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Contos-->Quando o Verão Chegar -- 04/10/2008 - 17:45 (Juremy José da Rosa Cauduro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
INTRODUÇÃO


Peço licença ao leitor
Pra história que vou contar
Que ao saber desses fatos
Muito espanto vai causar
Quando da colonização
Sudoeste do Paraná.

Getúlio queria ocupar
Nossa fronteira terrestre
OS LIMITES
Brasil – Paraguai – Argentina
Não existiam no sudoeste
Por isso viabilizou
A chamada “Marcha Pr’oeste”.

Assentando brasileiros
Propósitos atingiam
Colonos desses países
Direto vinham e iam
Extraindo erva-mate
Limites não existiam.

Os mapas do Paraná
Não continham divisão
Onde hoje se conhece
Santo Antônio, Barracão,
Capanema, Pato Branco
Também Francisco Beltrão.

O Conselho de Segurança
Planeja a colonização
JUNTO AO
Ministério d’Agricultura
EM TERRENOS
Vindicados pela União
Para escolha do local
Designam uma comissão.

Pra implantação da colônia
Sugere localização
Mas não em Foz do Iguaçu
SIM NO
Distrito de “Separação”
Dez mil metros d’Argentina
Que divisa com Barracão.

É escolhido o local
Pelo Conselho Oficial
Cria-se uma Companhia
CANGO – Companhia Nacional
Para ocupação das terras
E defesa territorial.

Com a Colônia Agrícola
Na região de Barracão
Abrangendo a fronteira
Área da colonização
Em terras para demarcar
E então fazer a divisão.

A CANGO desempenhou
Vital papel na ocupação
Estruturando a economia
Fundamental participação
Da derrubada do mato
Até sua plantação.

A conversa era tanta
Foi intenso o falatório
Existirem terras livres
Gerou processo migratório
Contando com assentamento
Da Colônia General Osório.

Por Gaúcho e Catarina
As terras foram ocupadas
Na década de quarenta
Por eles colonizadas
Com produção familiar
Uma agricultura mercantilizada.

A colonização dali
Teve duas fases distintas
Uma antes de quarenta
Ocupação extensiva
A outra já nessa década
Pela ocupação intensiva.

A primeira ocupação
Foi feita pelos caboclos
Explorando erva-mate
Madeira e criação de porcos
Contentavam-se com isso
Ambição tinham bem pouco.

Foi logo lá no começo
Na fase preparatória
Com a instalação da Colônia
E da sede provisória
Na demarcação das glebas
Aqui começa a história.

Chegando os primeiros colonos
Há a transação dos lotes
Mediante transferência
Simples do “Direito de Posse”
Escritura inexistia
Tudo no fio do bigode.

Logo isso foi corrigido
Para evitar confusão
Ao se vender o direito
Em alguma transação
O cedente precisava
Assinar a declaração.

A CANGO foi implantada
A mando da presidência
Doando terras aos colonos
Dando toda assistência
Plantar e cuidar o chão
Essa única exigência.

A CANGO atendeu a essa
Política estrategista
Mas havia outra função
Pouco menos populista
Era fixar na lavoura
Os pracinhas reservistas.

A “Marcha para Oeste”
POLÍTICA
Federal e estadual
Tinha por objetivo
Deslocamento espacial
Produzir muito alimento
Aos centros urbanos nacional

Ano de quarenta e novembro
A CANGO começa agir
Assentando os que chegavam
Um aqui outro ali
Pelo seu administrador
Doutor Eduardo Suplicy.

Promoveu a ocupação
De maneira racional
Sem nenhum favoritismo
Seguindo orientação central
Homem de ilibado caráter
Dizia um amigo leal.

Homens que se deslocaram
Para aquela região
Iam trabalhar a terra
Plantar arroz e feijão
Criar lá sua família
Ter seu pedaço de chão.

Nesta região do país
Tudo se tinha a fazer
Construir pontes, estradas,
Escolas pra se aprender
Se doente ali ficasse
O jeito era padecer.

A CANGO tinha um serviço
Este de policiamento
Tendo guardas florestais
Dentro do assentamento
Não permitia queimadas
E nem o desmatamento.

Protegiam toda a mata
E a reserva de pinhal
Enquanto a CANGO atuou
Foi o diferencial
Protegeu-se das queimadas
Todo horto florestal.

Quem na colônia chegasse
Precisava trabalhar
De graça tudo se tinha
Até casa pra morar
De dez a vinte alqueires
De terra pra cultivar.

A notícia se espalhou
Aproveitando o ensejo
Com propaganda nas rádios
Nos programas sertanejos
Com grande penetração
Por todos os lugarejos.

O zum zum zum aumentou
De boca-em-boca passava
Quem vinha de outra região
Buscar a família voltava
Somando-se aos reservistas
Que dos quartéis baixa davam.

Nesta época na região
O comércio aumentava
A exploração do colono
Por aí já começava
Os mascates em seus jipes
Quem tinha dinheiro comprava.

Muito rádio se vendeu
Estes pr’os mais abastados
Tecido não se escolhia
Tudo era separado
Algodão, brim e chitão
O lote vinha fechado.

As moças pobres coitadas
Pra se vestir com esmero
Pra comprar fitas e rendas
Também sua água de cheiro
A cavalo ou de charrete
Viajavam o dia inteiro.

Homens fortes, feições rudes
Pele pelo sol queimada
Metidos em calças largas
Camisas quadriculadas,
Chapéus, botas cano alto,
Ideal para a jornada
Faceiros iam pra lida
Com suas mãos calejadas
Disso não se envergonhavam
Sua marca registrada.




UM SOLDADO LEAL



José Paulino da Rosa
Ex-pracinha agora era
Morando em Tramandaí
Uma praia muito bela
Mas seu sonho sempre foi
Ter seu pedaço de terra.

Como soldado à pátria
Havia outrora servido
Quando da segunda guerra
Ficou de sobreaviso
E se fosse convocado
A Itália teria ido.

Ninguém mais do que José
Pedaço de chão merecia
Embora casado foi
Servir exército um dia
Se seu país precisasse
A pátria defenderia.

Através de uma carta
Que um parente escrevera
Também ouvira falar
De se morar na fronteira
Cujo objetivo proteger
Essa costa brasileira.

José chamou a família
Com ela fez um conclave
Ajudaria o país
Teria uma vida estável
Na verdade ele iria
Unir útil ao agradável.

Esmerina mulher forte
Disso nós vamos falar
Logo qu’eles se casaram
Sozinha teve que ficar
José foi para o exército
Ela, dois filhos pra criar.

Passou por dificuldades
Até de peão trabalhou
Embora sendo mulher
Ninguém jamais lhe ajudou
Para os dois filhos pequenos
Nunca nada lhes faltou.

José deixou-lhe um revólver
Pois estava preocupado
Ensinou-lhe direitinho
Como seria usado
Ela aprendeu atirar
Melhor que qualquer soldado.

Quando voltou do exército
José trabalhava duro
Tirando leite e vendendo
Pensava em algo seguro
Onde os filhos trabalhassem
Assegurando o futuro.

Foi com essa expectativa
Que a carta a família leu
Para sua alegria
A esposa apoio lhe deu
E junto com os seis filhos
Ao Rio Grande disse adeus.

Saindo lá do Rio Grande
Com a mulher Esmerina
Trouxe três filhos gaúchos
E outros três catarinas
Mudou-se pra Santo Antônio
Pertinho da Argentina.

De Tramandaí saindo
Sua intenção na verdade
Criar os filhos no campo
Enquanto menor de idade
Afastá-los dos problemas
Que têm as grandes cidades.

José trouxe a família
Pras terras paranaenses
Distrito de Rio das Antas
Um pouquinho mais à frente
Foi no quilometro cinco
Que se tornou residente

Chegando em Rio da Antas
Com o lote separado
Este, não ganhou de presente
Pagou por ele ao cunhado
Que passou “Título de Posse”
Embora não registrado.

Mas isto não vinha ao caso
Aqui funcionava assim
Com a declaração de posse
Ninguém achava ruim
Se cultivasse a terra
Seu dono seria sim.

O colono trabalhava
O governo assistia
Uma troca muito justa
A ambos satisfazia
Um cuidava da fronteira
Outro a terra garantia.




A CASA


Foi no quilometro cinco
Que seo José foi morar
Numa casinha pequena
Com uma sala de jantar
Dois quartos, uma cozinha
Pequena pra cozinhar
Nem banheiro ali tinha
No rio iam se banhar.

Porém foi por pouco tempo
Que seo José morou nela
Construiu uma casa grande
Bem no alto lá da serra
Tinha até uma varanda
Mui diferente daquela.

A varanda rodeava
O corpo da casa inteiro
Quatro redes penduradas
Para hora do cesteio
Ouvindo o cantar dos pássaros
E o som do seresteiro.

Quem na casa estivesse
Via todo o sertão
Avistava até bem longe
Quem vinha no estradão
As terras do seo José
Ao alcance da visão.

Os vizinhos

Mesmo morando no mato
Não estavam ali sozinhos
Era só pegar a estrada
E andar pelo caminho
Um quilometro à frente
Já encontravam um vizinho.

O senhor Alfredo Dutra
Trabalhador boa gente
Com as terras do seo José
Divisava bem de frente
Conforme o tempo passou
Os dois viraram parentes.

Dum lado dona Luisa
Viúva com filhos criados
Um Paulino outro Horácio
Este muito acanhado
Sua casa lá em baixo
Só se enxergava o telhado.

Do outro um pouco mais longe
Morava um alemão
Com dois metros de altura
Na cintura um facão
Por todos era chamado
Véio Pomba “O Beberrão”.

Tinha ao todo sete filhos
Quando pegava a beber
Batia em todo mundo
Dava dó só de se ver
Surrou um dia a mulher
Que do colo lhe cai o bebê.

Esmerina era madrinha
Pelo neném batizar
Falou à sua comadre
Que a ela veio queixar
Pode ficar sossegada
O dia dele vai chegar.

Dona Rosa a parteira
Dominava essa arte
Por trazer criança ao mundo
Das famílias era parte
Também sendo conhecida
Como a mãe do Duarte.

Duarte um rapagão
Bonito, forte e viçoso
Mimado foi pela mãe
Cresceu bastante manhoso
Protegido pelo pai
Tornou-se um preguiçoso.

Suas terras divisavam
Aos fundos com as de José
Plantavam arroz e feijão
Mandioca também café
Para chegar até lá
Andava-se um pouco a pé.

De todos aqueles colonos
Quem ali chegou primeiro
Matozo o bonachão
Amigo e companheiro
Quando havia algum baile
Era ele o sanfoneiro.

Trabalhar gostava não
Tinha por lema o sossego
Quando o sol estava a pino
Deitava no seu pelego
Sonhava de papo pro ar
Da vida não tinha medo.

Na casa de seo José
Quando ele aparecia
Sempre era mui bem vindo
Motivo de alegria
Tocava sua sanfona
Alegrando as gurias
Mas o tempo ia passando
Virava uma agonia
Porque ir pra sua casa
Parece qu’ele esquecia.

Valdivino o mentiroso
Ninguém nele punha fé
Morava mais afastado
Vizinho do seu Mané
De longe só o que se via
A fumaça da chaminé.

Teresa filha mais velha
A do meio Disulina
Trabalhava de empregada
Na casa de Esmerina
A última bem pequenina
Era chamada de Dina.

Teresa estava noiva
A beira de se casar
Certo dia foi a um baile
No salão não quis entrar
Vendo seu noivo lá dentro
Com outra moça a dançar
Sua mãe lhe empurrou
“Aqui você não vai ficar”
Bem atrás das costas dele
As duas foram parar
Com o dedo indicador
A sogra a lhe cutucar
Ao voltar-se para ver
Não podia acreditar
Empurrou-lhe a filha em cima
“Toma aqui, este é o teu par”.

Disulina tinha pouca
Vontade de trabalhar
Esmerina contratou-a
A intenção lhe ajudar
Pra ficar perto da escola
Onde a noite ia estudar.

A irmãzinha mais nova
Por todos muito querida
Mas deixou a vizinhança
De luto e compadecida
Morreu não se sabe do que
Dizem que foi de lombriga.

Ali tinha muita gente
Não falei de todo mundo
Cada um com sua terra
Trabalhando e dando duro
Ninguém era fazendeiro
Não havia latifúndio.

Se embrenhando no matão
Caminhando um bom pouco
Pelas “picadas” na mata
Pra passar era um sufoco
Até chegar aos ranchinhos
Onde moravam os caboclos.




A ESCOLA



Com a moradia pronta
José precisava agora
Suprir uma necessidade
Sem falta e sem demora
Alfabetizar as crianças
Construindo uma escola.

Com a idéia na cabeça
Agiu com o coração
Convocação os vizinhos
Para um grande mutirão
Em quarenta e cinco dias
Enorme foi a emoção
Ao ver a escola de pé
Bem perto do estradão.

Pequeno aprendia de dia
O bê-á-bá da cartilha
À noite vinham os adultos
Ler e escrever não sabiam
Até acabar a aula
Seo José só de vigília
Pois as lindas professoras
Eram suas duas filhas.

Angelina a mais velha
Cabelo curto usava
Entre os cachos, a presilha
O rosto ela não pintava
Precisava disso não
Beleza não lhe faltava.

Dada a dificuldade
Que havia ali no princípio
As moças se dividiam
Entre os dois municípios
Com uma dupla jornada
Isso logo no início.

Por não haver professores
Em toda a região
Sendo as mais estudadas
Elas foram a salvação
Angelina lecionava
Em Santo Antônio e Barracão.

Zezinho segundo filho
O nome do pai levava
Com ele não parecia
Pois foi a mãe que puxara
Isso não vinha ao caso
De José não se desgrudava.

Grande contador de histórias
Aos ouvintes cativava
Umas eram verdadeiras
Outras tantas inventadas
Mas como fazia rir
Quem é que se importava.

Fértil imaginação
Ao contar suas estórias
Lutou com tigres e onças
Matou sucuris e jibóias
Por contar tanta lorota
Isso virou paranóia.

Sua fama começou
Quando ainda era guri
Por sua mãe foi mandado
Até um vizinho ir
Voltou da estrada correndo
Não posso passar ali.

A mãe indaga por que
Não pode passar ali
Havia um tigre gritando
“De lá tive de fugir –
Como é que o tigre gritava?
Ele fazia: ui, ui, ui”.

“Antes de subir a serra
Bem embaixo no sopé
Quando eu avistei o tigre
Meia volta e dei no pé
Além de o tigre gritar
Subia a árvore de ré”.

Essa estória foi contada
De boca em boca passava
Nunca ninguém esqueceu
Do tigre lá da estrada
De tanto contar estórias
Até ele acreditava.

Leondina terceira filha
Dizem nasceu descontada
Por ter um pezinho torto
Em nada atrapalhava
Mas mesmo assim pelos pais
Do serviço foi poupada.

Foi pensando no futuro
Dessa mocinha bonita
Pai e mãe raciocinaram
O melhor pra sua vida
Mandaram-na estudar
Num colégio em Planchita.

Passou-se bem pouco tempo
Depois qu’ela tinha ido
Quando olharam pro estradão
Reconheceram o vestido
Andou uns vinte quilômetros
Do colégio havia fugido.

A quarta filha era Vilma
Linda demais a figura
Cabelo castanho claro
Chegava até a cintura
Prestativa e muito amável
Um amor de criatura.

Jaime o número cinco
Robusto e rapagão
Pele clara olho preto
Cabelo de Salomão
Ao contrário de Zezinho
Reservado e caladão.

Quem sabe pelo seu jeito
É que a moçada gostava
Sem fazer muito esforço
Todas ele conquistava
Uma, duas, três e quatro
Um bando de namoradas.

