caracterizado como a maior ‘frescura’ ocorrida na empresa. Por uns tempos, nos tornamos inimigos mortais.
Uma experiência dessas não deixa nada como antes. Há uma transformação. Dizem os especialistas que na crise é que se consegue evoluir. Na história da humanidade parece que toda a evolução se deu dessa forma.
Lendo um dia desses a coluna de Leonardo Boff, no JB, encontrei certa aderência a esse pensamento, quanto ele se reporta ao sofrimento e o crescimento da humanidade e a incoerência com o racional.
A Ciência defende a tese de que os hominídeos quando ainda sobre as quatro patas, se ergueram para melhorar seu campo de visão e perceber o inimigo com mais brevidade. Evoluíram ! Tiveram que se tornar observadores, inventar armas, se organizar em grupos, combater, eleger líderes, hora mais experientes, hora mais fortes. Tudo para evoluírem, como tudo indica que ainda estamos.
A partir desse episódio nos céus de Recife, resolvi refletir um pouco sobre o passado.
A manhã de março de 1964
Assim que saí de casa percebi que algo diferente se passava. Aquela manhã não se parecia com todas as outras que me acostumara a conviver no trajeto até o colégio.
Todos os dias, de sol ou de chuva, os amigos e conhecidos se encontravam no mesmo horário; assim por volta das 6:30hs e juntos ou em grupos seguíamos a pé o caminho de aproximadamente 5 a 6 quilômetros, até a escola pública desejada por todos que se interessavam em cursar um ginásio e um científico respeitado. Para ingressar naquela escola era preciso passar no concurso de admissão.
Às 12:00hs estávamos de volta, novamente a pé e satisfeitos. O trajeto, de altos e baixos tinha lá os seus encantos. Às vezes, era alterado, só para satisfazer as curiosidades, própria da idade. Evitávamos os lugares mais ermos por recomendação dos pais, pois violência já havia, mesmo naquele recanto bucólico daquela Ilha.
Conversava com uma amiga que retornava de férias do leste europeu e o assunto era a regularidade e a precisão do horário dos transportes coletivos na Áustria.
Naquela época, lá na Ilha era a mesma coisa. Quando o ônibus não quebrava, ele passava pelas paradas (aquelas coberturas muito muquiranas, geralmente produto de campanhas políticas) a cada 1 ou 2 horas. A opção era o Bondinho da Ilha. Eram dois Bondes e um único trilho; portanto em algum lugar um tinha que esperar o outro passar ao largo.
Quanto romantismo naquele bonde que transportava o pessoal de bairros de um extremo ao outro da Ilha.
Quando ainda no Jardim de Infância, lembro-me de ser levado, muito a contragosto, pela minha mãe, que pacientemente esperava na porta do colégio por todo o período, já que a distancia e o transporte não permitiam, ela me deixar e depois me buscar. Era assim com a maioria das famílias que moravam no extremo oposto da Ilha.
Vez por outra até o pegávamos só para encontrar amigos e flertar um pouco com as primeiras paixões. Aquele bonde realmente tinha estórias. Não me sai da cabeça até hoje: Eram dois vagões, o de trás costumava ter a preferência de algumas garotas, todas bonitinhas. Aquela ilha era um celeiro de moças bonitas. Acho que era o resultado de tanta energia boa. Mais havia também os ‘pit boys da época’ : bastava o bonde parar naquele ponto e pronto, já se destravava o pino que prendia um vagão ao outro. Era sempre naquele ponto e naquele horário.
Era uma verdadeira festa assistir o pessoal do vagão de trás, completamente pasmo admirando o vagão da frente ir embora e só depois de muito tempo recuar para se novamente engatado.
A alegria – pelo menos de quem estava fora do bonde - era extrema, esfuziante. Era assim, dia após dia. A escola, as meninas, a praia, a pelada até o escurecer, as festas de época, a falta de luz, de água, de ônibus, a falta de asfalto, saneamento, de dinheiro. Faltava praticamente tudo, menos a alegria de viver de forma muito simples.
Mas aquela manhã estava diferente. Assim que comecei a caminhar pela rua, percebi que estava só, completamente só. Era uma sensação de desconforto ainda não experimentada.
Comecei então a recordar alguns diálogos que ocorriam em casa, mas que não dava importância. Acho que havia uma preocupação por não se criar esse clima.
