QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo XXV
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Acordei com os pingos de chuva a esmurrar-me a janela. E isso me aborreceu embora não houvesse motivos para tal. Qualquer mudança climática no entanto, por menor que fosse, era o suficiente para alterar-me o humor. E quando Meire, com aquele jeito de empregada prestativa, preocupada com o estado físico e mental do patrão, perguntou-me o motivo daquela cara emburrada, respondi-lhe apenas que acordara assim; até porque nem eu sabia o motivo daquele estado de espírito. Meia hora depois porém o mau humor deu lugar a outro sentimento. Um aperto no coração, uma angústia como se algo de muito ruim fosse acontecer. Jazia sentado no sofá da sala olhando para a vidraça que dá para a sacada. Estava ali há pelo menos meia hora, contemplando os pingos de chuva escorrendo, ora em linha reta, ora fazendo ziguezague. O dia permanecia cinzento, com aquele ar de tristeza, como se as gotas de chuva fossem lágrimas de olhos invisíveis, chorando por uma vida que se findou sem que os sonhos se concretizassem. Aliás, se eu estivesse morto, se os pingos de chuva fossem lágrimas de almas, muito provavelmente alguns daqueles pingos de chuva seriam meus, porque eu também teria motivos para estar chorando uma vida que não tive, um destino menos infortuno que o meu.
Meus pensamentos pareciam confusos. Pensava em muitas coisas e nada ao mesmo tempo. Quando um cheiro de comida mineira penetrou-me nas narinas, meus pensamentos remeteram a um tempo quase perdido, quase esquecido, quando eu ainda era um garoto, quando minha mãe preparava aquele almoço delicioso e a gente sentava todos à mesa. “Ah, como a vida parecia tão feliz! Eu daria tudo para voltar àquela época, para viver todos aqueles momentos novamente”. Nisso lembrei da tia Luzia, que aparecia de quando em quando para nos visitar e preparar doces maravilhosos. “Ela preparava cada doce. Ah, a gente ficava tão feliz quando ela aparecia. Sabíamos que até o final do dia teríamos surpresas: uma nova receita. Ah, mas eu preferia mil vezes o arroz doce. Era o melhor de todos. Nem minha mãe fazia igual. Coitada! Um dia começou a passar mal e morreu pouco depois. Ficamos tão tristes com a sua morte. Por que a vida é assim? Minha mãe, meu pai, todos mortos. Lutaram tanto para conseguir alguma coisa, e, quando finalmente a alcançaram, o destino lhes tirou o bem mais precioso: a vida. De que adianta lutar tanto? Para morrer assim? Será que se tivessem outra oportunidade, teriam feito diferente? Será que gostariam? É. Não sei. Quem sabe? A vida é a única experiência que não há como tentar pela segunda vez. Pelo menos nunca vamos saber se da outra forma teria sido melhor. É que nem meu caso. Por que não fiz diferente? Por que fui deixando que as coisas chegassem a esse ponto? A questão é: será que adiantaria alguma coisa? Será que eu não estaria me lamentando exatamente como estou fazendo agora? Ah, vida! Maldita vida! Por que não acabo com isso logo de uma vez?... Covardia? Medo? Os dois talvez. Todo covarde é um medroso assim como todo medroso é um covarde. Não faz diferença”.