Maria Luci sexta filha
Dos irmãos a mais pequena
Igualzinha a irmã Vilma
Até pareciam gêmeas
Só com uma diferença
Uma loira outra morena.

Luci um pouco teimosa
Mas o coração de ouro
Os irmãos, dela cuidavam
Como se fosse um tesouro
Não descuidando das outras
Estavam sempre de olho.




A BODEGA


Depois de pronta a escola
Todo o povo se alegra
Dia da inauguração
José disse aos colegas
Agora nós precisamos
De armazém e de bodega.

Os homens se reuniram
Antes que José pedisse
Fizeram um mutirão
Nada de diz-que-me-disse
Dentro de uma semana
Pronto estava o boliche.

Como último desafio
Fizeram uma aposta
Trabalharam em tempo Recorde
No que o roceiro mais gosta
E do lado construíram
Também a cancha de bocha.

Prepararam grande festa
Para a comemoração
Tinh churrasco à gaúcha
E roda de chimarrão
Com saudade do Rio Grande
Relembrando a tradição.

Não era somente a escola
Que faltava por ali
Precisava um armazém
E também um botequim
Para nos fins de semana
O povo se divertir.

O que mais se admirava
Nessa gente era a união
Um deles adoecendo
Não ficava ele na mão
Se no ponto de colher
Estivesse a plantação
Os vizinhos colheriam
Em um grande mutirão.

Se a terra em quiçaça
Pelo mato foi tomada
Roçavam e capinavam
Pra hora da semeada
A família juntamente
Por eles sendo amparada
Ajuda jamais faltava
Pra quem fosse camarada.

Na inteira região
José formou amizade
Todos nele confiavam
Por sua honestidade
Tanto no interior
Como também na cidade.

José bem na hora certa
Começou intermediar
O que era produzido
Pelos colonos de lá
Alguns deles nem sabiam
Como isto negociar.

Colonos ali traziam
Toda a sua produção
Porco, milho e mandioca
Erva-mate e feijão
Tudo isso transportado
Em cima de um caminhão.

De quando em quando os colonos
Marcavam de se encontrar
Na venda do seo José
Pra colheita ir levar
A cavalo ou de carroça
Antes de o sol raiar
O comerciante à espera
Pro caminhão carregar.

Na época as transações
Tudo na base da troca
Conforme chegam os produtos
Na caderneta se anota
Pra na hora do acerto
Esta a ninguém ela logra
Quem vender receberá
Cada um a sua quota.

Comerciante deixa a José
Sal, açúcar e tecido
Que repassa aos colonos
Conforme estabelecido
Tendo ainda iguarias
Também farinha de trigo.

Estes últimos trazidos
Pela dona Esmerina
Que atrelava a charrete
Junto ia uma menina
Atravessavam a fronteira
Chegavam à Argentina.

Lá Esmerina trocava
Feijão, ovos e galinhas
Por que cá, eles não tinham
Maçã, banana e farinha
Trazia também na mala
Algumas iguarias finas.




OS BAILES



Pra moçada divertir-se
Não tinha muita opção
Ano inteiro trabalhando
Sem nenhuma diversão
Se eles quisessem dançar
Só Santo Antônio ou Barracão.

Ao fazer a casa nova
Zé usou a imaginação
Fez uma sala enorme
Com a seguinte intenção
Tirando os móveis da sala
Estava pronto o salão.

Muito baile se dançou
Muito namoro surgiu
Outros tantos desencontros
Encontros também se viu
O que mais valeu à pena
Foi que o povo se divertiu.

Todo ano em um baile
Era o maior sufoco
Dia das bruxas criaram
Um costume muito louco
Munidos com balde e caneca
Jogavam água um no outro.

Este baile acontecia
Nas noites de lua cheia
Todos saiam pra fora
Pela meia-noite e meia
Cada um com seu caneco
Começava a brincadeira.

Pode mais quem chora menos
E o chorão pobre coitado
Leva tanta água no lombo
Parece um pinto molhado
No final da brincadeira
Todos ficavam molhados.

Aconteceu num dos bailes
Uma baita sacanagem
O Jaime saiu correndo
Lá pros lados da pastagem
Horácio saiu atrás
Com uma lata de lavagem
Jogou tudo em cima dele
Calamitosa imagem.

Se no fim aparecesse
Alguém por ali sequinho
Na certa se escondeu
Ficando no escurinho
Oportunidade essa
Pra namorar um pouquinho.

Certa noite Angelina
Arrumou dois pretendentes
Na dúvida pra escolher
Qual o mais interessante
Esperou pro outro dia
Decisão inteligente.

Pegou no sono bem tarde
Pensando no acontecido
Quando chegou de manhã
Havia se decidido
Escolheu o belo rapaz
Que morava no escondido.

Domingo após o almoço
Os dois haviam chegado
Foram pra cancha de bocha
Como estavam acostumados
Dela esperando a resposta
Qual seria o felizardo.

Angelina arrumou-se
Deu uma olhada no portão
Colocou duas cadeiras
Sob o pé de sinamão*
Fez sinal para o Quinca
Com a cuia de chimarrão.

O rapaz por ela escolhido
Moço por demais pacato
A família gostou dele
Logo de imediato
Perguntado por seu nome
“me chamo Joaquim de Mattos”.

Zezinho se encontrou
Com a loirinha da frente
Filha do Alfredo Dutra
O vizinho boa gente
Começaram a namorar
Fato que os deixou contentes.

*Sinamomo (no sul –sinamão)

Também a irmã Leondina
Um namorado arrumou
Era moço da cidade
Por ela se apaixonou
Filho de comerciante
Que o pai dela aprovou.

Vilma a número quatro
Moça bonita e faceira
Nos bailes do interior
Na dança sempre a primeira
Nos rapazes dava um nó
Porque era namoradeira.

No baile Jaime e Luci
Faziam o maior tendeu
Quem não seguisse o ritmo
Rodando ficava ao léu
Primeiro a dança de roda
Depois vinha a do chapéu

Bailes ali eram bons
Brincadeiras divertidas
Os rapazes respeitosos
Moças bastante amiga
Famílias estruturadas
Comunidade unida
A gente desse lugar
Sabia levar a vida.




A VISITA DO PRIMO ROSALINO



Uma ocasião alegre
Na casa de seu Raulino
Ao receber a notícia
Da vinda de Rosalino
Que morava em Capanema
E vinha visitar o primo.

Com cinqüenta e quatro anos
Um homem de meia idade
Mora na costa Iguaçu
Distante lá da cidade
Veio rever o seu primo
Para matar a saudade.

Trouxe consigo a prima
E mais um amigo junto
Por possuir bom caráter
Homem íntegro e justo
Para apresentar ao primo
Grande companheiro Augusto.

Esmerina fez bolacha
E uma formada de cuca
Mataram até leitão
No pomar colheram frutas
Esperavam as visitas
Ansiosos como nunca.

Chegando os visitantes
Motivo de alegria
Eles foram recebidos
Por toda aquela família
A estada por ali
Seria só de dois dias.

Horas a fio conversaram
Nem viram o tempo correndo
A madrugada ia alta
O sol já vinha nascendo
Rosalino disse ao primo
O que estava acontecendo.

“Você deve estar sabendo
O que falam por aí
Existe uma imobiliária
Que se instalou por aqui
Querem tomar nossas terras
Nós temos que nos unir.

Convoque os seus vizinhos
Pra fazer uma reunião
Vamos informar a eles
O que ocorre na região
Precisamos de imediato
Achar uma solução”.

No outro dia bem cedo
Os colonos foram avisando
Quem estivesse na roça
Mesmo que fosse plantando
Precisavam vir saber
O que estava se passando.

A escola ficou repleta
Com gente de todo lado
Queriam saber o motivo
Daquele urgente chamado
Curiosos para ouvir
O que seria falado.

Rosalino apresentado
A toda aquela gente
Percebeu que como ele
Quem estava ali presente
Pessoas trabalhadoras
Honrada, humilde e decente.

“Meu amigo e eu viemos
Um alerta aqui vos dar
Precisamos nos unir
E muito atentos ficar
Porque tem gente querendo
As nossas terras tomar.

Uma tal de companhia
Do norte do Paraná
Veio se instalar aqui
Diz que é dona do lugar
Quem não dançar sua música
Expulso daqui será”.

Colono nada sabia
Do que estava acontecendo
Rosalino foi falando
A eles esclarecendo
Resistir precisariam
Para não sair perdendo.

“Haverá uma assembléia
Lá em Francisco Beltrão
Escolham alguns colonos
Formem uma comissão
Para lá representarem
Esta vossa região”.

Tendo dado o recado
Rosalino se despede
Volta para Capanema
Pensando no que sucede
A união era vital
Pra ver se as terras não perdem.

Seo José com os vizinhos
Cheios de preocupação
Não poderiam perder
Seu pedacinho de chão
Ele mais uns três colonos
Rumaram para Beltrão.




QUEM ERA A CITLA E O QUE QUERIA



Disputa entre governo
Estadual e federal
Estado querendo ser dono
Do que era nacional
Por fim foi parar na mão
Da Clevelândia Industrial.

Clevelândia LTDA
Companhia imobiliária
Chegou como se ela fosse
Verdadeira proprietária
Num acordo vergonhoso
Irregular e com falhas.

Num cartório mui suspeito
Lavraram escritura pública
Dizendo que a imobiliária
Era sua dona única
Foi chamada a maior
Bandalheira da República.

Mil novecentos e cinqüenta e um
A CITLA aqui se instalou
Quando Moysés Lupion
Na época governador
A toda essa bandalheira
Vossa Excelência apoiou.

Apoiar a ladroagem
Tinha ele toda razão
Como é que perderia
Esse grande filé mion
A CITLA fazia parte
Do grupo de Lupion.

Dizem ter comprado terras
Incorporada a União
Que agora seriam donos
Das glebas Chopim e Missões
Que englobavam Capanema
Santo Antônio e Beltrão.

Vender terras na fronteira
Proibia a Constituição
Do Conselho de Segurança
Precisariam autorização
Também do Senado Federal
Só então haveria concessão.

Questões legais e morais
Envolviam a transação
Tanto que o governo foi
Pressionado pela oposição
Visto a imoralidade
Do acordo feito então.

Atendendo a legalidade
Que o governo tinha na mão
Providências são tomadas
Por parte da União
Que pede o cancelamento
Da escritura de dação.

A CITLA tinha intenção
Ao na região se instalar
Uma indústria de celulose
Queria aqui implantar
Assentamento de colonos
Ficava em segundo lugar.

Fica apenas no papel
O projeto da indústria
Porque a venda de terras
É o que a CITLA mais busca
Em cima das transações
A imobiliária lucra.

A CITLA satisfazia
Seu desejo egoísta
Que era a venda de terras
Objetivo imediatista
Visando basicamente
O lucro capitalista.

CANGO e CITLA diferiam
No modo de ali se instalar
Aquela tinha o propósito
Das terras aos colonos doar
Esta cá por sua vez
Queria fazê-los comprar
Terra essa que o direito
Começaram questionar.

A CANGO fez o que pode
Pra evitar a implantação
De um projeto que a CITLA
Faria especulação
Tanto imobiliária
Como a exploração
Da erva-mate e madeira
Ali daquela região.

O grande problema da CITLA
Foi ter ali encontrado
Tanto a terra ocupada
Como o título contestado
Isso foi fundamental
Pr’ela não ter se tornado
Dona de toda a área
Já que o aparelho do estado
Estava todo do seu lado.

Como nós já vimos antes
CITLA a Lupion se aliava
Em vista de serem sócios
A família participava
Pra quem o governador
Duplicatas avalizava.

Vendo em que pé está
Toda aquela situação
Colono se mobiliza
Vão pra Francisco Beltrão
Precisam saber da CANGO
Qual é sua posição.

Já lá na Colônia Agrícola
Na cidade de Beltrão
Bento Munhoz, Lacerda Wernek
Suplicy e outros cidadãos
Crecêncio e Silvano Alves
Fazem uma reunião.

O objetivo principal
Da importante reunião
Colocar o legislativo
A par da situação
Problemas que a Colônia enfrenta
E cobrar uma solução.

Elementos muito estranhos
Pessoas gananciosas
Infiltraram-se na região
Lar de gente operosa
Transformando num refúgio
De aventureiros perigosos.

Presente a insegurança
Também insatisfação
Os colonos do Exército
Fazem reivindicação
Para que ele intervenha
Ali naquela região.

Assembléia é informada
Dos crimes na região
Contra a propriedade
E a vida do cidadão
Cometido por elementos
Protegidos pela situação.

“VIVEMOS EM UM CLIMA DE INSEGURANÇAS
E DESCONFIANÇA ABSOLUTA’.

Disse isso Sylvio Vidal
Presente a tal reunião
Única forma de conseguir
A livre pronunciação
Do povo que lá vivia
Durante a próxima eleição
SERIA
Enviar forças federais
Para aquela região.

A intranqüilidade gerada
Pela CITLA ali presente
Faz com que os colonos criem
Uma comissão permanente
Defendendo o direito a terra
De toda aquela gente.

Antes de a CITLA instalar
Escritórios na região
Sua presença se faz sentir
Com o governo tinha ligação
Mas aos colonos dá fôlego
Acaba o governo de Lupion.

Pois é neste mesmo ano
Bento Munhoz ganha à eleição
Pede calma e que se aguarde
Da justiça a decisão
Do pedido de cancelamento
Da escritura de dação.

Já como governador
Entra logo em ação
Através de portaria
Proíbe qualquer transação
Nem sequer o recolhimento
Dos Impostos de Transmissão.

Tudo fica mais tranqüilo
Com Bento na direção
Assumindo o governo
Acalma a população
Durante os quatro anos
Tempo de sua gestão.




A VOLTA DE JOSÉ E DOS COMPANHEIROS PARA CASA



Seo José traz as notícias
Ao chegar lá da cidade
A reunião tinha ocorrido
Dentro da normalidade
Apesar dos falatórios
O clima era de tranqüilidade.

Cada um pra sua casa
Voltaram a trabalhar
Pois como agricultores
Ali era seu lugar
Tinham certeza dali
Ninguém os ia tirar.

Em julho de cinqüenta e dois
Aumenta a sua família
Pra eles um bom sinal
Motivo de alegria
Sendo a sétima da prole
Bem vinda mais esta filha.

A dúvida foi qual a nome
Seria dado a guria
Entre as várias sugestões
Ficou o que Esmerina queria
A filha do Paraná
Isaura se chamaria.

O tempo ia correndo
A vida iam levando
Vez em quando uma notícia
Do que estava se passando
Sendo boa tudo bem
Se não era iam aguardando
A hora de reagir
Só estavam esperando.

Casou-se a Angelina
Com o primeiro namorado
Zezinho só namorando
Com a vizinha do lado
Leondina ainda solteira
Com Nenê tinha noivado.

No armazém de José
Aparecia de tudo
Viajante, vendedor,
Trabalhador, vagabundo,
Pedinte e andarilho
Perdidos por este mundo.

Deve ser porque ali
Era região de fronteira
Passavam, seguiam em frente
Não tinham eira nem beira
Alguns de própria vontade
Outros fugidos da cadeia.

Certo dia apareceu
Um negão bem atipado
Pretinho que reluzia
Parecia até lustrado
Donde veio não se sabia
De que banda ou de que lado
Soube-se passado o tempo
Só depois do grande estrago.

Chegou-se jogando charme
Metido, vivo e faceiro
Além de bom dançador
O malandro era violeiro
Foi ficando conhecido
Como o negão seresteiro.

Seo José ficou com pena
O negão quis ajudar
Por ser sozinho no mundo
E não ter onde ficar
Cedeu o quartinho dos fundos
Pro negão poder morar.

De dia ajudava na lida
À noite ia tocar
Na bodega ou serenata
Era só o negão chamar
Quantas donzelas românticas
Ajudou a conquistar.