Retornei meio apressado e nesse dia, nesse momento eu percebi uma estranha sensação. Parecia um pouco com as crises de bronquite que me faziam ficar acordado de madrugada, naquele sofrimento que tanto ódio gerava a todos e a tudo. Não perdoava nada, nem mesmo a ajuda dos meus pais que comigo sofriam sem muito poder fazer. Eu não admitia aquela incompetência em acabar com aquele sofrimento.
Mas e agora ? Já com 14 anos, já tinha superado aqueles tempos. O pulmão já estava bem mais forte. O futebol, a natação os exercícios permanentes, possibilitados pelas brincadeiras, não permitiam que as crises ‘tomassem conta’ novamente.
A sensação era outra, estranha, algo como uma opressão.
Em casa a revelação: Uma revolução armada estava em curso em todo o Brasil. Tropas e carros de combate já circulavam. Já se deslocavam de forma estratégica e o propósito era derrubar o Governo, considerado incompetente e com tendências esquerdistas. Viviam-se tempos de guerra fria. Eu estava com muito medo, mas um medo diferente daquele natural, próprio dos animais, causado por um processo químico e que aguça os sentidos, preparando-nos para uma defesa, diante do perigo.
Esse não era o tipo de medo. Havia sim, revolta e apreensão com o que poderia vir a acontecer com os meus familiares. Crescia em mim a consciência existencial: Admitir a injustiça ? Jamais ! e era como eu caracterizara o contexto de 1964.
A liberdade tinha mudado de paradigma ! Vez por outra até ameaçava participar de algum movimento de contestação, mas por uma ou outra razão, me alienei do processo durante bom tempo. O prazer e o gozo foram vencedores.
Perdas e danos
Lidar com perdas, não é próprio dos animais. Com as frustrações então ... essa sensação nenhum ser humano – pelo menos os não ‘iniciados’ – consegue suportar.
A perda de nosso avô foi trágica. Foi difícil acreditar que alguém tão amado tivesse que nos deixar tão cedo, quando ainda precisávamos tanto dele. A nossa avó se foi em seguida ... creio que por desgosto ... creio que porque amava demais o seu cúmplice.
Lembro-me, nessa ocasião, de ter feito um pedido a uma prima que ficara tão abatida quanto eu: Estude os segredos da mente ! É ali que está a razão de tudo e lhe presenteei com uma espécie de enciclopédia. Um fascículo sobre os segredos do cérebro humano que tanto me fascinava. Não acredito que tenha sido uma obra do acaso. Foi uma atitude muita determinada, feita como um apelo para que ela pudesse minimizar ou até evitar os sofrimentos futuros.
Mas porque ela – que acabou levando a frente os estudos da medicina - e não eu, já que motivação não faltava.
Hoje eu entendo que naquela época ainda não estava preparado para uma nova conduta.
Entrei para a Universidade do Estado – ainda eram tempos de repressão – era prazeroso e motivo de muito orgulho estar estudando Física, uma ciência da natureza. Einstein revolucionara tudo com a teoria da relatividade; a física do estado sólido e a eletrônica; a hipótese de vir a me transformar em um pesquisador, tudo me fascinava e me enchia de entusiasmo e ao mesmo tempo de frustração .
Tentei por dois anos me enquadrar no horário vespertino-noturno, me aprofundar nos estudos, mas não foi possível. Os horários das aulas eram incompatíveis com os do emprego e ganhar dinheiro era prioridade... uma bobagem !
Nesses tempos ainda experimentei a sensação de fobia, quando eu e um grande amigo da época de vestibular, fomos confundidos com os autores de um atropelamento e jogados em uma cadeia daquelas de filmes de piratas do Caribe, em uma cidade do interior. Passamos todo o final de noite e a madrugada naquela coisa indigna e somente quando botei a boca no mundo e mencionei o nome de alguns amigos da família, fomos liberados e com mil pedidos de desculpas.
Decidi-me pela transferência para o curso de engenharia noturno. Não foi por acaso que optei pela engenharia elétrica, um curso ainda fortemente relacionado com a natureza. Também não era por acaso que trabalhava com computadores, um privilégio nos anos 70.
Trabalhar com os celebros eletrônicos era coisa para malucos ou iluminados.
Não acreditava que durante esse período de minha formação profissional e acadêmica algo ainda mais forte pudesse mexer’ tanto com o meu espírito:
Não consegui agüentar a perda’ de um relacionamento tão estreito! De início até julguei que se tratava de uma reação involuntária a uma postura aparentemente esnobe, uma reação machista a uma insuportável iniciativa oposta. Tipo orgulho ferido.
