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Contos-->VIAJANTE DE MIM -- 20/03/2001 - 00:30 (Paulo Sézio de Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Viajante de Mim
Paulo Sézio de Carvalho
Enxuguei o sereno sobre a manta, aquecendo-me simultaneamente com os raios desse sol que acontece nas manhãs de inverno.
Pude ver que a trilha se estendia a perder de vista.
Fechei os olhos e participei do costumeiro silêncio, ali, um pouco mais profundo.
As costas, doendo do local nada confortável que escolhi para descansar, reclamavam um pouco mais de piedade.
Os pés inchados, mas prontos à contribuição, voltaram a se aquecerem.
Árdua geada dentro e fora desse inconstante ser começara a se derreter assim que me expus ao sol aquecendo-me por inteiro: foi a mais sábia decisão para começar aquele novo dia.
Decidi que deixaria para trás uma mochila de roupas, traço fiel de personalidade vivida.
Céu de inverno.
Incomodante céu de inverno. Mediterrânico ou tropical, expõe-se em beleza de azuis incógnitos.
Pronto!
Era isso que eu queria: a poesia que nascia do âmago, voltando à latência.
Recordei-me da voz silenciosa de meu amado visitante interno, insistindo na unidade que sou como o Todo.
Sorri maliciosamente perguntado-me se entendi a compreensão, ao que a mente favoravelmente assentiu.
Já não caminharia todo o planejado.
Somente aquilo que meus limites estipulassem e um pouquinho a mais para trabalhar a transcendência.
No ímpeto imaginei como seria caminhar sem o caderno de anotações, sem a manta, mesmo sabendo do frio noturno e por que não sem a mochila e as roupas...
...Arrisquei a demorar nesse pensamento e percebi que atrevidamente a mente estava concordando, dando sinais de que ajudaria a dar suporte necessário ao corpo, caso esse se esmorecesse.
Desviei as atenções, olhei pedras, montanhas, céu...
...O caderno de anotações!
Não!
Seria um absurdo!
Tudo que anotara até agora, preciosos momentos de lucidez e outros de grossa ignorância, lições importantíssimas.
Não! Isso não!
-Não confia em mim? - a mente instigava. Não lhe dei suporte necessário? E esse interno, não lhe conta?
Queria ver pedras, montanhas, céu...
...O caderno de anotações já incomodava.
Meu Deus, mas ele nada significava em se tratando de valores materiais, porque pensava tanto?
E se eu esquecer todas as lições e se eu repetir tudo como se fosse a primeira vez, quanto atraso não seria?
-SE ESQUECERES É POR QUE NÃO ASSIMILASTES! - Bradou um trovão no silêncio da alma.
-Algo acordou, pensei.
-E TU AINDA DORMES!!! - retumbou o trovão ainda mais forte...
Não pensei, não racionalizei, não fiz nenhuma objeção. Olhei as pedras, montanhas, caderno... e riacho. Riacho!!!
Joguei o caderno ali.
Caderno só não. Eu todo, grudado que estava nas lembranças.
O torvelinho do riacho e a doçura das águas cuidaram de dissolver cada pedacinho dos agregados de meu corpo e transformá-los em suco da terra.
Só as botas presas pelos grossos cardaços, sobraram.
Eu ficara nu.
O riacho ainda era uma vestimenta, como foram os líquidos de um longíquo útero.
Estou de novo num parto.
A incomodante liberdade presa de segurança agora alça vôo.
Nem as botas agora por opção queria mais. Eram um cordão umbilical atadado ao seguro que a matéria oferecia.
Queria o que sempre quis e não me aventurara: A pureza, esse intrigante sabor que nos assombra e nos move para seu ninho de simplicidade.
A assombrosa pequenez, a falta da ética civilizada, a compostura, o pudor frio da castidade e o furor da libido, somados num único gesto: o de ficar nu, como nua era a natureza que me rodeava.
Não o nu da estética. Confesso mais da alma do que do corpo.
Minha mochila agora sou eu, meu caderno sou eu, botas e roupas são as resistências que meu corpo produziriam.
E por aquelas trilhas dali em diante, nada mais queria ver senão a natureza me reconhecendo e eu integrado ao seu sedutor convite de liberdade.
Amaciei minha caminhada ao som de um bando de pássaros, uma revoada, doces e belos vagabundos pardais, que a ninguém interessa aprisioná-los.
Acordaram-me.
Era céu de inverno.
Enxuguei o sereno frio sobre a manta e me aqueci ao sol, não sem antes verificar, depois do longo silêncio, se meu caderno, mochilas e roupas ainda aguardavam para acompanhar-me pela trilha que se perdia de vista...

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