Foi tomando confiança
Até que chegou o dia
Que o negão era tratado
Como um membro da família
A casa tinha acesso
A tudo o que ele queria.

Leondina de repente
Acabou com seu noivado
A explicação que deu
O amor tinha acabado
Seo Nenê não entendeu
Ficou bastante arrasado.

Seo José entendeu menos
O que houve com Leondina
Com ninguém ela se abria
Nem com a mãe Esmerina
Que ficou desconsolada
Com a decisão da menina
Terminando com o rapaz
Que tinham em tão alta estima.

Sem demorar muito tempo
O caso foi explicado
Andando até o potreiro
Para ir tratar o gado
Embaixo de uma árvore
O Jaime viu assombrado
Sua irmã e o Negão
Namorando abraçados.

Virando em um só pé
Saiu correndo na hora
Chegando à casa grande
Já com a língua de fora
Relatou pra todo mundo
O que acabara de ver agora.

O Negão foi muito esperto
Quando pr’ali bateu asas
Chegando de sorrateiro
Como faz a cobra naja
Conquistando nada menos
Que a filha do dono da casa.

Seo José descontrolado
Na mesma hora deu um hurra
Passou a mão na soiteira*
Na filha deu uma surra
Negão apanhou também
E foi jogado na rua.

Como um gato escaldado
Negão se escafedeu
Do jeito que ali chegou
Ele desapareceu
Voltando ele outra vez
Pra esse mundão de Deus.

Passaram-se alguns dias
Leondina também sumiu
Perguntado a todo mundo
Ninguém sabe ninguém viu
A notícia não demora
A filha com o Negão fugiu.

A decepção foi grande
Abalou toda a família
Com amigos verdadeiros
Ajuda não faltaria
E de cabeça erguida
Andar José voltaria.

*Açoiteira (no sul soiteira)

O tempo foi se passando
A vida volta ao normal
Ninguém tocava no nome
Daquele fulano de tal
Pensavam só em Leondina
De vida nem deu sinal.

À Vilma filha galega*
Pretendentes não faltavam
Osvaldo, Leonel, Joanim
Por ela, eles suspiravam
Disputavam pau-a-pau
Qual seria o felizardo.

Leonel e o Osvaldo
Os dois eram primo irmãos
Por isso não brigariam
Tinham a mesma criação
Já com Joanim disputavam
De Vilma, o coração.

Lembrando de Alfredo Dutra
Que em frente à terra morava
Era avô dos dois rapazes
Que a moça cortejavam
Também pai da linda jovem
Que o Zezinho namorava.

*galega (no sul-loira)

Zezinho namora a tia
Dos netos de alfredo Dutra
Os mesmos que da irmã Vilma
Coração está em disputa
Se ali houver casamento
A família se mistura
Zezinho vira tio da irmã
Neta de seu sogro Dutra.





O ALEMÃO



Certo dia na bodega
Em uma tarde de sábado
“veio” pomba o “alemão”
Trambaleando de bêbado
Começou a incomodar
Nos fregueses pondo medo.

Depois de ele beber todas
Mais cachaça quis tomar
Mandou descer uma garrafa
Pra casa ia levar
Certeza que também esta
Chegando iria tomar.

Como estava acostumado
Bêbado nem imaginou
Que hoje era diferente
Esmerina a promessa lembrou
Que havia feito a comadre
O dia dele chegou.

O Jaime mais o Joanim
Numa garrafa mijaram
Encheram até o bico
Com uma rolha taparam
Chegando lá no balcão
Ao alemão entregaram.

Passou a mão na garrafa
O conteúdo nem viu
Virou de vez na garganta
Quase meia engoliu
Ao perceber que era urina
Bem longe ele cuspiu.

Esmerina o esperava
Escondida atrás da porta
Com um pedaço de pau
Mirou no meio das costas
Desceu a mão pra valer
Alemão geme e se entorta.

O alemão levantou vôo
Com a força da paulada
Não se sabe com foi
Não desceu pela escada
Quando eles deram por si
Alemão estava na estrada.

O homem saiu correndo
Os quatro correram atrás
Negaciando pra ver
O que é que o alemão faz
Foram até perto da casa
Sem ele ver qu’estavam atrás.

Esconderam-se bem perto
Esperando só pra ver
Sabiam o que o alemão
Acostumava fazer
Descontava na mulher
Sem poder se defender
Como já era de praxe
Na família ia bater.

Entrando na sua casa
Já começou a gritar
“na minha casa sou rei
Cá ninguém vai me pegar
Quero ver quem é o homem
Que aqui dentro vai entrar”.

Escutando a barulheira
De louça a se quebrar
A mulher pedindo calma
A criançada a gritar
Correm em direção a casa
Para a família ajudar.

Chegando até o terreiro
Todo o barulho cessou
Até os gritos das crianças
Tudo mesmo silenciou
Intrigado confabularam
“será que o homem acalmou?”

Decidiram ir embora
Tudo o que o alemão queria
Nada tinham a fazer
Em vista da calmaria
Mas ao chegar lá na estrada
Novamente a gritaria.

“Na minha casa sou rei”
Gritava o valentão
Eles voltaram correndo
Mas ao chegar ao portão
Silenciava de novo
Não mais se ouvia o alemão.

Isso ocorreu várias vezes
Até qu’eles desistiram
Voltaram lá pra bodega
Não sem antes dar uns tiros
Assustando o alemão
Que nunca mais fez aquilo.





AS FUGAS


Zezinho e sua noiva
Aguardavam o momento
De os pais deles concordarem
Com aquele casamento
Quando isso aconteceu
Dissipou-se o seu intento.

Pra resolver o impasse
Qual seria a solução
Ele mudava pra dela
Ou ela pra dele então
Qual dos dois renunciaria
A sua religião.

De ambos os lados os pais
Disso não abriam mão
Quem dos dois enamorados
Trocaria de religião
Esqueceram que ninguém
Manda em seu coração.

Zezinho muito confuso
Delci estava aflita
Aquela louca paixão
Cresceu e ficou bonita
Não mais poderia ser
De repente proibida
Só por ele ser católico
E ela ser metodista.

Mesmo os pais não aceitando
O namoro continuou
Contra todas evidências
Amor deles aumentou
Se queriam separá-los
Isso nada adiantou.

Mas não passou muito tempo
Suas coisas, Delci, arrumou
Disse adeus à sua gente
A estrada grande pegou
Roupas debaixo do braço
Na casa de José chegou
“Larguei a minha família
Da sua agora eu sou”

Admirável pequena
Por tomar tal decisão
Em busca da felicidade
Seguindo seu coração
Por todos foi recebida
Com enorme satisfação.

Por ser menina honesta
Só namorou com Zezinho
Esmerina não deixou
Com ficar dormindo
Antes casaram direito
Como manda o figurino.

Construíram uma casa
Bem depois lá do pomar
Não era grande, mas dava
Pro jovem casal morar
Um cantinho só pra eles
Começar um novo lar.

Depois que os dois se casaram
A coisa se acalmou
Amizade de seus pais
Novamente engrenou
Felicidade dos filhos
Só isso que importou.

Delci depois de casada
À Vilma quis ajudar
Arrumando um namorado
Para ela se casar
O qu’elas não esperavam
A confusão que isso ia dar.

A coisa não parou aí
Aumentou ficou maior
Tentando ajudar à jovem
Pra tornar tudo melhor
Fizeram uma confusão
Deixando ainda pior.

Os sobrinhos de Delci
Também de sua religião
Sabiam que os pais de Vilma
Proibiriam a união
Dela com qualquer dos dois
À tia, pediram opinião.

Delci não foi muito longe
Achou um meio de ajudar
“se isso deu certo comigo
Com eles, também vai dar”
O jeito era fugir
Pra juntos poder ficar.

Apenas um dos sobrinhos
Seria o escolhido
Qual deles que ficaria
De Vilma sendo marido
Ao outro se conformar
E achar outro partido.

Leonel sendo o mais velho
Tornou-se o felizardo
Osvaldo por ser mais novo
Era menos apressado
Nem se pensou em Joanim
Que foi logo descartado.

O dia da fuga chega
Todo detalhe acertado
A Vilma estava pronta
Leonel foi avisado
Tudo tinha que dar certo
Nada ia dar errado
Apesar de Osvaldo estar
Bastante inconformado.

Vilma pegou suas roupas
Arrumou fez uma pilha
Enfiou dentro de um saco
Levou tudo que podia
Escapou pela cozinha
Certeza ninguém a via
Rumou para o milharal
Isso em plena luz do dia.

Chegou à casa do irmão
A cunhada a lhe aguardar
Agora era dar um tempo
Ao Leonel só esperar
Mas a hora foi passando
E ele nada de chegar.

O que houve com Leonel
Parece até brincadeira
Talvez pela emoção
De deixar à vida solteira
Deu-lhe uma dor de barriga
E uma tremenda caganeira.

Osvaldo que ao seu primo
Tratava como a um irmão
Foi solidário com ele
Esquecendo o coração
Apesar de apaixonado
De Vilma ele abriu mão.

Osvaldo promete ao primo
Que a ele ajudaria
Esperariam a noite passar
E cedo naquele dia
Pegariam o cavalo
Rumo à casa da tia.

Lá na casa de Zezinho
Ninguém sabia de nada
Vararam aquela noite
Inteirinha acordada
Sem saber o que fazer
E sem poder fazer nada.

Zezinho ficou com medo
Qual seria a reação
Do pai ao ficar sabendo
Da sua combinação
Pra Vilma fugir de casa
Sob a sua proteção.

Os três se puseram a pensar
Até alta madrugada
O que é que eles fariam
Pra sair desta enrascada
Se pra casa ela voltasse
Certeza seria surrada
Zezinho se nega ver
A sua irmã machucada.

Joanim ficou sabendo
O que tinha acontecido
Que Vilma naquele dia
De casa havia fugido
Que pra casa da cunhada
E do irmão teria ido.

No lombo de seu cavalo
Nem duas vezes pensou
Pegou o rumo da estrada
Apressado galopou
Ainda de madrugada
Lá no Zezinho chegou.

Ao ver Joanim chegando
Se perguntaram por quê
De chegar naquela hora
O que veio ali fazer
Só quando ele falou
Conseguiram entender.

“Fiquei sabendo que a Vilma
De casa havia fugido
Sei que não foi com ninguém
Vi quando tinha saído
Por isso vim buscar ela
Pra ir embora comigo”.

Zezinho olha pra irmã
Ao ouvir esta proposta
Queria dela saber
Se realmente ela gosta
Dessa possibilidade
Qual seria a resposta.

Delci que é muito esperta
Chama a cunhada de lado
“Aceite logo a proposta
Ele é bem apessoado
SE SEU PAI
Souber qu’estás aqui
Estamos todos ferrados”.

Vilma disse decidida:
“Com ele eu não quero ir
Eu vim pra ficar com outro
Com ele eu não vou fugir
Se não for com o Leonel
Prefiro ficar aqui”.

Vilma estranhou da cunhada
Toda aquela reação
Empurrando-a pra cima
Desse outro rapagão
E o namoro com Leonel
Que fazia tanta questão!

Zezinho fala pra irmã
“Pare um pouco pra pensar
O que vou falar pro pai
Quando ele me perguntar
Porque eu fiz isso com ele
Como é que vou explicar”.

Vilma percebeu na hora
A bobagem que havia feito
Quis contar com o irmão
Mas ele não teve peito
De enfrentar a situação
Ir embora era o jeito.

Já na garupa do baio
Seu sonho de Cinderela
Logo foi desvanecendo
Pobrezinho da donzela
Pensava porque Leonel
Tinha feito isso com ela.

Com o galope do cavalo
A poeira levantou
Zezinho de longe olhando
Uma lágrima rolou
Pensando em sua irmã
Realmente ele chorou.

Ainda sem comentários
Pelo fato acontecido
O relinchar de um cavalo
Estão agora ouvindo
Será os dois lá voltando
Olham pra ver quem está vindo.

Primeiros raios da aurora
O dia amanhecendo
Nem eles acreditavam
No que os olhos estavam vendo
A visão nas suas frentes
O que estava acontecendo

Leonel e o Osvaldo
Dois cavalos a trotar
Chegaram em frente à casa
Puseram-se a relatar
Porque não chegaram antes
Pra Vilma poder levar.

O Zezinho e a Delci
Mal podiam acreditar
No relato ali dos dois
O que isso ia mudar
Duas vidas separadas
Por minutos, que azar!

A consternação foi tanta
O moço até chorou
E um silêncio profundo
Sobre eles lá pairou
Leonel não esperava
O que o destino lhe pregou.

Leonel voltou pra casa
Com outra moça casou
Osvaldo depois de um tempo
Cunhado da tia ficou
Mas isso conto depois
A hora ainda não chegou.

A história dessa fuga
Até hoje emociona
Ficou guardada em segredo
Por uma questão de honra
Só depois de muitos anos
Tudo isso veio à tona.

Atire a primeira pedra
Aquele que é sem defeito
Quando a vida dá um tombo
Sempre causa algum efeito
Mas é somente na morte
Que não se pode dar jeito.




A TRANCA NA PONTE



Durou menos que o esperado
O clima de tranqüilidade
A atuação da CITLA
Voltou com toda vontade
Outra vez tira o sossego
Daquela comunidade.

Reuniram-se de novo
Na sede do comitê
Posseiros da região
Decidir o que fazer
Já que a CITLA vinha impondo
Duramente o seu poder.

Ainda se recuperando
Da fuga de sua filha
Seo José mais do que nunca
Pensava em sua família
Perder seu pedaço de chão
Nunca ele permitiria.

José junto com os vizinhos
E colonos da região
Voltaram a se articular
Fazer frente à situação
Passaram a se reunir
Lá em Francisco Beltrão.

Teve a CITLA um período
Liberdade total de ação
Tempo mais que suficiente
Pra comercialização
Das terras, e gerar um clima
De muita inquietação.

Os colonos precisavam
Impedir sua atuação
Passaram a se organizar
Esboçando reação
Defender o que era seu
O pé não arredarão.

Durante o governo de Bento
A CITLA em Francisco Beltrão
Reunia-se em festanças
Churrascada e falação
Dizendo que ia transformar
Com reforma agrária a região.

Dizia que tinha ganhado
Na justiça a questão
Os colonos assustados
Da campanha na ocasião
Pensaram ser ela dona
E não o estado ou a União.

A CANGO diretamente
Atingida em sua ação
Por mais esta tentativa
Da CITLA de invasão
Sofrendo suas atividades
Quase total paralisação
Mas precisavam esperar
Da justiça a decisão.

O que fez com que os colonos
Fizessem tal mobilização
E na continuidade
Fossem à Francisco Beltrão
Foi a CITLA querer impedir
Sua entrada na Gleba das Missões.

A CANGO localizava-se
À esquerda do rio Marrecas
Onde também se encontrava
A entrada pras duas glebas
Por onde os colonos passavam
Pra chegar as suas terras.

A CITLA por sua vez
D’outro lado se instalou
Agora foi demonstrado
Que tudo premeditou
Pois a ponte que as unia
A CITLA é que controlou.

Nesta época foi que a CITLA
O fluxo quis proibir
Dos colonos que iam e vinham
E passavam por ali
Pôs uma tranca na ponte
Pra entrada impedir.

Instalado o impasse
Foi feita a convocação
Colonos se reuniram
Ali mesmo em Beltrão
Resultado desse encontro
Formaram uma comissão.

A comissão em Curitiba
À Bento Munhoz dá conta
Este imediatamente
A Ney Braga, ele, os manda
Como chefe de polícia
Deve resolver à bronca.

Ney Braga então determina
Pra resolver logo a bronca
A um coronel da polícia
Qu’esta lá em Pato Branco
Que se dirija à Beltrão
E retire a tal tranca.