Mais tarde, dado à reação de total desprezo aos meus apelos de reaproximação, percebi que algo de muito sério teria acontecido. Era inaceitável, inacreditável, uma amiga, parceira, cúmplice, adotar uma postura tão distante, da noite para o dia. Só o tempo revelaria a razão: Não era para ser ...
Não soube lidar com os fatos e as reações vieram. Eu já não era dono de mim. Havia perdido todos os meus conteúdos. Os sintomas eram drásticos: indisposição para o trabalho, indiferença pela vida, falta de motivação mesmo !
Nada foi capaz e reverter o processo, realmente estava escrito.
A juventude tem de muito boas duas coisas a seu favor: a capacidade de fantasiar bem mais que os mais maduros e a capacidade de resistência orgânica.
Apesar de tudo e com certeza com uma ajuda que só atualmente começo a compreender melhor, fui me recuperando e continuando a jornada.
Os astrólogos atribuem ao signo de Virgem, o lado sentimental – além do senso crítico apurado e de um comportamento metódico. Por outro lado à natureza nos compensaria com uma capacidade de racionalizar rapidamente, buscando o entendimento do fato e a neutralização da ameaça. É uma explicação, que concordo até certo ponto.
A coisa tomou conta
Estava jantando, depois do trabalho, logo após o episódio em Recife, quando começaram novamente aquelas sensações de falta de ar. Eu não podia acreditar que ia se repetir o Inferno na Terra, mas se repetiu.
A sensação foi aumentando a ponto de ter que gritar para a minha mulher me socorrer. Avisei que estava morrendo e ela entrou em pânico.
Como morávamos ao lado do hospital de cardiologia, centro de referência no Rio de Janeiro, em Laranjeiras, fomos correndo pra lá, a pé mesmo. Não sei bem como cheguei, mas fui invadindo tudo e na emergência só me lembro de tirar quase que a força um paciente que eu considerava em condições muito melhores do que as minhas, para ser atendido.
Novamente, sensibilizei os profissionais e logo após uma injeção na veia, tudo se transformou, como uma mágica. Ninguém entendia nada, mas me consolaram com a justificativa do stress.
Aquela pressão, a angustia no peito no peito tornava-se permanente e novos sintomas começavam a surgir.
Como um bom virginiano, comecei a racionalizar e buscar a cura. O meu guia médico do Plano de Saúde tornou-se a mais importante fonte de consulta de todos os tempos.
Eu não sabia exatamente que especialidade deveria buscar, mas admiti que uma consulta ao neurologista iria esclarecer tudo. Fui tomado de extrema felicidade quando identifiquei o nome de uma clínica especializada ao lado da minha residência.
Pronto ! eu marcaria uma consulta, seria atendido, medicado com uma química maravilhosa, resultado de um conhecimento gentilmente cedido aos homens, por Deus e ficaria curado para todo o sempre.
Puxa ?! pensei que não fosse sair dessa, cheguei mesmo a pensar que estava começando a enlouquecer. Talvez herança de algum familiar... mas isso não importava mais, em breve estaria pronto de novo ...e viva a ciência, o conhecimento e um foco. Mas haveria um foco nesse conhecimento ?
O diagnóstico do neurocirurgião, o Dr. João, foi Depressão com Ansiedade. Para mim, coisas antagônicas, para o médico a recomendação de tomar um ansiolítico pelo resto da minha vida e naturalmente reorganizar o meu modo de vida, assim, simples, trivial.
Ainda não podia concluir o que mais me incomodava: se tomar o remédio pelo resto da vida ou com a simplicidade do médico encarar aquele sofrimento que estava começando a tomar conta.
Estava feliz; voltei a sorrir logo após tomar o comprimido da noite e já aguardava pelo dia para tomar o outro. Feliz por ter feito uma nova amizade com um médico que tinha me transmitido muita tranqüilidade e uma sensação de otimismo, muito necessária naquele momento.
Comentei o fato com algumas pessoas e foi o fim. Mas como ? ansiolíticos ? Você não sabe que essas drogas viciam ? As conseqüências são desastrosas. Procure a homeopatia!
Lembrei-me logo da ansiedade pela chegada da hora de tomar os comprimidos e já me julgava um dependente; quanta ingenuidade !
Isso mesmo ! vou procurar o mesmo princípio na homeopatia e larguei de lado o ansiolítico alopata.
Os sintomas começaram a crescer e a convivência no trabalho, bastante difícil.