Fiquei tão angustiado. As lágrimas silenciosas se formaram ao redor dos olhos e uma a uma foram escorrendo rosto abaixo, até o queixo, onde não encontrando mais em que deslizarem, se atiraram ao abismo, um abismo igual ao qual me encontrava há tempos. E ao pensar nesse abismo, foi inevitável a pergunta: “Por que não me atiro verdadeiramente em um?”. Era óbvio todavia que jamais me atiraria. Os fracos não se matam, aguardam que a morte venham lhes buscar, arrancar-lhes a vida. “Idiota! Velho idiota! Você sempre foi um idiota, isso sim! Só soube lamentar e culpar os outros pelo próprio fracasso. Tudo sempre dependeu só de você. E o que fiz? Nada! Simplesmente nada! Se não soube fazer a coisa certa, a culpa não é dos outros. Sempre fui um inútil, um incompetente. Sei disso! Ninguém precisa me dizer não. Eu não deveria era ter nascido. Bem faziam os gregos: É um deficiente, um incapaz? Atire-o aos abutres; assim não contamina os demais. A fraqueza é contagiosa. Os fracassados gostam de fazer os outros sentirem pena deles, de trazê-los para o seu lado com suas lamúrias. E não é isto que estou fazendo? Será? Não, essa não é minha intenção. Só quero contar minha história, tirar todo esse peso de dentro de mim para então poder morrer em paz. Ah, como tenho medo da morte, do obscurantismo... De novo esses pensamentos? Vida, morte; morte, vida. Tudo não passa de dois lados da mesma moeda, uma moeda chamada nada. Isso! Tudo é nada, nada vezes nada. A vida também é um nada. Sabe por quê? Porque a morte acaba com tudo. É a morte que faz com que a vida seja simplesmente nada”.
-- Patrão, o senhor está bem? Está acontecendo alguma coisa? O senhor está chorando – indagou Meire, surgindo na sala repentinamente, vestindo uma blusinha curta, deixando parte dos seios a mostra, como se sentisse prazer em exibi-los tão volumosos.
-- Não, nada! -- respondi, enxugando os olhos com as costas das mãos. -- É que lembrei dos meus pais, de como éramos felizes em Juiz de Fora.
-- O senhor sente muita saudade do seu passado, né? -- quis saber.
-- Sim, sinto. Gostaria tanto que ele voltasse – confessei. E ao proferir essas palavras, a imagem de Diana veio-me à memória. A imagem daquele encontro que me marcou profundamente, quando eu mais precisava de alguma coisa para me dar esperança na vida e esquecer de uma vez por todas o fim triste de Fabiana. -- Há momentos que preferia esquecer para sempre, mas não consigo; mas há outros também que gostaria não só de não esquecê-los com vivê-los pelo menos mais uma vez.
-- Ah, mas isso é assim mesmo. Acontece com todo mundo – exclamou ela, fazendo-me enxergar que eu não era o único a ter desejos assim.
E suas palavras tiveram efeito sobre mim. A tristeza, o desejo de morte deram lugar a um conformismo, a uma sensação de que o mundo era assim e nada havia a ser feito para mudar o nosso destino. Então, liguei a Tv e procurei alguma coisa para assistir, para fazer o tempo passar sem correr o risco de cair naquele estado melancólico.
-- Tome um cafezinho quente – disse Meire curvando-se diante de mim, quase me atirando os seios fartos, que pareciam querer pular da blusa e se atirarem em minha direção.
Com os olhos fixos neles, ergui as mãos em direção à bandeja onde jazia uma xícara de café quente. Nesse ínterim porém foi-me impossível evitar tais pensamentos: “Que peitões! Que vontade de agarrá-los, de sentir a maciez, de tê-los em meus lábios... Ah, quanto tempo não chupo uns peitões assim, tão fartos... Aquelas putas de seios caídos, que tantos homens agarram e chupam não são a mesma coisa. Esses parecem mais quentes, mais sedentos de prazer... Será que ela está fazendo isso de propósito, tentando me seduzir com os peitos? Ela está me olhando. Sabe que estou olhando para eles. É melhor parar. Ela não é disso. É uma mulher casada. Eu é quem estou imaginando coisa...”. Apanhei o xícara de café e a levei à boca desviando o olhar, fazendo o possível para olhar para a xícara, embora meus olhos teimassem em ir em outra direção.
-- Obrigado. Você é uma boa moça – falei, devolvendo-lhe a xícara vazia momentos depois.