Por enquanto os colonos
Faziam reivindicação
Relatando o que a CITLA
Fazia na ocasião
Prejudicando a eles
Pela sua atuação.

Porém foi muito importante
Esse tipo de reação
Demonstrando nesta fase
Que constituiu o embrião
Da luta e da resistência
E da conscientização.

Resolvido o impasse
Mas longe da solução
De acabar com os problemas
Das terras na região
Os colonos irão viver
Dias que jamais esquecerão.

Ano de cinqüenta e seis
Tempo difícil à frente
Tanto para seo José
Como para aquela gente
Que unida trabalhava
Pra ter uma vida decente.





ESMERINA DOA O BEBÊ



Esmerina descobriu
Que engravidara outra vez
Revoltou-se não queria
Ter mais esta gravidez
Porque a fuga das filhas
Muito mal a ela fez.

Disse se fosse mulher
Não queria ela nem ver
Quem quisesse adotar
Doaria o bebê
Só se fosse homem macho
Ficaria com o neném.

Esmerina confirmou
Aquilo que dito tinha
Otacílio escutou
Quase que não se continha
“Se menina ela nascer
Pode deixar que é minha”.

Seo José ali presente
Estando um pouco de lado
Vê que a mulher fala sério
Fica um tanto preocupado
“Como ela vai dar um filho
Sem nem eu ser consultado?”

Os dias vão se passando
Nada de enxoval fazer
Será que falava sério
Quando quis doar o bebê?
José pensa com ele mesmo
“Eu vou ter que me mexer.”

Com enxoval dos outros filhos
José não se preocupou
Este era diferente
Toda roupinha comprou
Porque doar o bebê
Jamais ele cogitou.

A mulher dura na queda
Neném ela não queria
José apela pro coração
De mãe amoleceria
Se menina ou menino
De ser mãe não deixaria.

Foram-se os quatro filhos
A casa ficou vazia
Restavam ainda três
Para fazer companhia
A vinda de mais um filho
Só lhes traria alegria.

Jaime, Luci e Isaura
À mãe davam atenção
Pois durante a gravidez
Teve grande depressão
Esperavam que o bebê
Mudasse seu coração.

Como pr’aquela família
Também a toda região
Existia outro motivo
Pra muita preocupação
Naquele ano outra vez
Lupion ganha à eleição.




SEGUNDO MANDATO DE LUPION



No inicio do governo
A atitude de Lupion
Torna-se mais contundente
Mostrado por sua ação
Introduzindo contra colonos
Novos métodos de coerção.

Agora não só a CITLA
Mais duas concessionárias
A Comercial Agrícola
E companhia imobiliária
Vinda de Apucarana
Falando em reforma agrária.

Também lá no sudoeste
Como em outras partes do país
O latifúndio se apresenta
Fincando sua raiz
Tirando sossego do povo
Que lá vivia feliz.

Direito a terra é contestado
De uma forma violenta
Companhia imobiliária
Como dona se apresenta
Impondo sua vontade
O colono não agüenta.

Lupion pessoalmente
Praticou interferência
E como governador
Usou sua influência
Apoiando as companhias
Da polícia teve conivência

Novos métodos de coerção
Da CITLA contra os colonos
Inicia-se a violência
Tirando dos posseiros, sono
Na terra não há justiça
Cada um diz ser o dono
Onde o pão de cada dia
Impera a “lei do demônio.”

Os colonos vão se unindo
E tomando consciência
Ao serem expropriados
Por meio da violência
Eclodem num movimento
De luta e de resistência.

Com mais duas companhias
Há uma redivisão
A CITLA
Fica com a sede
Lá de Francisco Beltrão
A COMERCIAL
Com Verê e Dois Vizinhos
Mais o interior de Beltrão
A APUCARANA
Com Capanema e Santo Antônio
Divisa com Barracão.

Com mais duas companhias
Começa a luta na região
Especulação imobiliária
Comanda a expropriação
Posseiros lá instalados
SÃO VÍTIMAS
De violenta espoliação.

É feita intensa campanha
NAS RÁDIOS
De Pato Branco e Beltrão
Colonos são convidados
A regularizar a situação
Indo até os escritórios
Das companhias em Beltrão.

Aos companheiros enviou
“Digam para os colonos
Inicia-se um impasse
ENTRE COLONOS
E companhias de comercialização
NÃO SE NEGAVAM
Em pagar a terra
PELO CONTRÁRIO
Queriam sua escrituração
É QUE A
Legalidade do título
Ainda estava em questão.

Esclareceu-se aos colonos
Por meio de vários setores
Tinham direito à terra
Não eram seus invasores
Porque iam pagar por ela
Àqueles exploradores?

Os colonos estavam firmes
Na luta contra o invasor
A CANGO
Mais lideranças locais
Lado-a-lado ao seu favor
Somado a voz no senado
De Othon Mader senador.

Em março de cinqüenta e sete
A voz que mais se levantou
Othon Mader uma carta
Aos companheiros enviou
“digam aos colonos
Que nada assinem, por favor.”

Explicando os motivos
Pelos quais não deviam assinar
Escrituras cheias de fraudes
A CITLA queria falsificar
Nada tinham de legítimo
PORTANTO, NADA,
Podiam vender ou comprar.

Anibelli deputado
Percorre a região
Aconselhando os colonos
Explicando a situação
“Nenhum contrato assinem
Nem mesmo sob imposição.”

O governo estadual
Através de instituições
Apoiava as companhias
Uma forma de opressão
Tentavam forçar os colonos
Por meio de intimidação
A ASSINAR
Os contratos de compra e venda
Quem se recusasse então
USAVAM DE
Violência física
Forma mais comum de pressão.

Como ele não concordasse
Morte, saque, pancadaria,
Estupro e humilhação
Tornou-se a ordem do dia
Ou assinava o contrato
Ou expulso da terra seria
Dando-se por satisfeito
Se viva levasse a família.

Os colonos compreenderam
Depois de dado o anúncio
Pra não assinar os contratos
Nem precisava prenúncio
Iriam enfrentar problemas
COM UM ELEMENTO
Chamado “jagunço”.

Vindo do norte do estado
Agia como corretor
Desempenhava a função
Cobrando um alto valor
Dos que empreitavam a morte
Aos colonos infundiam terror.

Dentre os mais sanguinários
Sua diversão matar
Não sem antes sua vítima
Seviciar, surrar, estuprar
Veio de Campo Mourão
No norte do Paraná
Vulgarmente era chamado
De jagunço “Maringá”.

Concorriam em crueldade
Este, com mais outros quatro
“Pé de Chumbo, “Chapéu de Couro”,
“Lapa” e “Quarenta e Quatro”
Empregados das companhias
Pra matar era bem pagos.

Outros tantos existiam
No lombo, levavam a morte
Deles só escaparia
Quem tivesse muita sorte
Sudoeste foi tomado
Pelos bandidos do norte

Se o colono recusasse
USAVAM
Todo tipo de violência
Os homens eram humilhados
CHEGANDO
Ao cúmulo da indecência
QUEIMAVAM CASAS
Espancavam crianças
Não existia clemência
Estupravam as mulheres
DAS MENINAS
Tiravam a inocência.

Isso só era possível
POIS DAS AUTORIDADES
Havia conivência
FICARAM
Longe do senso moral
DA HONRADEZ
Dignidade e decência
Juntos todos esses fatores
FORAM REPONSÁVEIS
À livre prática da violência.

MORTES
Espancamento, extorsões
PRA POLÍCIA
Não tinha menor importância
A ORDEM
Não registrar óbitos
ABRIR INQUÉRITOS
Destes queriam distância
Quem se atrevesse a dar queixa
Morria por tal petulância.

Não grilavam só as terras
Também a madeira da região
Chegavam às serrarias
Enchiam o caminhão
Se dessem parte a polícia
Fazendo reclamação
Acertariam as contas
COM JAUNÇOS
Do grupo de Lupion.

Tentou-se mandar advogados
Para ajudar a população
Reunindo provas das mortes
E massacres em toda região
Mas corria perigo de vida
Quem lá fosse com tal intenção.

Doutor Edu Potiguara
Advogado atuante
ACEITOU
Procurações dos posseiros
Passou a ouvir os queixantes
Ia defender os colonos
Daquele dia em diante.

Bastou isso pra que a polícia
E autoridades estaduais
Passassem a persegui-lo
A PROFISSÃO
Não podia exercer mais
Por fim vieram prendê-lo
MOSTRANDO
Quem ali podia mais.

Preso de maneira brutal
Sofreu muita humilhação
Mandaram-no pra bem longe
Sem dar conta da localização
NÃO RESPEITANDO
Um bacharel em direito
Nem seu direito de cidadão.

Outros advogados também
FORAM IMPEDIDOS
De exercer a profissão
INTIMIDADOS
Moral e fisicamente
Ou ameaçados de prisão
Pelos capangas ou jagunços
Do grupo de Lupion
Que não respeitavam ninguém
Nem mesmo a Constituição.

“Sem carregar nas cores
ESTE É O RETRATO
Fiel da situação” *
No sudoeste do Paraná
Na fronteira e região
Sob o domínio privado
Do ditador Lupion.

*A Revolta dos Posseiros, 2º ed. 1987.





O CHORO DE UM CÃO



Ao leitor peço licença
E sua detida atenção
Aos fatos que passo a contar
Que aconteceu no sertão
O grau de maldade brutal
É de cortar o coração.

A pior das atrocidades
De crueldade tamanha
A morte de uma mulher
Esposa de João Saldanha
E de seus filhos menores
É de causar grande vergonha.

Chegando os jagunços na casa
Não encontraram João
Pegaram sua mulher
Seviciaram-na então
Cortaram-lhe um dos seios
Jogaram-no para um cão.

Melhor amigo do homem
Diz que não sabe amar
Mas aos bárbaros ali
Uma lição ia dar
Ao ver o estado da dona
Começa o cão a uivar.

Botaram fogo na casa
Riam ao vê-la queimar
Enquanto a casa queimava
Ouviram as crianças chorar
Em volta de sua mãe
QUE
De dor estava a gritar.

O menino desesperado
A mãe queria ajudar
O jagunço deu-lhe um tiro
Foi na cabeça acertar
A menina foi jogada
Como uma bola pro ar
E caiu sobre uma adaga
Pronta pra lhe espetar.

A mulher ainda viva
Isto muito os irritou
Um pegou pelo cabelo
Outro o pescoço cortou
A cabeça foi jogada
Ao cachorro que uivou
Que correndo entrou no mato
De lá nunca mais voltou.

Era noite de lua cheia
Claro estava o luar
De longe ainda se ouvia
O cachorro a chorar
A morte de sua dona
Que se foi pra não voltar.

E durante muitos anos
O povo daquele lugar
Nas noites de lua cheia
Ouvia um cachorro uivar
O triste lamento fazia
Quem escutava chorar.





O ABAIXO ASSINADO



Pedro José da Silva
Vereador do PTB
Morava em Pato Branco
No distrito do Verê
Também por Pedro Barbeiro
Dava-se a conhecer.

Líder daqueles colonos
Fez um abaixo assinado
Cerca de duzentos nomes
Havia arrecadado
Ao governo federal
Este seria levado.

Lutar contra a violência
Decisão que havia tomado
Mas por jagunços da CITLA
Pedro foi disto barrado
Sendo ele covardemente
Pelas costas assassinado.

Morreu defendendo a causa
Dos colonos da região
Aquele abaixo assinado
AO PRESIDENTE
Levaria em mãos
Contrariando interesses
Do senhor Moysés Lupion.





AMIGOS IRMÃOS



O sol já ia sumindo
A noite vinha chegando
Sentado lá na varanda
Com um palheiro fumando
José Raulino da Rosa
Pensativo matutando.

A coisa de mal a pior
Tanta gente perseguida
Pareciam ter entrado
Em um beco sem saída
Além de lutar pela terra
Lutavam por suas próprias vidas.

Queixar-se para a polícia
Era brincar com a sorte
Podiam estar assinando
Sua sentença de morte
Pelos próprios policiais
Ou por jagunços do norte.

Isaura chega-se ao pai
Com uma carinha marota
Sem entender que se passa
Pois era ainda garota
Dentes brancos lábios rosa
Enfeitavam-lhe a boca.

“A janta já está pronta
A mãe mandou lhe chamar”
Diz isso e volta correndo
É a primeira a sentar
José joga o toco fora
Ao acabar de pitar.

Esmerina olha o marido
Calado durante o jantar
Sabia exatamente
No qu’ele estava a pensar
Escrito na sua testa
Nem precisava falar.

Em meio aos pensamentos
Tropel o silêncio cortou
Um cavalo em disparada
Passou no carreador
Na frente ali da varanda
Sem demora ele chegou.

Já lá na frente da casa
No cavalo dá um tranco
Viram logo, se tratava
Do caboclo meio manco
Rosto estampava o terror
Chegava estar até branco.

Palavras quase não saem
Da boca, de tão assustado
Finalmente ele conta
O que tinha se passado
Botaram fogo no rancho
E o pai haviam matado.

A noite tinha caído
Um breu a escuridão
Seo José mais os vizinhos
Dirigem-se ao matão
De longe podiam ver
Sobe um grande clarão.

A cena não difere muito
Do que aqui relatado
Os filhos choram a morte
Do pai jaz ali deitado
A mulher fitava o nada
Em choque tinha entrado.

Bastião conseguiu fugir
Atravessando o banhado
Mas antes de empreender fuga
Dos jagunços tinha escutado
Foi apenas o começo
Deixaram isso avisado.

Enterraram o caboclo
Família não ficou lá
Seo José os trouxe junto
Na escola, os foi alojar
Até fazer uma casa
Onde eles iam morar.

Construíram a casinha
Na beira do estradão
Nas terras de seo José
Ficou morando Bastião
Junto com a mãe viúva
Também seus quatro irmãos.

Além de ser seu padrinho
Agora era patrão
Bastão ali ficou
Trabalhando como peão
Sustentava a família
E contava com proteção.

Fazia já algum tempo
Que ali tinha chegado
João Maria sanfoneiro
E Juca pobre coitado
Por não ter pra onde ir
No quartinho foram instalados.

João Maria moço alto
Cabelo encaracolado
Pele morena olhos verdes
Por música apaixonado
Foi o melhor dos gaiteiros
Que surgiu pr’aqueles lados.

O Juca rapaz tranqüilo
Mas virava um tinhoso
Quando mexiam com ele
E lhe deixavam nervoso
Aflorava seu problema
Que ao falar era fanhoso.

O que realmente importava
Nos dois era a lealdade
Do Jaime como irmãos
Companheiros de verdade
Podendo sempre contar
Com sua sincera amizade.

É neste contexto que os fatos
Vêm se desenvolvendo
Podiam até disfarçar
Mas coisas vão acontecendo
E na luta pela terra
Há sempre um colono morrendo.

A todo o momento chegava
Mais uma notícia ruim
Outro colono atacado
Ou desapareceu enfim
Precisavam uma saída
Como continuar assim?

Com a morte daquele caboclo
Bandido um aviso dava
Se esperavam um motivo
Agora não mais faltava
Colonos se reuniram
A decisão foi tomada.




EM BUSCA DE AJUDA



Rumaram pra Santo Antônio
Com Percy foram falar
Atual vereador
Pensaram ia ajudar
Por ser simpático a causa
E do lado deles estar.

No entanto ali chegando
Percy havia fugido
Ficaram sabendo qu’ele
Vinha sendo perseguido
Por apoiar os colonos
Esse foi mesmo o motivo.

Mas antes de tudo isso
Percy havia pedido
A um oficial do exército
Que lá tinha aparecido
Garantia pra sua vida
Como não foi atendido
E sem poder confiar
Voltou ao esconderijo.

O OFICIAL

Do registro de imóveis
Aos colonos foi falar
“Procurem doutor Potiguar
Quem sabe ele possa ajudar
Não confiem na polícia
Esses só querem matar.”