Eu era um chefe de setor, não podia deixar transparecer a impressão que estava “enlouquecendo”! Os comentários mais ingênuos soavam como dirigidos sempre para mim. As provocações que sempre estão presentes em qualquer ambiente, caiam como verdadeiras bombas e só iam alimentando aquela sensação de angustia.
Como tudo era novo, era impossível esperar que um Departamento de Recursos Humanos reagisse a um pedido de ajuda. De certa forma acho que até hoje somente as grandes corporações são capazes de manter profissionais e políticas de assistência a esses casos.
Em um curto espaço de tempo surgiram as Cefaléias. A dor de cabeça era intensa e o desconhecimento só fazia agravar o episódio. Comecei a ler tudo o que encontrava e aí entrava em parafuso, pois as causas conhecidas, poderiam variar em uma escala de 0 a 1000.
Seguiu-se um emagrecimento repentino, em uma época em que a AIDS era o maior dos males. Creio que tenha perdido uns bons 6 a 8 quilos em algumas semanas. Coisa pra botar inveja em qualquer endocrinologista e aos melhores SPA da época.
É claro que imaginei o pior e novamente o machismo prevaleceu. Busquei esclarecimentos e logo percebi que o meu quadro não caracterizava nenhuma doença infecto-contagiosa.
Mas não me convencia assim de pronto. Meu raciocínio ia ao extremo. Lembrei-me de ter tomado um leite natural, tirado ali na hora, de uma simples vaquinha e servido pelo meu caseiro, de um sítio que tinha em Nova Friburgo. Eu não queria aceitar aquele leite, mas diante da insistência de toda a família do caseiro e para não fazer feio, aceitei e fiquei cismado. Outro engano e a indevida perda de confiança no caseiro.
O metabolismo estava a mil. Tentava recuperar o peso, ingerindo doses maciças de carboidrato e nada. Era uma provação como nunca imaginei e que poucos podiam compreender e opinar naquela época.
Uma paralisia facial me deixava ainda mais confuso e para complicar de vez, surgiu uma pressão em torno da cabeça, diagnosticada em um livro de Iôga que encontrei, como “Capacete do Neurótico’’.
Era uma sensação permanente como as que temos após utilizar um chapéu muito apertado durante um longo tempo.
Entrava dia, saía dia e aquela sensação não me abandonava. Tudo acompanhado de um forte zumbido nos ouvidos, de dor na altura do fígado, de dor na articulação das mandíbulas, de fortes espetadelas nas costas,de diarréias e de fraqueza muscular principalmente nas pernas, braços e nas costas.
Vocês leitores, já devem estar meio que cansados e considerando que já estava de bom tamanho, não é ? pois enganaram-se, a via crucis, mal estava começando.
A sensação de pressão no peito só aumentava, as fobias foram transformando a minha personalidade e eu já não suportava a noite, não conseguia ficar longe das pessoas e a insônia se instalou.
Dormir pouco ou mal é uma das maiores torturas que podem existir. Não relaxar durante o sono significa alimentar uma situação de estresse, ou de ansiedade com depressão. Pior ainda quando a pessoa que se deita ao seu lado não compreende o que se passa e se vira para o outro lado e dorme. Aí você não agüenta e por várias vezes expõe o seu relacionamento ao desgaste.
O medo de morrer vai se acentuando. Ficar sozinho, jamais! mas multidões e lugares fechados, nem pensar.
Vem o entendimento sobre o Céu e o Inferno e com ele o questionamento, o sentimento de culpa sobre as coisas mais naturais, mas que passam a ter um grande peso: Será que prejudiquei alguém ? será que deveria ter me aprofundado mais nos estudos ? será que tudo isso é fruto de alienação espiritual ? Porque eu ? Porque comigo ? Será algo congênito ? Porque nenhum familiar me contou sobre a possibilidade de existência de um louco na família ?
A ajuda do Anjo
Vocês já sabem, ou ouviram dizer, ou eu mesmo já mencionei em algum ponto deste livro, que virginiano é uma pessoa metódica, crítica, racional, gosta de liderar, de ter a sua gaveta onde de um lado ficam as meinhas, de outro as cuequinhas e mais abaixo, as chinelas preferidas e por isso mesmo paga o preço. Mas para equilibrar tem o seu lado guerreiro.
Resolvi correr atrás do prejuízo. Comecei a buscar tudo, a ler de tudo e a ajuda começou a chegar. De forma meio confusa, mas chegando ... chegando... chegando.
