UM SAPO DIFERENTE
(Por Germano Correia da Silva)
Era uma vez um sapo-cururu que tinha o hábito de nadar pouco, pular esporadicamente e coaxar de vez em quando; tudo isso ele sempre o fazia de uma maneira bem discreta, moderadamente, tentando, desta forma, não perturbar a paz dos demais sapos ali existentes.
A sua habitual discrição enquanto participava das festas e saraus promovidos pelos amigos e camaradas do seu convívio social aliada à sua abstinência a todo tipo de bebidas fizeram com que ele ficasse conhecido nas cercanias dos riachos, lagoas e charcos de sua região como um sapo antissocial. Por vezes, ele também foi chamado de sapo-concho devido aos seus reflexos lentos no modo de andar, de pular e de coaxar.
Os demais sapos da região acostumados com a rotina social usavam e abusavam da ingestão de bebidas, sendo que raramente o faziam com a comida. Frequentemente viviam de fuxicos e mexericos envolvendo a vida dos sapos-cururus, geralmente fazendo alusões jocosas acerca das suas diferentes maneiras de viver. Eles entendiam que todo sapo que se preza tinha de gostar de beber socialmente, tagarelar o suficiente para chamar a atenção dos demais e coaxar o tempo todo, principalmente nos dias e noites chuvosos.
Não se sabe ao certo quantas vezes outros sapos, sobretudo os mais assíduos freqüentadores da Anfibiolândia, um clube social onde ainda hoje se diverte a maioria dos sapos catalogados pela entidade controladora da espécie, caçoaram dos sapos-cururus e tiveram de ser responsabilizados pelos seus excessos. Algumas vezes esses sapos foram apanhados de surpresa pelos excessos no beber e no comer. Raramente compareciam a outros eventos do clube, sobretudo nos dias de ensaios coletivos visando ao aperfeiçoamento dos seus coaxos.
O sapo-cururu era realmente um sapo diferente dos demais, uma vez que não fazia uso de nenhum tipo de bebida, nem mesmo socialmente. Raramente freqüentava o clube social de sua espécie e quando o fazia era apenas para degustar as iguarias ali existentes e se divertir com os amigos e amigas de sua turma. Nada de ingestão de bebida por conta da casa e nem de comida além da conta. Mas há um dito popular que nos ensina que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” e com o sapo-cururu não foi diferente.
Certa vez, induzido que o fora por uma de suas amigas mais íntimas, ele achou que poderia impressioná-la no tocante à sua capacidade de “estocar” alimentos no seu depósito estomacal e, assim, ele decidiu usar e abusar da comida e até um pouco da bebida. Talvez, pensando em se enturmar socialmente, ele comeu em demasia e bebeu uma média de cinco taças de vinho branco, com isso a barriga dele encheu demais e de tão cheia tinha todas as características de uma pança de sapo-boi.
Ele mal conseguia andar e de tão empanturrado que se encontrava, ou seja, devido ao excesso de alimento e de bebida ingeridos tentando se acomodar no seu diminuto espaço estomacal, ele torcia desesperadamente pela aparição de um galho de boldo e, decerto, a infusão de algumas de suas folhas iria ajudar sobremaneira na desopilação de seu fígado. Todavia, tratava-se de puro engano, de uma esperança vã. Ali, naquele lugar, uma área reservada para o encontro e para o aconchego dos amigos do prato e simpatizantes do copo, o ideal seria que houvesse, realmente, algum tipo de plantas com essas propriedades.
Infelizmente, aquele não era um dia de sorte para o sapo-cururu. Ele teve de amargar o dissabor daquele fim de noite malfadado, causado por aquela inesperada indigestão e pelo vexame social que tivera de passar perante os olhares curiosos dos seus amigos e conhecidos.
Alguns desses seus amigos nem quiseram testemunhar aquela cena degradante, principalmente aqueles que “tinham o rei na barriga”. Para essa camada social, com certeza, os jornais locais o fariam, em forma de manchetes, no dia seguinte.
Fim de festa e, finalmente, o sapo-cururu fora levado nos braços por outros sapos para sua lagoa. Ali ele iria repousar um pouco e, com certeza, tentaria curar a sua primeira ressaca entre amigos.
Os fuxicos e intrigas alusivos àquele evento social se intensificaram por muitas semanas e em razão daquele desvio de conduta ele teve de ficar “engolindo sapos” por muito tempo...
- Bem feito, quem mandou ele não saber comer e nem beber socialmente e com moderação - comentavam...
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