Meire deixou escapar um sorrisinho, que não fui capaz de identificar se este era devido ao elogio ou conseqüência de meus olhares pouco respeitadores. No entanto, quando ela virou e foi se afastando, meus olhos atentaram-lhe às coxas, ao seu caminhar sensual; e isso acabou dissipando o pouco que ainda restava das impressões acerca daquela manhã triste e chuvosa. Meus pensamentos, feito um artista que apaga os riscos num desenho ao mudar de idéia, fizeram sumir o pano a cobrir-lhe as nádegas; então, eu a vi andando até a cozinha com as nádegas despidas, com as coxas viçosas, nas quais meu corpo se enroscaria assim que ela retornasse. Meire porém não retornou. Afinal por que retornaria? Talvez estivesse na cozinha cuidando de seus afazeres, enquanto deleitava-se com meus olhares, não porque eu fosse um homem sensual, e sim porque toda mulher sente prazer ao ser desejada; talvez ela sentisse uma pontada de desejo de puxar a blusa e oferecer-me os seios, de sentir meus lábios percorrendo-os feito formiga no pote de açúcar; talvez ela nem tenha pensado em nada disso e eu é quem tenha imaginado coisas, afetado pela imagem de seus seios.
Não importa. O importante é que me senti mais disposto, com vontade de sentar ao computador e continuar minha narrativa. Sabia perfeitamente onde havia parado no dia anterior, quando não tive forças para continuar. Por que não falar da noite seguinte? Foi uma das noites mais inesquecíveis da minha vida; foi quando senti a felicidade da forma mais expressiva.
-- Você é pontual heim – comentou Diana, após descer.
De fato eu chegara exatamente as nove horas como combinado na noite anterior. E nem havia porque me atrasar, uma vez que me foi desesperador aguardar até as nove horas da noite. Há muto que o dia não me parecia tão insuportável quanto naquela quarta-feira, em que tentei, em vão, fazer de tudo para as horas passarem mais rápido.
-- É que não agüentava mais de saudades – declarei.
-- Mentiroso.
Diana parecia mais linda que na noite anterior. Vestia uma blusa simples, uma minissaia jeans e sandálias de salto alto. Talvez tenha sido o salto da sandália quem tenha contribuído para minha percepção, para me fazer olhar para suas pernas e achá-las tão atraentes que meus olhos cegaram, o sangue correr em ebulição para a parte debaixo do umbigo. E foi preciso desviar-lhe os olhos das coxas e dizer-lhe algo para que minha excitação não me levasse a cometer atos pelos quais poderia me arrepender mais tarde.
-- Não, não estou mentido. É sério!
Ela não acreditou muito, embora minhas confissões tenham-lhe deixado transparecer nos olhos, nos lábios e nos seus gestos um ar de deleite. Aliás, amigo leitor, que mulher não se afetaria com uma declaração como essa? As mulheres, na mais das vezes, se iludem facilmente com palavras doces, apaixonadas e muitas vezes nem percebem que são ditas sem emoção, apenas para encabulá-las e iludi-las. Mas não vá pensar que este era o meu caso. Não, não; longe disso. Naquele momento eu estava sendo o mais sincero possível.
Ficar ali não era o melhor a fazer. Ainda era cedo, por isso perguntei:
-- O que vamos fazer?
-- Não sei. -- Diana me olhou, como se assim pudesse encontrar uma indicação. -- O que você quer fazer?
-- Sei lá! Não faço a menor idéia – respondi.
-- Que tal darmos uma volta? Há uma pracinha aqui perto e a gente poderia ficar sentados lá conversando – sugeriu Diana, com disposição, talvez afetada por ter feito tal sugestão.
A referida praça não existia na época em que morava em Santa Paula. No lugar havia tão somente um denso matagal, cortado por um rio. Há dois anos que as obras se iniciaram. O rio havia sido canalizado e sobre ele construído uma larga avenida, interligando o centro da cidade ao aeroporto, à cidade universitária e aos bairros da zona ***.
-- Como isso aqui ficou bonito – deixei escapar assim que chegamos.
-- E ainda vai ficar mais, quando isso aqui estiver tudo pronto. Mas aos domingos essa praça fica cheia de gente.