Eu tinha interrompido a alopatia, porque acreditei que realmente viciava e busquei a homeopatia.
Fui atendido por um médico homeopata, que me causou uma imensa segurança. Ele era diferente, examinava o conjunto, todo o sistema, tanto o material quanto o espiritual.
Receitava como se estivesse em transe mediúnico, não era unicista. Seus remédios eram apresentados em papelotes de pó branco e eu deveria ingeri-los várias vezes ao dia. Tinha até um certo receio de ser abordado com aquela mercadoria, mas ele me tranqüilizou.
Acreditei muito naquele médico, mas os medicamentos não conseguiam controlar as crises, mesmo aumentando a dosagem.
Associei Yôga aos medicamentos. Conseguia com alguns exercícios, provocar o sono tão necessário, mas cometi um grande erro, não busquei um acompanhamento profissional, fazia tudo por conta própria e naturalmente alguns exercícios só serviram para piorar aquela depressão.
Lembrei-me de um certo hotel, na região serrana, onde a proprietária oferecia aulas de Yôga aos hóspedes. Resolvi passar uns dias por lá. Fui só, sem a família. Havia um clima místico, mas ao mesmo tempo acolhedor, carinhoso. Os hóspedes curtiam os tratamentos alternativos, a natureza e eu me identifiquei muito com tudo aquilo.
Certa noite, em uma reunião com os demais hóspedes (uma espécie de terapia de grupo) conversando sobre o meu problema – o que na altura do campeonato não era simples de se fazer, pois já estava acreditando em algo sobrenatural – soube do ocorrido com a proprietária do hotel, quando ela era ainda muito criança e perdeu o seu pai. Segundo ela, quem a livrou do suicídio foi um psicanalista muito conceituado.
Psicanalistas, psiquiatras, psicólogos, esses profissionais não me traziam a empatia que gostaria. Eu os associava com a loucura, tinha muitos preconceitos e portanto queria vê-los longe.
Mas o amor próprio ainda preservado, brigava por encontrar uma solução e eu insistia na luta.
Em uma tarde de sábado, em casa, acompanhado daquele mal estar, eu então decidi marcar uma consulta com o tal psicanalista.
Me atendeu uma voz de uma pessoa de idade, que não aparentava gostar de falar muito. Dessa forma tomei a iniciativa e então eu comecei a falar. Não tive dúvidas de que se tratava de um profissional, quando ele então comentou:
Já sei a coisa tomou conta, não é ?
Foi uma interpretação precisa do que estava se passando e eu consegui agendar uma consulta, creio que para aquele dia ainda, mas bem tarde da noite.
Não era trivial admitir ser atendido por um psicanalista. O que iriam pensar ? Psicanalista era coisa pra “mulherzinha”, mas lá fui eu, mesmo correndo o risco.
O local, uma antiga mansão no Alto da Boa Vista, estava às escuras. Eu comecei a duvidar da possibilidade de encontrar algum consultório em um lugar daqueles, mas quando já estava balançando, surge a figura de um senhor, aparentando seus setenta anos, com um pesado casaco de peles (fazia muito frio naquela ocasião, no Alto da Boa Vista), um rosto redondo, com um jeitão meio de europeu (na verdade um nordestino-nortista), que me pediu para entrar em uma pequena sala.
Sentamos, um de frente para o outro e ele não abriu a boca, resultado... eu tive que tomar a iniciativa novamente. Falei, falei, falei ... de tudo que era jeito e ele só respondia com metáforas que eu não entendia absolutamente nada. Depois de cinqüenta minutos estava com a nítida sensação de ter sido enrolado, com a maior elegância. Pior ainda quando perguntei pelo preço da consulta e ele me respondeu:
- Você vai pagar o que você achar que eu mereço ! Aí complicou pra valer e eu marquei uma nova consulta.
Os horários eram os que tinham, 6 da manhã, 8 da noite, 10 da noite. Às vezes eu esperava duas, às vezes até três horas para ser atendido e acho que era proposital e me deixava muito aborrecido no início.
Com o tempo, percebi que estava naturalmente aprendendo a controlar a minha ansiedade.
Esses atendimentos duraram por pelo menos 3 anos e durante esse período eu tive todas as doenças sem ter tido uma sequer.
Aprendi que Freud chegou bem perto, era realmente um iluminado, mas ainda existia alguma coisa antes e alguma coisa depois, da sua faixa de trabalho.
Perdi o meu principal medo e conquistei um outro medo, o medo de não ter mais medo.