Um sargento do exército
No distrito do Verê
Teve a casa metralhada
Ninguém sabe o porquê
Polícia nada apurou
Dos bandidos está a mercê.

Seo José e o genro Quinca
Com mais dois ou três vizinhos
Rumaram pra Capanema
Foram cortando caminho
Uniram-se aos de lá
Para não lutar sozinhos.

Na realidade eles foram
Atendendo um chamado
Do primo irmão Rosalino
Que com José havia estado
Rosalino preparava
Outro abaixo assinado.

Seo José por sua vez
Adiantou cá do seu lado
Reunindo assinaturas
De colonos prejudicados
Levando junto com ele
PRA JUNTAR
Àquele abaixo assinado.

Pra não encontrar jagunços
Que andavam pr’aqueles lados
Um pouco iam pela estrada
Outro pouco pelo mato
Evitando um confronto
Agora de imediato.

No km 35
Cansados deram uma pausa
No rancho de um posseiro
Seu companheiro de causa
Um jovem riograndense
De nome Antônio Vargas.

Admiraram-se muito
De ver tão jovem rapaz
Morando em plena selva
Trabalhando por demais
Veio preparar o futuro
Uma noiva deixou pra trás.

Pernoitaram ali no rancho
No outro dia cedinho
Montaram em deus cavalos
Seguiram pelo caminho
Comentando sobre o jovem
Que ali morava sozinho.

Na costa do Iguaçu
Chegaram de tardezinha
De longe eles avistaram
Uma casa pequeninha
Na qual mora Rosalino
Uma tapera pobrezinha.

Confabularam à noite
Até alta madrugada
Todos eles concordaram
Com a decisão tomada
Nem bem amanhece o dia
De novo estão na estrada.

Uniram-se à Rosalino
E mais alguns companheiros
Em busca de assinaturas
Dos moradores roceiros
Pra levar ao presidente
Na capital Rio de Janeiro.

Tudo isso eles faziam
Tomando o maior cuidado
Pois se fossem descobertos
Jamais teriam escapado
Como o Pedrinho Barbeiro
Seriam assassinados.

Dividiram-se em grupos
Para contatar mais gente
Queriam era evitar
Um confronto iminente
Pediriam ao governo
Que mandasse um contingente
Quando fossem à capital
Falar com o presidente.

Trabalharam alguns dias
Cumprindo sua tarefa
O máximo de assinaturas
Tinham como suas metas
Ao passar no Rio Santa Rosa
Fizeram uma descoberta.

Estava uma turma de homens
Por alguns dias a fio
Trabalhando no conserto
Da ponte sobre o rio
Quando em dado momento
Uma longa viga caiu
A cena que apareceu
É de causar arrepio.

Olhando lá para baixo
Sem uso de lamparina
Vendo a água desviada
Pela enorme longarina
O fundo do rio mostrou
Uma evidência assassina.

Desviado o curso d’água
Pela longarina na queda
A flagrante violência
Agora ninguém mais nega
Fatídica aparição
Uma peça a eles prega
Vêem o cadáver de um homem
Amarrado a uma pedra.

Haviam ouvido falar
D’outras mortes semelhantes
Que houve no Rio Iguaçu
Fizeram alguns flagrantes
De cadáveres descobertos
Amarrados em pedras grandes
Mas ver com os próprios olhos
É algo horripilante.

Intensificaram o trabalho
Na busca de assinaturas
Por mais que tentem esquecer
Na mente fica a figura
Do homem morto no rio
Realidade nua e crua.

Pra obter assinaturas
Tinham muito trabalhado
Temiam ser descobertos
Ter seus nomes revelados
Por quem se negou por medo
E não havia assinado.

Com duas mil assinaturas
Deram-se por satisfeitos
Retornar às suas casas
Agora seria o jeito
Passariam pelo rancho
Do amigo que tinham feito.

A galope pela estrada
José mais os seus amigos
De repente sai do mato
Um sujeito escondido
Salta à frente dos cavalos
Sem recear o perigo
“Não andem pela estrada
Qu’está cheia de bandido.

Há poucos dias mataram
Um rancheiro ali na frente
Ele morava sozinho
Não tinha nenhum parente
Dizem que era do sul
Um colono riograndense.”

Quinca pegou a espingarda
Com ele não tinha luxo
Conferindo o seu cano
Se estava com cartucho
Com a arma empunhada
Foi pra casa do gaúcho.

Todos galoparam junto
Cortando cavalo na espora
Entraram numa picada
Arriscar não era hora
Cavalgou junto com eles
O homem que contou a história.

Ao ver e entrar no rancho
Jaz agora abandonado
Já não havia mais dono
Pois fora assassinado
Seo Raulino nunca viu
Um lugar tão desolado.

Pensando no seu futuro
Antônio tinha trabalhado
Preparava ali um lar
Pra se tornar habitado
Assim buscaria a noiva
Pois estava enamorado.

Só não contavam esses jovens,
Gaúchos apaixonados
Que no Paraná existisse
Assassinos contratados
Que matavam a sangue frio
Sob a proteção do estado.

Uma emoção muito grande
Ao ver aquele cenário
Compartilhando a tristeza
A Antônio solidários
Tamanha foi a revolta
Vendo rancho solitário.

Antônio não estava só
Junto morreu um guerreiro
Quando da segunda guerra
Foi lutar lá no estrangeiro
Defendia a democracia
Um pracinha brasileiro.

Deve ter sido mais um
Que ali fez a pousada
Mas o seu azar foi tanto
Que chegou na hora errada
Não morreu lá na Itália
Morreu na sua pátria amada.





A VOLTA PARA CASA



Isaura chama a mãe
Mostra que o pai está chegando
Esmerina escutara
Os cavalos troteando
Da área podiam ver
Lá na curva apontando.

Mal tiraram os arreios
Os fatos são relatados
Enquanto ficaram ausentes
Uns homens mal-encarados
Estiveram na bodega
E deixaram um recado.

“Digam a todos posseiros
Que a nós ninguém engana
Se eles quiserem a terra
Façam uma caravana
E vão até Santo Antônio
NA
Imobiliária Apucarana
Assinem os contratos da terra
POIS ELA É
A legítima dona.”

E não parou por aí
Fizeram mais ameaças:
“Se alguém não obedecer
Assinou sua desgraça
Nós vamos voltar aqui
E acabar com essa raça.”

Jaime ficou preocupado
João Maria furioso
Juca nem abriu a boca
Não porque era fanhoso
Por gaguejar ao falar
Quando ficava nervoso.

Zezinho com a mulher
Na casa da mãe estava
Angelina também veio
Nesses dias lá pousava
Perceberam que as coisas
De vez ali piorava.

Por hora o que eles queriam
Era ter um bom descanso
Cada um pra sua casa
No sossego do seu rancho
Da situação fariam
No outro dia um balanço.

Sem tranqüilidade alguma
À noite enquanto um dormia
Outro ficava alerta
Acordado de vigília
Era assim desse jeito
Que eles passavam os dias.

À medida que as companhias
Ficavam mais violentas
Colono não teve medo
De frente ele a enfrenta
Uniram-se entre eles
Formando a resistência.

Na reunião foi decidido
Como iam se proteger
Pois os jagunços chegavam
Sempre ao anoitecer
Pra pegar o dono da casa
Sem poder se defender.

Com uma idéia brilhante
Valetas foram cavadas
Em volta de suas casas
Que assim ficou cercada
À noite entravam nelas
Esperando a jagunçada.

Através de um mensageiro
Eles mantinham contato
Pra nenhum deles ficar
Um do outro desgarrado
Noite inteira no buraco
Mantinham o combinado
De dia eles saiam
Pra se esconder lá no mato.

Se algum dia por acaso
Um deles fosse atacado
Devia estourar um foguete
Pra lhes indicar o lado
Os outros vinham em socorro
Assim ficou combinado.

Com o cultivo abandonado
Nada podiam fazer
O mais urgente agora
Era ali permanecer
Unindo as suas forças
Pra juntos se defender
Ou abandonavam a roça
Ou lutavam até morrer.

Apesar da situação
Tensa do dia-a-dia
Cultivavam o bom humor
Não perderam a alegria
Os causos ali contados
Rir as pessoas fazia.

Certa noite seo Raulino
Mais o compadre Matozo
De vigília no buraco
E, este, muito medroso
Chamou atenção de José
Que logo atendeu nervoso.

“Estou vendo um sujeito
Vindo lá negaceando
Tem mais um ou dois atrás
Que também estão chegando
Zé engatilhou a espingarda
Na direção foi mirando.

José arregalou os olhos
Pr’onde ele tinha indicado
Não enxergando ninguém
Pensou que tinha errado
O lado que ele indicou
Deve ser do outro lado.
Mas antes de perguntar
Seo José já comprovava
Pra onde ele olhou
Compadre também olhava
Só que não estava vendo
O que Matozo enxergava.

Passou a mão pelos olhos
Arregalou novamente
Como ele não enxergava
Quem estava vindo à frente
Se, o compadre insistia
“Estão bem na nossa frente.”

As pernas tremiam tanto
Chegava bater os joelhos
“Vou subir sobre o seu ombro
Vê se agüenta o meu peso
Você deve de estar vendo
Pessoas que eu não vejo.”

José muito se arriscou
Ao do buraco subir
Se fosse mesmo jagunços
Que chegavam por ali
Teriam visto ele logo
Do buraco a sair.

A noite é de lua cheia
Seo José a estranhar
Como é qu’ele não via
O QUE
O outro estava a enxergar
Se parecia até dia
Com a claridão do luar.

José não acreditou
O compadre estava louco
O que ele lhe mostrou
Que os deixou num sufoco
Eram árvores cortadas
Ficando apenas seus tocos.

Isso rendeu muitos risos
Piadas contra Matozo
Pra se defender dizia
Que estavam atrás dos tocos
Escondidos de tocaia
Isso era perigoso
Mas de nada adiantou
Foi chamado de medroso.

Com esta, outras histórias
Também foram relatadas
Umas tristes outras alegres
Mas todas foram contadas
Como a de Ruaro em Beltrão
No dia de sua chegada.





QUEM ERA RUARO?



Fato curioso ocorreu
Lá pr’os lados de Beltrão
Quando certo dia chegou
Na cidade um cidadão
Foi logo descarregando
Material de construção.

Quando lembro este fato
Tenho vontade de rir
Porque o recém-chegado
Dizia ir construir
Bem na área reservada
À praça doutor Suplicy.

Quem era Zulmiro Ruaro
De onde ele surgiu
O povo se perguntava
Ninguém sabe ninguém viu
Mas de se apossar das terras
Logo ele desistiu.

Desistiu de seu intento
Ao saber do ultimato
“Desocupe essa área
Sem demora, de imediato
Isso aqui não te pertence
Nessa lagoa não dá sapo.”

Depois se mostrou a todos
Que era um bom cidadão
Incapaz de molestar
Dada sua formação
Até mesmo os desafetos
Por ser ótimo cristão.

O incidente da praça
Ensejou a divulgação
De versos a seu respeito
Com ponto de interrogação
“Que veio fazer Ruaro
Aqui em Francisco Beltrão?”

“Que faz Ruaro em Marrecas?

Não trabalha no comércio
Não é lavrador nem peão
Não é motorista de praça
Oficio não entende não.

No açougue não trabalha
Não sabe pintar também
Mas afinal, minha gente
Que profissão ele tem?

Chegou aqui há tempinho
E começou a falar
Estas terras já são minhas
Não adianta reclamar.

Implicou com o seo Ribas
A com o Baréa, então!
Ditou leis de engenharia
E embargou-lhe a construção.

Ameaçou muita gente
Estabeleceu confusão
Amedrontou os colonos
Prometendo-lhes prisão.

Ninguém põe cerca nos lotes
Ninguém prende a criação
Ninguém derruba pinheiro
Ninguém cultiva o chão.

Apropriou-se da praça
E nela quis construir
Mas levou uma corrida
....................................
A Pedro fala de Antônio
A Antônio de Pedro fala
Matraqueia o dia inteiro
Só dormindo é que se cala.

Diz que se chama Zulmiro
Que não ofende ninguém
Mas na verdade, amigos,
Qual i intenção que ele tem?

Zulmiro diz que é bonzinho
Roaro diz que não é;
Zulmiro agrada o colono
Roaro lhe mete o pé.

Roaro é trabalhista
Zulmiro do P.S.D.
Zulmiro visita Julio
Roaro faz que não vê.

Muita calma minha gente
Não lhe tenhamos medo!
Vamos lhe dar um bilhete
De volta para Toledo!”

*MARTINS, da Silva Rubens, - Entre Jagunços e Posseiros, p.30,1ºed.
Curitiba, 1986.





O MEDIADOR



Certo dia os colonos
Estavam em reunião
Nisso chega-lhes correndo
O negrinho Bastião
Dizendo estar subindo
Na serra uma condução.

Os colonos saem correndo
Pra se esconder no porão
Ficaram só esperando
Chegar a tal condução
Dependesse de quem fosse
Escondidos ficavam não.

Na frente lá da bodega
O jipe foi estacionado
Desceram cinco sujeitos
Todos estavam armados
Enquanto dois deles entraram
Três fora ficaram parados.

Um dirigiu-se ao balcão
Pediu que servisse um trago
O outro ficou na porta
Com olhar desconfiado
Enquanto é servida a pinga
Pela mulher do outro lado.

Esmerina mulher valente
Não é filha de pai assustado
Por debaixo do balcão
Com o revólver engatilhado
Mirou bem no peito dele
Que nem desconfia “coitado”.

Qualquer movimento em falso
38 é disparado
Os dois que estão ali dentro
Daria conta do recado
Quanto àqueles lá fora
De bala seriam crivados.

A fresta era pequena
Pra todos os homens expiar
Estes tiveram trabalho
De seo José segurar
Pois queria ir lá fora
E os tais homens enfrentar.

Apesar das circunstâncias
Nada disso aconteceu
O homem bebeu a pinga
Virou as costas e adeus
Evitou-se uma desgraça
Graças ao nosso bom Deus.

Pularam os cinco no jipe
Foram embora afinal
Mas suas presenças ali
Não era um bom sinal
Temiam qu’eles voltassem
E lhes fizesse algum mal.

A partir de cinqüenta e um
Colonos chamavam atenção
Tentando as vias legais
Para aquela região
MAS COM
A morte de Pedro Barbeiro
Viram não ter solução.

Os colonos perceberam
Que se fossem se queixar
Em represália as companhias
Mandavam o sujeito apagar
Como exemplo aos demais
Garrar medo e se calar.

Doutor Edu Potiguara
Ao ver Pedrinho Barbeiro
Decidiu apoiar o colono
Lá no dia do enterro
Se tornando aliado
E um grande companheiro.

Vendo aquele cenário
Um buraco ali no chão
A viúva e os filhinhos
Um punhado de terra na mão
Como última despedida
Jogaram sobre o caixão.

O próprio doutor falou
“Senti uma grande revolta
Assistindo aquela cena
Qual coração que não corta
Lutar no lado do povo
Realmente é o que importava”.

Doutor Edu Potiguara
Em Curitiba foi parar
Com o chefe da polícia
Tentou ele negociar
Mas de nada adiantou
Como era de se esperar.

Doutor Edu disse a ele
“Eu lhe trago um aviso
Dos colonos que lá estão
Tratados como a bichos
Se vocês entrarem lá
Não tenho nada com isso
Entram montados em cavalos
E quem sobrar, e se sobrar
Voltam montados em úrico”.

Levando as procurações
Dos colonos à capital
PROCURA
O desembargador Munhoz
Presidente do Tribunal
Que diz não poder se envolver
POR QUE
Para o Tribunal pegaria mal.

Procura a seguir o Executivo
Para resolver a questão
Mas infelizmente constata
Que este era autor por ação
Conivente com as companhias
Através da própria atuação.