Na meia hora seguinte, entre beijos, troca de carícias, juras de amor, falamos das transformações pelas quais Juiz de Fora estava passando. No meu ver, Juiz de Fora estava se tornando uma cidade moderna, prática e se preparando para enfrentar os desafios do próximo milênio, embora faltassem duas décadas para o ano 2000.
A temperatura caiu rapidamente e pude perceber que Diana sentia frio. Sua tez estava arrepiada, ela se encolhia quando uma brisa nos atingia e procurava se aconchegar em meus braços como forma de fugir do frio. Isso no entanto me causava intenso prazer, e eu me sentia ainda mais apaixonado nesses momentos. Mas não era justo que ela ficasse sentindo frio; até porque de quando em quando um calafrio percorria-me os braços desnudos e me fazia suspirar. Uma névoa, embora não muito densa, formava-se.
-- Vamos comer alguma coisa? -- sugeri, usando isso como desculpa para sairmos dali.
-- Vamos.
-- Mas onde? Não conheço nada aqui – expliquei, tomando-a nos braços e apertando-a fortemente contra meu peito.
-- Há um treiller aqui perto que serve um sanduíche maravilhoso. Que tal a gente ir lá?
E foi o que fizemos.
Nunca senti tanto prazer em sentar numa banquetinha de plástico, desconfortável, ao redor de uma minúscula mesa, sobre a qual mal cabia os pratos com os sanduíches e os nossos copos de cerveja. Talvez se não fosse a companhia dela, jamais teria parado num lugar como aquele para lanchar. Mas com Diana eu me sentia o homem mais feliz do planeta. Tudo aquilo pelo qual eu havia passado meses atrás desaparecera como num passe de mágica. Dir-se-ia que nada daquilo tinha realmente acontecido.
Mas as horas passavam rápido e quanto mais entrávamos noite adentro, mais frio ficava. Então Diana pediu-me para pedir a conta. E foi o que fiz.
-- Parece um sonho – declarou Diana, ao retornarmos à entrada do prédio onde trabalhava. Estava diante de mim, com os braços sobre meus ombros, com os olhos pregados nos meus.
-- O quê parece um sonho? -- perguntei. Meus braços envolviam seus quadris, por baixo da blusa. Sentia uma excitação enorme por tocar sua pele.
-- A gente estar aqui. Sonhei tanto com isso. Você não imagina o quanto sofri, o quanto a saudade me consumiu nesses anos. Já te contei que não consigo me apaixonar por outro homem, não contei?
-- Já.
-- Juro que já tentei te esquecer em todos esses anos. Mas quando estou quase conseguindo, você aparece e a gente acaba se envolvendo e tudo começa novamente. Sabe. Eu te odeio, as vezes, não por você me deixar, mas por você me procurar de novo. Eu sei que vai ser sempre assim: você vem, faz um monte de promessas, depois vai embora e se esquece de mim. Hoje eu sei que a gente não foi feito um para o outro. Não sei explicar o motivo. Talvez Deus tenha aproximado a gente por algum motivo, e eu agradeço a ele por isso, por ter amado alguém com tanta intensidade como te amei, mas e o preço por isso? Quando estou contigo, sou a mulher mais feliz do mundo; mas quando você parte, a dor parece me dilacerar. Ah, meu amor – Diana aproximou seus lábios dos meus como se fosse me beijar e seus braços, após recuarem, trouxeram-lhe as mãos ao meu rosto e estas passaram a me acariciar com estrema delicadeza --, como eu queria ir contigo, viver perto de você.
Suas palavras arrancaram-me lágrimas dos olhos. Eu fazia o impossível para não chorar, para não mostrar-lhe fraqueza; todavia, o máximo que consegui foi conter o soluço. Aliás, talvez tenha sido esse esforço além das minhas forças ou o soluço contido quem impediram-me de dizer alguma coisa. Eu tentava, mas o som não saia. A bem da verdade, tal qual um redemoinho que arrasta tudo que encontra pela frente, suas palavras devastaram-me as idéias, deixando-me os pensamentos em escombros e incapazes de encontrar as palavras para confortá-la, para dizer-lhe que dessa vez seria diferente. Assim, deixei-a continuar.