Eu deveria ter começado bem mais cedo com a psicanálise. Nisto eu e o meu analista concordávamos, no mais brigávamos muito, pois o tratamento psicanalítico por ser de longa duração, favorecia o meu lado crítico. Mas não foi tarde e nunca será tarde para iniciarmos algum projeto ou uma nova jornada.
Durante esse período, já sem os medos, voltei ao neurologista reiniciei o meu tratamento com um ansiolítico muito conhecido na época, que apesar de ser controlado não me causava nenhuma sensação desagradável. Pela manhã e pela noite religiosamente eu seguia as recomendações médicas e uma certa noite, percebi que os zumbidos e as dores de cabeça desapareceram.
Já não temia viagens de avião com duração acima de1 hora. Cheguei a ponto de procurar as mais longas só para me testar. No início eu me sentava ao lado da porta de emergência, tomava um comprimidinho e lá ia eu contando estórias para as comissárias. Depois tudo voltou à rotina.
Dirigir automóvel, outra grande dificuldade, foi superada na marra. Essa foi realmente bárbara.
Eu tinha um comprado um automóvel, objeto do meu desejo, fazia tempo. Era uma modelo com características esportivas, seguro e um dia decidi que iria até Nova Friburgo em menos de 2 horas e pelas estradas mais desertas. No meio do caminho vieram os sintomas e eu forcei o acelerador. As sensações desapareceram como que por milagre.
A cada nova experiência eu ia me convencendo mais e mais que tudo se dava no plano mental.
As dores na articulação da mandíbula também se foram, a partir da recomendação de um otorrino (amigo do meu psicanalista) para uma visita a um ortodontista seu conhecido. Um simples espaçador colocado nos dentes inferiores, à noite, evitavam que eu ficasse fazendo pressão uns contra os outros, estressando os músculos da mandíbula.
Três anos é uma eternidade, quando se deseja se livrar de algo tão indesejável, pior ainda quando tudo tem que ser feito de forma discreta, por conta de uma cultura retrógrada.
Eu conheci alguns centros de tratamento psiquiátricos e percebi a solidão e a carência afetiva, dos considerados loucos e como é tênue a linha que separa o equilíbrio da denominada loucura.
Conheci alguns psiquiatras. Um deles, no primeiro dia de atendimento e após eu relatar a profunda tristeza que sentia ao ver uma família inteira morando nas ruas, quase conseguiu realizar o meu desejo de chorar e de bocejar. Eu não conseguia experimentar essas sensações fazia tempo. Receitou-me um antidepressivo e após tomar um só comprimido, joguei a caixa fora. Aquele tipo e medicamento me deixou feito um Zumbi e esse estado não era necessário e nem me permitia gerenciar pessoas.
Conheci diversos profissionais da medicina. Alguns deles com muita sensibilidade (creio que os pediatras eram mais sensíveis), outros com muito pouca ou nenhuma sensibilidade. Não imagino que esse pessoal possa curar alguma coisa. Um amigo meu muito gozador dizia que de alguns médicos ele não permitia nem que trocassem o band-aid, aquele curativo prático.
Visitei Centros Espíritas, onde me senti muito gratificado e feliz. Tive a nítida sensação de que complementava e as vezes superava o meu tratamento psicanalítico e o medicamentoso.
Fui a muitas Igrejas agradecer e pedir ajuda. Comecei a perceber a importância da religião na minha vida.
Nadava muito, na hora do almoço e a noite depois do trabalho. A água me relaxava muito, me dava muito equilíbrio e também colaborou para que eu pudesse enfrentar os desafios do trabalho que não podia parar.
A alimentação natural me dava muito mais prazer e sensação de harmonia a ponto de certo tempo depois de estar seguindo essa filosofia, ter alguma dificuldade com alimentação tradicional. Foi difícil voltar a degustar carne vermelha e produtos industrializados.
Até hoje entre uma e outra opto pelo natural.
O cálcio, combinado com magnésio, ajudava muito na hora de dormir e a gelatina natural extraída de animais fazia muito efeito no fortalecimento da musculatura, quando associada a um programa de exercícios localizados.
Busquei muito a companhia de pessoas especiais que irradiassem carinho e ternura. Alguns de nós necessitam de conviver nesses ambientes harmoniosos.
Carinho e Ternura. Até hoje eu não tenho certeza se era causa ou se era conseqüência. Só tenho uma certeza, não há contra-indicações e só fazem bem !