Os deputados do governo
Eram contra a solução
Doutor Edu recorreu
Aos deputados da oposição
Que nada podiam fazer
Por ser minoria, eis a questão.

Dirige-se ao comandante
Presidente da quinta região
E solicita que o Exército
Faça uma intervenção
Como último recurso
Conta com Mário Perdigão.

COMO ESTE,
Não tem autoridade
Para uma intervenção
Manda um grupo secreto
Percorrer a região
Fazer um levantamento
De toda a situação
Foi mandado um relatório
Ao Ministro de Guerra então.

Essa atitude do doutor
Eles não deixaram barato
Fizeram-lhe represálias
Ameaças de morte de fato
POR ORDEM
Da chefatura da polícia
Foi preso e pra longe mandado.

Para os colonos fica claro
QUE RESISTIR
Pela força era a saída
Já que através do diálogo
Sua classe não foi ouvida
Lutariam por dois motivos
PELA TERRA
E por suas próprias vidas.





DO PARANÁ PARA O RIO DE JANEIRO



Rumo à Capital Federal
Apesar de serem broncos
Levando o abaixo-assinado
Que estava a algum tempo pronto
Como última tentativa
PARA EVITAR
Um sangrento confronto.

Seo José que ia junto
Por ser o mais instruído
Não pôde sair de casa
Porque como um bom marido
Fica do lado da esposa
Pois tem um recém-nascido.

ROSALINO

Antes de empreender viagem
Foi despedi-se da prima
Desejou-lhe boa hora
Prometeu a Esmerina
No que dependesse dele
Evitaria uma carnificina.

É claro, seria melhor
Se fosse também Raulino
Mas como não pode ir
Conformou-se Rosalino
Agora só ter coragem
Pra falar com Juscelino.

Chegando ao Rio de Janeiro
Coisa igual não tinham visto
Lembraram-se dos companheiros
Eles precisavam ver isto
No que mais se deleitaram
Foi vendo a estátua do Cristo.

“Eu nunca imaginei
Ver um lugar como este”
Enquanto ele procurava
No bolso aquele bilhete
Com o endereço escrito
Do Palácio do Catete.

Othon Mader preocupado
Tentava uma audiência
Pra entrar no gabinete
Falar com Vossa Excelência
Sabiam que precisavam
Um bocado de paciência.

Com sorte não demorou
Instados foram a entrar
Na frente de Juscelino
Foram mandados sentar
Quando inquiridos por ele
Othon se pôs a falar.

Enquanto o senador
Fazia a exposição
Do que estava acontecendo
Lá por aquele sertão
Juscelino escutava
Com a maior atenção.

Porém quando Othon Mader
Falou em intervenção
Lá naquela região
Juscelino transformou-se
Mudando sua feição.

Dá um tapa sobre a mesa
Quase lhe cai o cinzeiro
“Tenho lá no Paraná
Quem lide com esses roceiros
Não me disponho a falar
Com um bando de arruaceiros”.

Augusto se levantou
O mesmo fez Rosalino
Mas continuaram olhando
Nos olhos de Juscelino
Que os fitava também
Como se fosse um felino.

Rosalino tira do bolso
Uma velha fotografia
De um rancho lá na roça
Na frente à grande família
A mulher e treze filhos
Trabalhavam noite e dia
Perguntou a Jucelino
SE DIANTE DELE
Algum bandido se via.

“Se venho lá do sertão
Nesta longa caminhada
Foi pra pedir atenção
A uma classe abandonada
E dizer que seo Lupion
Está lá sem fazer nada
Permitindo a invasão
Por aquela jagunçada
Em terras com produção
Por colonos cultivadas
Sabemos que a intenção
É a terra ser tomada
Expulsando o cidadão
Pras imobiliárias ser dada
Queremos é solução
Pra gente lá massacrada
Que sem uma explicação
É de sua casa arrancada
Se resistir a invasão
São mortas e no rio jogadas
Ao doutor peço perdão
Pela roupa arremendada
Trabalho de pé no chão
Trago a mão calejada
Arruaceiro sou não
Minha arma é uma enxada
Se ao saber da situação
Que foi por nós relatada
O senhor achar então
Que não pode fazer nada
Me prenda porque senão
A luta agora é armada”.

Jucelino ouve calado
Não se sabe o que pensou
Mas convenhamos amigo(a)
Eu, você, caro leitor
Sem dúvida aquele dia
UM ROCEIRO
Deu uma lição num doutor.

Se não ouviram o que esperavam
Disseram o que queriam
Os três saíram de lá
Mas deixaram o que traziam
O enorme abaixo-assinado
Confirmando o que diziam.





A VOLTA PARA O PARANÁ



Na casa de seo José
É dia de alegria
Pois acaba de nascer
A sua última filha
Veio com muita saúde
É uma linda guria.

Otacílio na cidade
Fica sabendo do fato
Pula em sua lambreta
Isso de imediato
Ruma pro km cinco
Como um avião-a-jato.

Ainda longe a lambreta
O ronco escuta Esmerina
Que logo passa a porteira
Da casa se aproxima
Sorrindo sobe a escada
“Eu vim buscar a menina”.

Esmerina não é boba
Tinha no caso pensado
Como é que se sairia
Do infeliz combinado
Otacílio chegou sorrindo
Sorrindo ele foi tratado.

Foi num tom de brincadeira
A mãe pôs-se a falar
“Na verdade eu prometi
Sendo menina te dar
Vou cumprir minha palavra
Dou-te ela pra batizar”.

Seo José e os outros filhos
Suspiram aliviados
Dar aquele bebezinho
Jamais tinham concordado
Nunca aquela menina
Seria deles tirado.

Otacílio compreendeu
No fundo ele já sabia
Que Esmerina como mãe
Jamais doaria a filha
Veio mais pra visitar
E ver o que a comadre diria.





DESCOBRIRAM SOBRE A VIAGEM AO RIO DE JANEIRO




Tudo que é bom dura pouco
Má notícia chega primeiro
Seo José fica sabendo
Através de um mensageiro
Mandado lá da cidade
Avisar os colonos veio
Que a CITLA e os jagunços
SABIAM
Da viagem ao Rio de Janeiro.

Ninguém soube como essa
Notícia se espalhou
Mas o caso é que agora
A coisa se complicou
Os colonos entenderam
Qu’a hora de reagir chegou.

Avisaram Rosalino
Para ele se esconder
Pois ouviram os jagunços
Na cidade prometer
Que matariam a ele
NEM QUE FOSSE
A última coisa a fazer.

Para escapar da morte
Ele foge pro sertão
Abandonando a família
E a sua plantação
Por ter ido ao presidente
Em busca de solução.

Se tivesse sido ouvido
Pelo chefe da nação
Não precisaria agora
Fugir feito um ladrão
Caçado como a bicho
Sem nenhuma proteção.

CHEGA O MOMENTO
Em que a resistência
Começa a ser planejada
Colono através de tocaias
Sua força é demonstrada
As sedes das companhias
À força serão tomadas.

Os colonos se reuniam
À noite e proseavam
De dia, a toda hora
Se comunicando estavam
Tinham de enfrentar pra ver
O exército é o que clamavam.




COMEÇAM OS CONFRONTOS



O momento é de medir forças
Uma luta de vida ou morte
A força ali dos colonos
Fica evidente é mais forte
O JAGUNÇO
Pode matar um aqui outro ali
MAS MATAR
A todos nem por muita sorte.

O primeiro dos confrontos
Entre colono e a jagunçada
Foi no dia 2 de agosto
A data ficou marcada
Por serem mesmo bandidos
NEM MESMO
A bandeira foi respeitada.

No distrito do Verê
Colonos se deram mal
Ao vir um grupo marchando
Na avenida principal
Queriam só conversar
Ninguém ali era o tal.

Vinha um colono forte
Na frente da multidão
Fora expedicionário
Conhecido por Alemão
A marcha era pacífica
Não queriam confusão.

Pra assegurar-se de que
Não seria baleado
Alemão pega a bandeira
E nela sai enrolado
Desse jeito é que morreu
Por balas atravessado.

Com a morte desse colono
Vieram outras conseqüências
As companhias aumentaram
Ainda mais a violência
Os posseiros se uniram
Formando a resistência.

O que mais os fortaleceu
Foi a notícia legal
Que caiu como uma bomba
Vinda lá da capital
Quando em 4 de agosto
O Supremo Tribunal
Anulou o pedido de dação
Já não sem tempo, afinal.

Sete anos na justiça
Terras ficaram em questão
CITLA se dizia dona
Das glebas Chopim e Missões
Supremo julga o recurso
Dá ganho de causa à União.

NUMA
Tentativa desesperada
AS COMPANHIAS
Aumentam a pressão
DISTRIBUINDO
Um aviso aos colonos
DE CAPANEMA
Santo Antônio e Barracão
ELES TINHAM
Trinta dias para comprar
AS TERRAS
E legalizar sua situação.

O que elas não contavam
É que a CANGO entrasse em ação
Enviando uma mensagem
Às rádios da região
Pra que essas imediatamente
Desse ampla divulgação
Que a CITLA não era dona
DAS TERRAS
Esta foi a decisão.

Podemos imaginar
A alegria daquele povo
De corruptos gananciosos
NÃO FOI
Vitima desse logro
E como foi prometido
DAS TERRAS
Tornou-se dono de novo.

AS COMPANHIAS
A partir desse fato
Intensificam a violência
Inconformados com a decisão
Despojados de qualquer decência
Os colonos por sua vez
Respondem com mais violência.

No caso do sudoeste
OS COLONOS
Aprenderam que a união
Vence o poder do capital
NA LUTA
Contra a expropriação
Mas jagunços e companhias
Por vencidos não se dão.

O que muito impressionou
Na reação das companhias
Quando perderam a questão
Ficaram por teimosia
Pensando que a situação
De alguma forma reverteria.

Depois que o Alemão morreu
Enrolado na bandeira
Jagunço comemorou
Pensando que a luta vencera
Mas naqueles poderosos
A HISTÓRIA
Passou uma rasteira.

O que fez com que o colono
Virasse bicho do mato
Foi a violência praticada
Contra um posseiro farrapo
Que na defesa de suas terras
Foi amarrado, surrado e castrado.

Não bastasse tal violência
Seviciaram sua esposa
Estupraram as duas filhas
Que ainda não eram moças
A polícia como sempre
NEM CONHECIMENTO
Tomou de tal coisa.

REVOLTADO
O compadre da vítima
Que também era um farrapo
Pedro Santin e João Lautard
Mais seo Otávio de Matos
Comandaram uma ação
Numa tocaia aos safados.

Joaquim de Matos, O Quinca
Genro de José Raulino
Ao saber que seu parente
Ia atrás dos assassinos
Quis fazer parte do grupo
Arrumou-se e estava indo.

Ali na frente da escola
Com o cavalo encilhado
Despediu-se de Angelina
Do sogro e de seu cunhado
Mas antes dele montar
Algo lhe deixou pasmado.

Lá na estrada vinha um homem
Magro igual a um palito
Barbudo e cabeludo
Com andar meio esquisito
Não fosse tamanha feiúra
Parecia Jesus Cristo.

Ao se aproximar, o homem,
Percebeu os seus receios
“Não se assustem que sou eu
Ainda que pareça feio
Foi só quando ele falou
Qu’a lembrança a eles veio.

Mal podiam acreditar
Parecia um desatino
Como a vida pode mudar
Um homem e seu destino
Quem estava às suas frentes
Era o primo Rosalino.

Levaram-no para dentro
Um banho ele foi tomar
Sentou-se para comer
A fome iria matar
Todos estavam ansiosos
Pra ouvir o que tinha a contar.

Quinca atrasou a viagem
Para ouvir as novidades
Enquanto um “matava” a fome
Outros “morriam” de curiosidade
Querendo ouvir de Rosalino
Quais eram as novidades.

Ao saber que Quinca ia
Seu parente ajudar
“Tire isso da cabeça”
Disse pra ele se aquietar
“Nessa hora já estão
O homem a atocaiar”.

Rosalino já sabia
O grupo estava com gana
Encontrou-os na estrada
À Capanema se manda
Pra emboscar Arlindo silva
Gerente da Apucarana.

Foi em Lageado Grande
Qu’a emboscada aconteceu
Bem nessa localidade
GERENTE
Da Apucarana morreu
Foi um aviso sangrento
QUE O COLONO
Às companhias deu.

Com a morte desse gerente
O COLONO,
Às companhias acena
“Se cuidem porque agora
Estamos entrando em cena”
O medo deles foi tanto
QUE NEM CORAGEM
Tinham de ir à Capanema.

Pros poderosos dali
O crime calou bem fundo
Tanto que daquele dia
BANDIDOS
E funcionários juntos
Recuaram de Capanema
Procurando outro reduto
Transformando Santo Antônio
Em acampamento de jagunço.

Aquela morte causou
Nos homens o maior transtorno
Os chefes das companhias
Queriam fazer um acordo
Foi em Lageado Grande
QUE MARCARAM
Com o povo um encontro.

COLONO NÃO ACREDITA TER ACORDO COM BANDIDO.




A ESTADA DE ROSALINO NA CASA DO PRIMO JOSÉ



Rosalino conta a eles
QUE
Desde a vinda da capital
Anda escondido no mato
Dormindo e comendo mal
Pelos jagunços está sendo
Caçado como animal.

Vez em quando volta em casa
Pra esposa e os filhos ver
Isso com muito cuidado
Sempre no anoitecer
Se caso facilitar
Certamente irá morrer.

Conta que um dia estava
Escondido esperando
Quando perto dele viu
Três cavalos lá pastando
DOIS
Homens atrás de uma moita
Seu rancho negaceando.

Foi saindo de mansinho
Pensou: “agora estou morto
Vi três cavalos e dois homens
Certamente há um outro
Se não me viu tive sorte,
Escapei, mas foi por pouco”.

A família ali na mesa
Suas histórias escutava
Principalmente as crianças
Aquilo lhes encantava
Sem ter a noção de que
A situação piorava.

Outro dia ele viu
Na barranca do Iguaçu
Cinco jagunços trazendo
Um homem totalmente nu
Amarrado pés e mãos
Na cabeça um capuz.

“Quietinho ali fiquei
Escondido atrás de um toco
Vi, não tinha muita idade
Era um rapaz ainda novo
Nisso o jogaram no rio
Com uma pedra no pescoço”.

Eles são interrompidos
Por um grito do terreiro
Avisava que da estrada
Chegavam dois cavaleiros
Rosalino sai da mesa
Pro porão desce ligeiro.

Sabia que seu tempo ali
Não ia durar mais muito
Buscar ajuda do primo
Este foi o seu intuito
Veio recuperar as forças
Para não virar defunto
Faltava morrer de fome!
E não pela ação dos jagunços.

Por uma fresta olhava
Os cavaleiros chegar
Bem na frente da escada
Os dois vieram parar
Primo Zeca perguntou
Em que podia ajudar.

Um deles adiantou-se
Falou sem muito rodeio
“Vim pra falar com vocês
Meu amigo também veio”
José viu, eram colonos
Não precisavam ter receio.

Mandou qu’eles apeassem
Os convidou a entrar
Enquanto Juca e o Jaime
Seus cavalos foram atar
Seo José mandou Isaura
A Rosalino chamar.

Rosalino entrou na sala
Parou bem em suas frentes
Os dois olharam pra ele
Boquiabertos e sorridentes
“Então este é o homem
Que falou com o Presidente!”

Rosalino não sabia
Qu’era tão admirado
Por ter ido ao Presidente
Levar o abaixo-assinado
Sentiu que valeu a pena
Mesmo sendo ameaçado.

Estavam ali reunidos
Zezinho, Jaime, Rosalino,
João Maria, Juca, Bastião,
José, Quinca e Vergulino
Escutando os dois colonos
Dizer à que tinham vindo.