-- Sei que isso é uma loucura. Um montão de gente, que só quer o meu bem, já me disse isso. Sabe o Carlos, aquele que trabalhava por seus pais? Toda vez que ele vinha em Santa Paula, trazia informações de você. Quando ele chegava, eu ia até a casa dele perguntar de você. Nos finais de tarde ele ia até a mercearia do meu pai e a gente ficava horas e horas conversando. Eu perguntava tudo de você. E ele me contava. Nossa! Ele me falava tantas coisas de você. E depois quando me dizia que ia voltar para Santos, eu implorava para ele me levar. Mas ele dizia que não podia, que não podia chegar comigo lá, pois você tinha uma namorada e isso ia dar uma confusão danada. É claro que eu não queria saber disso; só queria ir atrás de você e ficar contigo. As vezes ele ia embora sem se despedir, com medo de que eu realmente juntasse minhas coisas e fosse atrás dele. -- Diana relembrava esses momentos achando graça, talvez ciente do tamanho da loucura que era tudo aquilo. Eu via nos seus lábios o sorriso, como se ela contasse uma anedota, como se contasse as desaventuras de outra pessoa. -- Mas todas as vezes que ele voltava para Santos, eu pedia para mandar lembranças minhas.
-- E realmente me falava. Dizia que havia te encontrado e me contava o quanto você falava de mim. As vezes eu nem perguntava e ele começava a falar que tinha te encontrado, que você tinha perguntado por mim. Acho que ele fazia isso só para ver se eu estava interessado. -- Nisso, foi inevitável a lembrança de Carlos, da gente sentado à mesa almoçando enquanto ele me falava dela. “Por onde andará ele agora? Sinto saudades dele”, pensei.
Nisso, uma brisa nos atingiu e fez com que nossos corpos se unisse. Foi o mote para um beijo, um beijo que nos fez esquecer de que o ser humano se comunica por palavras. Apenas os gestos, a troca de carícia e os olhares amiúde era nossa linguagem, nossa forma de fazermos nos entender.
Para que as palavras? As palavras não têm sentimentos. São apenas signos para designar coisas. Mas os gestos. Estes sim. Estes dizem mais do que todas as palavras que o homem possa inventar. Os gestos permitem sentir as sensações e transmitir as emoções de uma pessoa para outra; as palavras por sua vez apenas passam a idéia. Elas exigem uma experiência semelhante para que se possa ter noção do que a pessoa está sentindo.
-- Ta frio aqui fora. Vem cá, entra – chamou, puxando-me pela mão. Diana levou a chave à porta e a abriu. Entramos. -- Aqui está mais quente; e a essas horas – consultou o relógio – não vai entrar ou sair mais ninguém; assim, podemos ficar bem à vontade.
Havia uma mureta, coberta por uma pedra de mármore, separando a escadaria do vão onde jazia um grande vaso de plantas. Sobre a qual Diana colocou a bolsa e as chaves. Em seguida, encostou-se na parede ao lado da mureta e estendeu os braços. Meus braços também a enlaçaram pelos quadris, por baixo da blusa como fizera antes, e nos entregamos aos beijos, às carícias que todos os amantes trocam nos momentos mais intensos de paixão.