Eu não tenho dúvidas de que somos ajudados quando precisamos. Durante todo esse período eu recebi ajuda e ainda continuo recebendo, quando preciso.
Não vejo como algo sobrenatural, mas como resultado de uma sintonização entre transmissores e receptores. Algo como ocorreu certa feita, quando acompanhava a minha esposa durante uma cirurgia para extração de cálculos renais, que por pouco não desapareceram com tratamento homeopático, para espanto dos cirurgiões.
Eu conheci uma enfermeira, muito jovem, simples, aparentando ser muito estudiosa. Não sei por que razão, comentei sobre o meu caso e curiosamente ela me falou que estava estudando o assunto e que nos Estados Unidos já haviam avanços no que se chamava de Síndrome do Pânico, uma doença moderna, própria das grandes cidades, segundo os estudiosos.
Deu-me alguns recortes da matéria e me explicou que o problema se dava a partir da carência de uma vitamina do complexo B e que provocaria um distúrbio de comunicação entre os neurotransmissores. Também não sei se era causa ou efeito,mas a verdade é que quando eu tomava levedo de cerveja (rico em complexo B) me sentia melhor.
20 anos depois
Dia desses eu ouvia uma palestra sobre a Lei do Progresso, parte da Doutrina de Alan Kardec. A conotação era um misto de filosofia e ciência e em vários momentos divertida. Discutia-se a herança genética que ainda carregamos desses homens primitivos e a obesidade foi comentada como conduta do homem primitivo que ingeria o máximo de alimentos possível e calóricos, pois não sabia quando teria novas
oportunidades e portanto tinha que se manter com energia para sobreviver às diversas provações.
O palestrante comentava a relação do cérebro com a fome, cujo controle está localizado no nosso sistema nervoso e a dificuldade que temos para emagrecer já que o cérebro levaria 1 mês para se acostumar com uma redução de 1 kg de peso.
Hoje, aos 56 anos, estou mais e mais apaixonado pela ciência e por essa maravilha complexa, complicada, intrigante, terrivelmente cruel e envolvente, denominado ser humano, em particular com os mistérios do seu cérebro.
E os sentimentos ... esses então ... não consigo coexistir sem os mais fortes. Eu ainda não os domino, mas percebo claramente o quanto são necessários.
Creio que quando passamos a compreende-los melhor, os sofrimentos se transformam em alimento da alma com conseqüente crescimento espiritual e moral.
Não tenho dúvidas quanto à necessidade do desenvolvimento moral do ser humano (como propõe Kardec na doutrina espírita) para a obtenção do progresso humanidade.
Há ! quase me esqueço de voltar a tal Síndrome do Pânico. Ela ainda não se foi totalmente.
O estresse ainda dispara alguns de seus sintomas, como a fobia e a angustia, mas como eu não lhe dou muita importância, da mesma forma que vem, ela se vai.
Nessa minha nova caminhada, estou muito seguro que vou domina-la a partir do desenvolvimento do meu pensamento, ou seja buscando cada vez mais o desenvolvimento moral, que obtemos através de muito estudo e prática.
Minha intenção não é recomendar esse ou aquele método para quem quer superar ou coexistir com esta tal de Síndrome do Pânico, mas acho justo procurar ajudar, como um dia fui e ainda sou ajudado.
Nessa minha jornada descobri a importância de ser Discreto; da Paciência, trabalhando a ansiedade, com a leitura, o laser, com o desenvolvimento artístico, cultural, com o que for; Do desenvolvimento da sua Moral, estudando! estudando! estudando! ; Do desenvolvimento do seu lado Espiritual;
De enfrentar os problemas de frente;
De recorrer à Ciência, sem receios ou preconceitos e de não esquecer de cuidar das Finanças ! Essa última talvez a mais complexa nos momentos atuais.
Mas essa é a minha visão; não deve e não pode ser a de todos os que sofreram ou sofrem de depressão.
Hoje mesmo, antes de começar a escrever esses parágrafos, assistia a uma palestra de um psicólogo, em uma das maiores e mais antigas Casas Espírita do Brasil, Leon Denis e ele lembrava que Deus se vale dos homens para praticar os seus desejos.
Eu não acredito em aposentadoria no seu sentido estrito. Por diversas vezes me imaginei voltando aos bancos escolares para me graduar em medicina e durante ainda uns bons 20 anos estudar e praticar os conhecimentos adquiridos.