“Viemos de Capanema
Da parte dos colonos de lá
Pra que com todos vocês
Possamos nos ajuntar
Dar um basta na situação
E as companhias enfrentar.

A CITLA quer conversar
Isso é mais um engodo
Querem em Lageado Grande
Se encontrar com o povo
Colono não acredita
Ter com bandido acordo”.

“O que vocês planejaram?”
Pergunta José da Rosa
Sabendo exatamente
Qual era o rumo da prosa
Só que tinha suas dúvidas
Se seu povo ali aprova.

Mas sem nenhum comentário
Deixou o colono falar
“Pedro Santin nos mandou
Pra com vocês combinar
No dia da reunião
Os homens atocaiar”.

Rosalino interrompe
Pergunta como ia ser
Para os colonos de cá
Qual o papel iam ter
Pra participar do ataque
O que precisavam fazer.

“Por enquanto ficarão
Somente na retaguarda
Pra hora em que precisar
Vocês entram na jogada
Após ataque à comitiva
Vamos fechar as estradas”.

José fica aliviado
Mesmo querendo ajudar
Defendendo os colonos
E as terras daquele lugar
Dentro de seu coração
Jamais alguém quis matar.

Seu cunhado Vergulino
Pensava bem diferente
Conhecido ali por todos
Por ser um homem valente
Brigava dando risada
E rindo matava gente.

Encasquetou ir com eles
Para os homens emboscar
José tentou dissuadi-lo
De sua cabeça tirar
Não precisava ir agora
Só mais tarde iam ajudar.

Rosalino interveio
“Primo quero te pedir
Melhor que tens a fazer
Por hora é ficar aqui
Quando eles precisarem
Prontos estaremos pra ir”.

Vergulino afobado
Ao primo não escutou
Encilhou o seu cavalo
No lombo dele pulou
Junto com os dois colonos
Pra Capanema rumou.

Esmerina faz a janta
E serve um café bem quente
Já estava acostumada
Cozinhar pra muita gente
Com a casa sempre cheia
Era assim ultimamente.

Noutro dia Rosalino
Despede-se da família
Promete que sem demora
Ali ele voltaria
Quando fechassem as estradas
Ajudar ele queria.

José lhe dá um cavalo
Comida pra vários dias
Por saber que ficará
Longe de sua família
Até quando, não se sabe
Durará essa agonia.





A EMBOSCADA



O grupo de Pedro Santin
Pra acabar com os invasores
Planejaram em detalhes
Ponderando os fatores
Precisavam acabar
Antes com seus diretores.

O que mais dificultava
Era pegar todos juntos
De dentro dos escritórios
Saiam poucos, não muitos
E as vezes que saiam
Rodeados de jagunços.

Mas a chance apareceu
Com a reunião marcada
Agora pegavam eles
Na tocaia da estrada
Na km 17
Foi armada a emboscada.

Em 14 de setembro
Foi marcada a reunião
No dia 13 bem cedo
Rumaram pro estradão
Esconderam-se no mato
Esperando a ocasião.

Tudo estava planejado
Erro não podia ter
Primeiro furar os pneus
Daí, atirar pra valer
Dentro da camionete
O diretor ia morrer.

Quem era o diretor!
Ninguém ali conhecia
Nem mesmo Pedro Santin
Tinha visto algum dia
Saber disso era básico
Pra não errar a pontaria.

Chama dois homens de lado
Manda à Santo Antônio ir
“Descubram quem é o homem
E voltem logo pr’aqui
Não se pode errar o alvo
E deixar ele fugir”.

Os dois homens a galope
Na cidade foram parar
Descobriram que a noite
Kraemer estaria num bar
Rumaram para o local
Pro homem identificar.

Gaspar Kraemar diretor
Da CIA de Apucarana
Bebia com seus amigos
Cachaça pura de cana
Sentiu-se ser vigiado
Por gente dele estranha.

Pediu para seu capanga
Pr’os homens ele atentar
O jagunço muito esperto
Ouviu ao se aproximar
Um dos homens perguntando
Quem ali era Gaspar.

Quem deu essa informação
Tinha um hotel na estrada
Respondeu só a pergunta
Mas não sabia de nada
Nem sonhava que os colonos
Tinham feito uma emboscada.

Colonos viram Gaspar
E saíram porta-a-fora
Mas nem se deram por conta
Que Kraemer também os olha
Montaram em seus cavalos
Rapidinhos foram embora.

Jagunço veio contar
O que foi que escutou
“Eles queriam saber
Quem era o diretor”
Kraemer franze sua testa
Dessa história não gostou.

Sem que o dono do hotel
Percebesse algo errado
Saíram daquele bar
A noite tinha chegado
Foram ter com os comparsas
Estavam desconfiados.

Confabularam entre eles
Sobre aquela situação
Tinham que rapidamente
Resolver a tal questão
Decidiram os dirigentes
Desistir da reunião.

Os colonos voltam pra estrada
No km 17
“Conhecemos lá o homem
Medo é que ele não mete
Amanhã não escapará
Da mira aqui da vinchester”.

Noite toda de vigília
Esperando amanhecer
Todos estavam nervosos
Com o que ia acontecer
Dentro de bem poucas horas
Muita gente ia morrer.

É que eles não sabiam
Que as coisas tinham mudado
Os líderes das companhias
Por estarem desconfiados
Prepararam uma cilada
Para os atocaiados.

Prepararam a camionete
Com um jagunço guiando
Este, na ignorância
Do que estava se passando
Por certo ele não sabia
Qual era deles o plano.

Junto com esse jagunço
Outro para acompanhar
Sendo dois dos mais ferozes
Dali daquele lugar
O outro também não sabia
O que os estava a aguardar.

Tudo indica qu’esses dois
Elementos Zé Manés
Tinham ordem de dar carona
A quem andasse a pé
Ninguém deles esperava
Essa cilada cruel.

Pegar carona ali era
Costume na região
Ainda mais quando o colono
Saia para o estradão
Caminhava até a cidade
Vender sua produção.

Andavam pela estrada
No dia; doze colonos
Parando a camionete
Ofereceram carona
Colonos entram na mesma
Sem nem fazer cerimônia.

Com eles pegou carona
Aquele homem hoteleiro
Se ele fosse a cavalo
Levaria o dia inteiro
De carro era bem rápido
Chegaria mais ligeiro.

Comandados por Santin
Os colonos na tocaia
Ao surgir à camionete
Na lombada da estrada
Contra ela abriram fogo
Não suspeitando de nada
A camionete ficou
De bala toda crivada.

Por segundos só se ouvia
A saraivada de tiros
O carro desgovernado
Sobre si da quase um giro
Só parando ao bater
Numa tora de angico.

A um sinal de Santin
Vai cessando o tiroteio
Ainda no esconderijo
Espiam só de vesgueio
Sabiam, dentro do carro
“o negócio estava feio”.

Vão saindo um por um
Ali de dentro da mata
Um olho na camionete
O outro na espingarda
Em caso de precisão
Outra vez seria usada.

Os primeiros chegam perto
Do carro furado à bala
Do lado do motorista
É onde Pedro Santin pára
Abre à porta, aquele cai
Ainda com a mão na arma.

Olhando atentamente
É muita gente empilhada
De repente um gemido
Alguém vivo se encontrava
Todos apontam as armas
Que estavam engatilhadas.

“Não atirem”, diz Santin
Ao reconhecer o rosto
Do filho de um colono
Bastante jovem era o moço
Mais gente eles reconhecem
Faltava o pior desgosto.

Percebem que foram Vítimas
D’uma sórdida cilada
Mataram seus companheiros
Sem q’eles fizessem nada
De repente um deles grita
E cai de joelhos na estrada.

Correm acudir a ele
Que chora inconformado
Ninguém entende direito
Porque fala enrolado
“Meu pai! Meu! Está lá
Foi morto por nós, coitado”

Do mesmo jeito que foram
Correm de volta pro carro
O pai morto, do colono
Nesta hora é confirmado
Sem exceção todos eles
Ficam demais revoltados.

Morreram naquele dia
Os dois jagunços da CITLA
Cinco daqueles colonos
Ali perderam a vida
Abrindo no peito deles
Uma enorme ferida.

Devido à revolta deles
Ninguém ali atentou
Pr’os colonos que sobraram
Grande número escapou
Quem não morreu agradece
Graças a Deus se salvou.




A REVOLTA DOS COLONOS



Mais uma vez os colonos
Sentiram-se ludibriados
Tanto pelas companhias
Como por seus comandados
Durante todo esse tempo
O ódio acumulado
Explodiu com toda fúria
Foram atrás dos encarregados.

Sob o comando de Santin
Colonos entram em ação
Dois mil homens reunidos
Para Capanema vão
Tomando aquela cidade
E o campo de aviação.

Os colonos marcham até
O escritório de Lageado
Que pelos seus ocupantes
Foi aquele abandonado
Dele sobraram só as cinzas
Porque foi incendiado.

Elementos das companhias
Fugiam pra Santo Antônio
Mas como a estrada estava
Tomada pelos colonos
Enfiavam-se no hotel
Intimidando seu dono.

O proprietário do hotel
Que era um homem distinto
Seu hotel se situava
No km 35
Junto com aqueles jagunços
Ficou dentro do recinto.

Vergulino que na estrada
Viu um jagunço passar
Esporeou o cavalo
Pro bandido alcançar
Este já dentro do hotel
Lhe sorriu a debochar.

Quis invadir o hotel
E a jagunçada matar
Mas os outros não deixaram
Porque o dono estava lá
Inconformado falou:
“Eles não perdem por esperar”.

Pra casa de seo José
Vergulino é enviado
Indo buscar mais reforço
Lá na casa do cunhado
Precisavam de ajuda
O levante estava armado.

Reuniram as mulheres
Na casa e na escola
Pra juntas elas ficarem
Enquanto estivessem fora
Pois todos os homens dali
Tinham que lutar agora.

Seo José chamou o Jaime
E disse pra ele ficar
O Juca também não foi
Junto ficou pra ajudar
Os dois como responsáveis
De aquelas mulheres cuidar.

Enquanto os homens partiam
Quem ficava ali chorava
Esmerina mulher forte
A cena observava
De repente dá um grito
E ralha com a mulherada.

“O que vocês estão pensando
Assustando os filhos seus
Não foram só seus maridos
Também foi junto o meu
Temos que ter calma agora
E pedir ajuda de Deus”.

Elas foram se acalmando
Param de lamuriar
Cada uma da sua parte
Foram dos filhos cuidar
Torcendo pra que os maridos
Vivos pudessem voltar.

De Santo Antônio à Capanema
A estrada é interditada
Quem passasse por ali
Seria ela revistada
Por isso é que os jagunços
No hotel fizeram parada.

Do escritório incendiado
Fugiram seus ocupantes
Seu refúgio: Santo Antônio
Vindos de Lageado Grande
Contavam que a polícia
Sua segurança garante.

Capanema pros colonos
Tornou-se um referencial
A todo o momento aumentava
O contingente pessoal
Santo Antônio dos jagunços
Tornou-se o quartel general.

Naquelas duas cidades
Ambos passavam sufoco
Pra eles se confrontarem
Faltava mesmo bem pouco
Cada um esperava ser
Atacado pelo outro.

Dado os acontecimentos
Colonos mostram quem são
Apesar dos velhos revólveres
Espingardas de caça e facão
Fazem correr os jagunços
Tomam rédeas da situação.

Ao demonstrar sua força
Colono não se dá mal
Porque o que foi camuflado
Vem à tona afinal
E passa a ser divulgado
Pela imprensa nacional.

Parlamentares que fazem
Ao governo oposição
Aproveitando o momento
Da grande divulgação
Usam a mesma imprensa
Denunciam a situação
Culpando o governo do estado
Por tamanha exploração.

Fosse outra a situação
Reprimido tinha que ser
Era o raciocínio lógico
De quem detinha o poder
Diante dos últimos fatos
Teriam que se conter.

Para fazer retornar
A calma na região
A tática seria outra
Pra resolver a questão
O jeito foi se usar
Métodos de persuasão.

Foi marcado lá em Foz
Do Iguaçu uma reunião
Com colonos revoltados
Nomeado na ocasião
Um delegado especial
PRA PATO BRANCO
Capanema e Beltrão.

Os colonos ao governo
Pediram um interventor
Mas aquele achou por bem
Ainda não se impor
Mandou com o delegado
Junto um observador.

Encontraram Capanema
Praticamente abandonada
Quem não fugiu pr’Argentina
Estavam em barracos acampadas
Pobre da população
Completamente apavorada.

Na cidade de Capanema
Duzentos homens armados
Esperavam o observador
E também o delegado
Para percorrer a estrada
Que eles haviam tomado.

Todos seguiram a pé
Até o km 58
Encontraram ali mil homens
Qu’eram parte do reforço
Estes, com eles andaram
Até o próximo km.

No km 35
Mais de mil homens esperavam
Pediram que intercedessem
Junto ao governo do estado
Pra que medisse as terras
As quais já tinham ocupado
Cultivando e plantando
Faltava ser legalizado.

Ali eles prometeram
Ao problema dar solução
As companhias de terras
Não mais importunarão
Que mandariam soldados
Proteger a região.

Os colonos recuaram
Esperando só pra ver
Se o que eles prometeram
Realmente iam fazer
Se não cumprissem a promessa
A coisa ia ferver.




HORA DE SE UNIR



Esta calma aparente
De tranqüila não tem nada
Quem percorre o sudoeste
Passando pelas estradas
Sente que a batalha final
Ainda não foi travada.

Os jagunços sendo expulsos
Do mato pelos colonos
Foram parar na cidade
Fazer nela o seu dano
Tirando dos moradores
Quase toda noite o sono.

A cidade de Beltrão
A noite parecia morta
À tarde depois das seis
Todos trancavam as portas
Com medo de andar na rua
E por um bandido ser morta.

A atuação das companhias
O meio rural afetava
Também os centros urbanos
A estes, prejudicava
Que vivia do comércio
Da produção que comprava.

Os colonos já não tinham
Mais condição de plantar
Quando faziam a roçada
Vinha ordem pra parar
A terra não era deles
Não podiam cultivar.

Isso não prejudicava
Somente o agricultor
Também o comerciante
Que era seu comprador
Um produzia outro comprava
Comerciante e produtor.

Desde o início do conflito
Havia informação
Entre o morador da cidade
E o colono do sertão
Isso foi muito importante
Para haver a união
A violência aumentava
E com ela a mobilização.

Começa uma luta política
Entre governo e oposição
Aqueles dizem estar tudo bem
Estes já dizem que não
E a violência prossegue
Também a perseguição.

As companhias vendo que
Seu tempo estava contado
Pressionava os colonos
De um modo acirrado
E o clima de terror
Foi sendo esparramado.

O senhor Gaspar Kraemer
Administrador da Apucarana
Dizia; nos cafés, nas ruas,
Nos hotéis de Santo Antônio
Se matassem uns vinte, trinta
Ou quarenta dos colonos
Quem sobrasse fugiria
Deixando tudo em abandono
Ou se acovardaria
E ELES
Completariam seus planos.
Como ele mesmo disse
No norte do Paraná
Aconteceu a mesma coisa
Quando nós chegamos lá
Quem não fugiu ou morreu
Teve que se acovardar.

Também lá em Pato Branco
Como aconteceu em Beltrão
O pessoal da comercial
Usou de intimidação
Dois ou três homens armados
Ostentando a munição
Ficavam nas ruas ou praças
Ameaçando o cidadão.

O uso de ameaças
A intensa covardia
Mostrava o grande medo
Que entre eles havia
E também o desespero
Por parte das companhias.

O que havia acontecido
Em Santo Antônio e Capanema
Foi de grande importância
Pra solução do problema
Foi briga de “cachorro grande”
Com gente que achavam “pequena”.