Ah, querido leitor! Desejei-a tanto naquela noite. Enquanto a beijava, ora prensava-a contra a parede como se o roçar dos meus quadris nos seus me fosse aliviar o excitamento; ora, não podendo conter o ímpeto, uma espécie de curiosidade, fazia com que minhas mãos deslizassem-lhe levemente pelo dorso até encontrar a peça íntima a cobrir-lhe os seios. Era o que me retinha e me impedia de acariciar-lhe de forma mais íntima, o que talvez pudesse nos levar a perder a cabeça e a se entregar por completo um ao outro. Apesar disso, explorei seu corpo como nunca havia explorado até então. E era isso que me confortava naquela noite, pois, ciente de que teríamos ainda outras noites, pensava comigo mesmo: “É melhor não ir com pressa. Amanhã ou depois, quem sabe a gente acaba fazendo amor. Vamos ter muitas oportunidades. Depois do que me disse hoje, não quero que ela pense que só quero me aproveitar, fazer dela uma garota de programa. Isso não é verdade. E amo ela de verdade”.
Se pudesse, ficaria ali não só aquela noite, mas continuaria ali após amanhecer. Contudo, precisava voltar para a casa de minha avó e Diana também precisa subir e dormir um pouco. Então, quando consultei o relógio e vi que passava das quatro da manhã, disse-lhe:
-- Preciso ir... Você tem que descansar um pouco.
Diana concordou comigo. Disse no entanto que gostaria de se encontrar comigo à noite, que a gente poderia ir para outro barzinho no centro da cidade. Confessei que também adoraria me encontrar com ela, que se fosse possível adoraria vê-la todos os dias até minha partida. Ela contou-me que faria o possível, que talvez só não poderia se encontrar comigo no sábado, pois precisava ir à Santa Paula visitar seus pais, coisa que fazia todas as semanas.
-- Qualquer coisa, eu também vou para lá e a gente se encontra lá – sugeri.
-- Seria ótimo – concordou. -- O único problema é minha mãe. Ela não pode nem ouvir falar em você. Diz que você não presta, que só sabe me fazer sofrer, que eu sou uma boba por ter me iludido contigo todos esses anos. Há pouco tempo mesmo, ela me repreendeu, quando eu disse que tinha terminado com Danilo, porque eu não conseguia amar ele como te amei.
-- E o que ela disse?
-- “Você é muito idiota, ficar sonhando com esse rapaz. Ele nunca vai ser seu. Tire esse cara de vez da tua vida”. Mas você acha que eu consigo? Você sempre volta para me dar esperanças.
Fiquei sem saber o que dizer-lhe. A verdade? Ou mentir mais uma vez? Todavia, após um breve silêncio, quando mantive a cabeça baixa, como se estivesse envergonhado em encará-la, proferi:
-- A gente ainda vai ficar juntos.
Minha vergonha talvez não fosse por tê-la causado tanta dor nesses anos todos, mais principalmente por continuar engando-a, por prolongar-lhe os sofrimentos em detrimento do meu prazer. Isso não era o mais puro egoísmo? A mais pura falta de consideração para com o outro? Eu estava fazendo com Diana o mesmo que fizera com Fabiana: pensando tão somente em mim, em saciar meus desejos, sem dar a mínima para o sentimento alheio.
É aí que está o problema dos fracos. Os fracos não são só aqueles incapazes de assumir uma posição de comando, de tomar decisões que beneficiam um grande número de pessoas em detrimento de um número menor; e nem aqueles que preferem viver à sombra dos outros, como se assumir responsabilidades fossem-lhes algo penoso e pesado demais; os fracos também não são aqueles que quase não contribuem para o progresso da humanidade; mas são principalmente aqueles que por falta de inércia fazem mais mal aos outros que bem. E como o leitor há de saber, eu fazia parte desse grupo de pessoas. E por ser assim, um pobre diabo, eu não era forte o bastante para dizer não aos meus desejos e dessa forma evitar que eles causassem mais mal à Diana do que já causara até então. Eu poderia amá-la – embora nunca se sabe se um fraco é capaz de amar tão profundamente quanto um não-fraco --, desejar-lhe o de melhor, mas não era capaz de mover uma palha para não lhe causar sofrimento.
E foi com a promessa de encontrá-la todos os dias enquanto estivesse em Juiz de Fora, de num futuro não tão distante assumir definitivamente o nosso relacionamento, que retornei à casa de minha avó naquele começo de dia, com os primeiros raios de sol.
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