Entretanto, mesmo sugerindo nesse texto que o tarde não existe, que tempo e espaço são teorias, produtos da nossa imaginação, não posso ignorar a minha incompetência diante do atrelamento ao raciocínio cartesiano e nesse sentido considero mais adequado o aprofundamento nos estudos da Física e disseminar o conhecimento que considerar consistente, praticando mais e mais a atividade do magistério.
Se possível, tudo dentro de um contexto de empreendedorismo, e da forma como acredito.
A necessidade de empreender
Empreender, seja no nosso trabalho, seja através do nosso próprio negócio, requer além de uma forte necessidade de utilizar toda a energia presente em nós, uma forte vocação, uma formação adequada, dedicação, resignação, tolerância e principalmente muita responsabilidade.
Não é para todos. Não é e nunca poderá ser uma decisão tomada devido a falta de opção.
Esse capítulo não estava imaginado até bem pouco tempo, decidi-me por incluí-lo por entender que o espírito de liberdade, a necessidade de viver intensamente, canalizando toda uma forte energia para um mundo de realizações pessoais, materiais e humanas, são características muito presentes em pessoas com traços de depressão, como a mencionada nesse livro. Empreender pode ser uma forma de tratamento, também !
Por outro lado, os cursos técnicos ou universitários ainda não ensinam a empreender, como conviver com a pressão do dia a dia, com os direitos e obrigações. O crédito e os juros também não são de fácil acesso ou pagamento.
As Organizações Empresariais, via de regra, não sabem como lidar com pessoas com enorme potencial empreendedor mas necessitando de algum atendimento terapêutico ou de alguma orientação, exigindo portanto todo um esforço individual unilateral.
Apesar de tudo, podemos nos considerar como privilegiados. No Brasil, existem Instituições de fomento ao empreendedorismo, ainda jovens e conseqüentemente ainda buscando o melhor caminho para chegar nas suas Diretrizes.
Eu trabalho em uma dessas Instituições (além de ir mantendo uma microempresa de Tecnologia da Informação). Conheço a seriedade com que seus dirigentes conduzem seus planos e estou procurando dar o máximo da minha contribuição nos projetos em andamento.
Sugiro a todos os que se interessarem pelo empreendedorismo, que desenvolvam principalmente as suas competências em planejamento financeiro. No meu ponto de vista, o coração de qualquer negócio.
Sinopse (contra capa)
Em um determinado momento da história, parece que já no final do século 19, época das grandes transformações, a ciência dividiu o homem em dois: de um lado a matéria, de outro o espírito ou alma.
Decidiu ela mesma que cuidaria da matéria, deixando o abstrato, o intangível para a Igreja cuidar.
ESCALA EM RECIFE, é um relato das conseqüências dessa separação, no entendimento do autor.
A Síndrome do Pânico, hoje melhor compreendida, ou reconhecida, do que nos anos 80, época em que se deu a estória, é descrita sob a forma de um drama pessoal.
Seus sintomas, as doenças que teimam em não se apresentarem para os médicos , a busca de uma reflexão sobre o passado e o futuro. As conseqüências para as relações com o trabalho, pessoas e família, são pontos abordados nesse livro.
Não se trata apenas de um relato, mas de uma posição do autor quanto a necessidade de reintegração das partes separadas, visando tão somente reequilibrar o indivíduo, tornando-o novamente preparado para enfrentar os desafios da vida, incluindo-se os desafios profissionais.
Esse último aspecto é superficialmente abordado, mas destacado devido ao entendimento de muitas organizações modernas que já entendem a necessidade de manter a unicidade do indivíduo, como estratégia empresarial.
Sobre o Autor:
Marco Aurélio Fonseca é carioca, nascido em Setembro de 1949. É Engenheiro e Analista de Sistemas, com especialização em Engenharia Econômica e MBA em Serviços de Telecomunicações.
Iniciou sua vida profissional como programador de computadores a partir dos anos 70.
Atuou em empresas públicas e privadas, de diversos portes, exercendo cargos de confiança e de coordenação, desde o início da carreira.
Foi diretor de cooperativa de Serviços de Informática e posteriormente criou a sua própria microempresa de consultoria em informática, atuando, por razões estratégicas e vocacionais, no interior do Estado do Rio de Janeiro, para empresas de pequeno porte. Também participou em diversos projetos de maior porte e críticos e nesse caso, como um parceiro de empresa líder.
Atualmente é consultor de Instituição de fomento de pequenos negócios, onde lida com um vasto experimento de empreendedorismo e podendo observar as relações com o capital humano interno e externo.