Depois do que aconteceu
Houve conscientização
Passa a adquirir forma
A idéia de que uma ação
Contra as tais companhias
Resolva a situação
Expulsando-as de vez
Limpando a região.

A tomada de Capanema
E do campo de aviação
Fez acordar o governo
Chamando sua atenção
Agora se posiciona
Não tinha outra opção
Os líderes dos municípios
De toda aquela região
Viram que já era hora
De resolver à questão.

As companhias pressentiam
O que estava por vir
Que mais cedo ou mais tarde
Dali tinham que sair
Se não saíssem por bem
Corridos iam fugir.

Intensificaram ameaças
Junto à perseguição
Tanto lá em Pato Branco
Como em Francisco Beltrão
Pressentiam que os colonos
E líderes da região
Vinham se articulando
Trocando informação
Preparando na surdina
Uma mobilização.

Na cidade de Beltrão
Ninguém queria falar
Andavam sempre ligeiro
Sem nem se cumprimentar
Nas ruas quase desertas
Tinham medo de andar
Isso porque havia
Cheiro de pólvora no ar.

Um sentimento estranho
Às pessoas invadia
Explicar bem o que era
Ninguém ali conseguia
Mas uma certeza tinham
Algo no ar existia.




ROSALINO FOI PEGO



A paciência dos colonos
Já estava saturada
Os atos de violência
Em outubro aumentava
Nesta situação limite
Recuar nem se pensava
Como disse Rosalino
A luta agora é armada.

Com a morte de família
De João Saldanha, o posseiro
Também o espancamento
No rio Chopim, do balseiro
Foi uma pedra jogada
No meio do formigueiro.

Não bastasse tudo isso
Uma notícia geral
Dizia que Rosalino
Deu entrada no hospital
Sua vida corre risco
Ele estava muito mal.

O que havia acontecido
Coisa boa é que não era
De doença poucos morriam
Saúde tinham na terra
Somente o inimigo
Tomba um soldado na guerra.

De fato foi mesmo isso
Que havia acontecido
Rosalino vacilou
Foi pego desprevenido
E sem ter escapatória
Caiu nas mãos dos bandidos.

Há dois dias tinha ido
A família visitar
Como sempre mui saudoso
Mal podia esperar
Para rever sua esposa
E os filhos abraçar.

Como sempre ele fazia
Esperou anoitecer
Aproximou-se do rancho
Espiando só pra ver
Se tivesse alguém estranho
Voltaria a se esconder.

Lá fora tudo tranqüilo
A noite enluarada
Chega à frente do rancho
Abre a porta de entrada
Tira o chapéu da cabeça
Quando escuta uma risada.

Dentro lá da sua casa
Tinha uns cinco jagunços
Vendo o rosto de seus filhos
Horrorizados, confusos
Encurralados num canto
Choravam ali todos juntos.

A mulher entrou em choque
Não conseguia chorar
Porque a voz não lhe saia
Nem que quisesse gritar
Como avisar o marido?
Que estavam pra lhe matar!

A risada que ele ouviu
Dada por um dos bandidos
Que dentro de sua casa
Haviam se escondido
O som dela era sinistro
Doía nos seus ouvidos.

Deparou-se com esta cena
O que podia fazer
Girou sobre um só pé
Dali se pôs a correr
Se chegasse até o mato
Poderia se esconder.

Questão de vida ou morte
Correr precisava mais
Fugir daqueles jagunços
Seria ele capaz?
Bem no meio do terreiro
Foi agarrado por trás.

A mulher mais os seus filhos
Gritavam pr’ele ser solto
Bandido não escutava
Pareciam todos loucos
Só deixaram Rosalino
Quando deram ele por morto.

Jagunços foram embora
Ele jaz ali caído
Filhos perderam o pai
Mulher ficou sem marido
Depois do que aconteceu
Pensaram tinha morrido.

Levaram-no para dentro
Viram ainda estava vivo
Seu estado era grave
Sangrando e muito ferido
Precisava urgentemente
Ser agora socorrido.

Passaram a noite inteira
Tratando dos machucados
Do maior ao menorzinho
Todos ficaram acordados
Quando amanhece o dia
Pra Capanema é levado.

De Capanema ele foi
Mandado para Beltrão
Hospital mais equipado
Que atendia a região
Rosalino ali teria
MAIS
Chance de recuperação.

Nem bem ele deu entrada
Começou a chegar gente
Vieram de todo lado
Companheiro, amigo, parente
Encheu aquele hospital
Mas não eram pacientes.

Seo José, o genro Quinca
E o cunhado Vergulino
Chegaram ao hospital
De Santo Antônio vindo
Precisavam ver de perto
O que tinham feito ao primo.

O povo indignado
Por causa de Rosalino
Ele ficou conhecido
Por ir ter com Jucelino
Quem não o conhecia
Falar dele tinha ouvido.

Por isso aquela gente
Sentia admiração
Por esse colono que
Mesmo sob forte pressão
Destemido exigiu
Seu direito de cidadão.

Mas foi bem por causa disso
Que ele foi atacado
Bandido ali não perdoa
Rosalino foi jurado
No terreiro de sua casa
Foi covardemente surrado.

Não tinham nem digerido
A tamanha violência
Uma noticia causara
Indignação imensa
Dessa vez a crueldade
Atingiu a inocência.




A GOTA D’ÁGUA



No dia nove de outubro
Bem antes de o sol nascer
Chegaram a Pato Branco
Três crianças do Verê
Quando se olhava pra elas
Dava dó só de se ver.

É que o pai de uma delas
No seu juízo perfeito
Entrou com requerimento
Solicitando ao governo
O título de suas terras
Pois dele tinha direito.

Como resposta passou
Ser ameaçado de morte
Junto com os seus vizinhos
Por bandidos de toda sorte
Foram se esconder no mato
Pois o medo foi mais forte.

As crianças pressionados
Por jagunços dos grileiros
Querendo saber dos pais
Qual era seu paradeiro
E como não revelassem
Apanharam de “soitera”.*

O estado dessas crianças
Que chegaram ali bem cedo
Era desesperador
Ver em seus olhos o medo
Por todo corpo vergões
Da grossura de um dedo.

Com esse fato ocorrido
Acabou-se a trégua dada
A surra daquelas crianças
Pr’eles foi a gota d’água
Fez transbordar a revolta
Fez explodir toda a mágoa.

*açoitera (no sul “soitera)

Nesta situação limite
Colono enraivecido
Ou se tem dignidade
Ou tudo estará perdido
A escolha agora é feita
Os riscos são assumidos.

Um grupo de Pato Branco
Outro grupo de Beltrão
Compostos de advogados,
Médicos de profissão
Vinham mantendo contato
E trocando informação.

Com a morte da família
De João Saldanha, o posseiro
Também o espancamento
No rio Chopim, do balseiro
O ataque a Rosalino
A mando lá dos grileiros
Mais a surra das crianças
Vendo o seu desespero
Fez com que as lideranças
Urbanas e seus parceiros
Decidissem pela luta
Se juntando aos posseiros.

Figura conhecidíssima
Por sua honestidade
Ficou muito revoltado
Ao ver tamanha maldade
Foi até a delegacia
Foi ao fórum da cidade
Na prefeitura não teve
Sequer solidariedade
Voltou para o delegado
Apelando pela amizade.

O delegado lhe disse:
“Só porque sou seu amigo
Saio agora da cidade
Pra serraria eu sigo
Fecho os olhos e confio
O resto fica contigo”.

Pela rádio da cidade
O povo foi sendo chamado
E na casa paroquial
Foram sendo ajuntados
Com políticos e o prefeito
Porém sem o delegado.

Decidiu-se, à Curitiba
Iria uma comissão
Falar com autoridades
Trazer uma solução
Este era o seguinte
Teor da resolução.

“Em vista da gravidade
Dos últimos acontecimentos
Que aqui no sudoeste
Vem deveras ocorrendo
Todo dia uma notícia
Mais um colono morrendo.

Dois Vizinhos e Verê
Comarca de Pato Branco
Santo Antônio e Capanema
Marrecas são que desapontam
Em termos de atrocidades
Por parte dos que comandam.

Enlutam muitas famílias
Denigrem, nós brasileiros
Não só dentro do Brasil
Como também no estrangeiro
Humilhando e assassinando
O trabalhador roceiro.

Matança sem precedente
Feita por gente malvada
A mando da companhia
Que está aqui sediada
Atacando, enlutando,
Mutilando a colonada.

São eles bravos colonos
Radicados na região
Tendo por égide, o cruel
Assassinato de Pedrão
Vereador lá do Verê
Que lutava contra a invasão.

Lembrando recentemente
Do duplo assassinato
No dia seis de agosto
De dois colonos pacatos
Eles só queriam ser
Donos da terra de fato.

Culminando com o atroz
E bárbaro espancamento
Da família de Otto Schwarz
Levado mato adentro
Está desaparecido
E a família num tormento.

Considerando também
Um lar que foi saqueado
Na casa de seo Rodrigues
Tudo foi incendiado
Esse fato ocorreu
Há quatro dias passado
Tendo ele mesmo assistido
O que foi efetuado
Em sua sobrinha menor
Viu tudo petrificado
A vida pra essa garota
Tinha apenas começado
Quatorze anos de idade
Seus sonhos foram cortados
Deixando sobremaneira
O povo indignado.

Para todos os partidos
Políticos da região
O choque não foi menor
Também a indignação
Por isso em Pato Branco
Fez-se uma reunião.

No dia 9 de outubro
Com uma consideração
Visto ainda ser notório
A pretendida invasão
Por aqueles elementos
Bandidos sem coração
A mando das companhias
De olho na colonização
Na casa dos bravos colonos
Que trabalham este chão
Sendo que tais fatos foram
Levados a Lupion
Que ignorou os apelos
Até hoje sem solução.

Em sinal de forte protesto
Por tanta brutalidade
Sofrida pelas famílias
E em solidariedade
ESTA
Comarca cerra as portas
Do comércio da cidade.

Cria uma comissão
Composta dos presidentes
Dos partidos políticos
Todos aqui residentes
Em defesa dos direitos
Democráticos vigentes
Dos colonos tendo, em vista
Um massacre iminente.

Essa comissão irá
Em caráter especial
A fim de dar ultimato
Aos senhores da capital
Que representem os poderes
JUDICIÁRIO,
Executivo e militar.

Aos senhores desembargador
Presidente do Tribunal
De Justiça e Comandante
Da 5º Região Militar
Vimos cá através desta
Aos senhores comunicar
A deliberação tomada
Em caráter emergencial
Na reunião e pedir
Urgência em retirar
As referidas companhias
Colonizadoras ou sustar
As suas atividades
Das terras deste lugar
Em caráter litigioso
Na esfera Judicial-Federal
Têm o prazo de três dias
Pra essa atitude tomar
E no prazo de doze horas
Pr’esse memorial apresentar
Aos respectivos poderes
Judiciário-Federal
Sob pena da comissão
Se dirigir até lá
E com o Ministro de Guerra
Teixeira Lot falar
Num verdadeiro apelo
Pra uma solução ele dar”.

Isso que foi decidido
Quando acaba a reunião
Quase imediatamente
Viaja a comissão
Direto pra capital
Levando a resolução.




O LEVANTE
Em Pato Branco



O chamado pelo rádio
De pronto foi atendido
O número de pessoas
Era significativo
Quem não escutou o apelo
Seguiu a quem tinha ouvido.

Vendo que não tinha jeito
O governo estadual
Sentindo-se ameaçado
De intervenção federal
Manda fechar os escritórios
Das companhias, Comercial
CITLA e Apucarana
Não sem tempo afinal.

No entanto os colonos
Por vezes feitos de bobo
“È mais uma das promessas
Vão nos enganar de novo”
E a rádio ia chamando
E ia ajuntando o povo.

A ordem de fechamento
Não foi o suficiente
Pra demover os colonos
Do que eles tinham em mente
E a rádio ia chamando
E ia ajuntando mais gente.

Mesmo porque já se havia
Acertado com Beltrão,
Capanema, Pato Branco,
Santo Antônio e Barracão
A tomada dessas cidades
Numa secreta reunião.

Na noite 9 de outubro
O pessoal lá de Beltrão
Atendeu o chamado urgente
Para uma reunião
Tomar a cidade iriam
Esta foi a decisão.

A decisão de tomar
A cidade de Beltrão
Fez com que Pato Branco
Tomasse uma posição
Nem esperando a resposta
Da dita cuja comissão
Que estava na capital
Buscando uma solução.

A partir desse momento
O movimento se amplia
Indo pra outros municípios
Que ao chamado atendia
Lutar, lutar e lutar
Era a ordem do dia.

Organizaram-se em grupos
Em forma de pelotões
Cada um tinha um chefe
Que dava orientações
Guarneciam a cidade
Conforme as instruções.

Com vinte ou trinta homens
Os pelotões eram muitos
Estradas, pontes, hospitais,
Rádio e lugares públicos
Missão: revistar ônibus
E os que viajassem juntos
Pra ver se neles não vinham
Armamentos e jagunços.

Nisto chega à cidade
A mando de Lupion
Um major pra apaziguar
Toda a população
Aterrissa no aeroporto
Nem bem pára o avião
Vê que o mesmo é cercado
Por uma grande multidão.

Dentro de um carro de praça
Na rádio eles vão parar
Entrevistado ele disse
Veio ali pra apaziguar
Protegê-los dos jagunços
Que ainda estivessem por lá.

A cidade em polvorosa
Quase que em pé de guerra
Pessoas todas armadas
Da mais nova a mais velha
Defenderiam a bala
Um ataque aquelas terras.

Em Francisco Beltrão

O movimento adquiriu
Muito maior expressão
No município vizinho
Na cidade de Beltrão
Qu’era sede dos escritórios
Das companhias em questão.

O município se tornou
Refúgio da jagunçada
Que vieram de Pato Branco
Agora recém tomada
Também lá de Capanema
Pelas companhias fechadas.

A surra das três crianças
Que revoltou todo mundo
Como lá em Pato Branco
Em Beltrão calou bem fundo
Esta foi a gota d’água
Que faltava pro infortúnio.

A revolta transformou-se
Em violência sem igual
Extrapolando questões
Meramente comercial
De terras e econômicas
Atingindo dimensão tal
Que lutar contra as companhias
Tornou-se uma questão moral.

No dia 10 de outubro
As lideranças de Beltrão
Convocaram quem puderam
Para uma reunião
E como estrategistas
Traçaram um plano de ação.

O que ficou decidido
Ali naquela reunião
Seria feito na rádio
Um chamado á população
Pra vir tomar a cidade
Todos de arma na mão
Isso imediatamente
Pra acabar com a invasão.

Mas esta convocação
Seria de última hora
Eles teriam que vir
Logo sem muita demora
Pra evitar que as companhias
Ao saber fossem à forra.

Lá pelas 14h00min
Reuniram o pessoal
Pra conversar em secreto
Precisavam de um local
O lugar menos suspeito
Seria o hospital.

Na reunião decidiram
À casa do juiz ir
Batendo eles na porta
O doutor veio abrir
Ao ver toda aquela gente
Pressente o que estava por vir.

“Olha doutor nós chegamos
A seguinte conclusão
Do jeito que a coisa está
Não vai ficar assim não
Como ninguém resolveu
Vamos dar a solução.

É em sinal de respeito
Que viemos lhe informar
Vamos tomar a cidade
Um conselho vamos dar
É melhor ficar em casa
Em prisão domiciliar.

Aqui não é novidade
Ninguém gosta do senhor
É melhor ficar quieto
Fingir que está com uma dor
Se sair de sua casa
Estará preso “doutor””.

Depois de prender o juiz
Os homens preocupados
O comandante do exército
Teria de ser avisado
Foi isso qu’eles fizeram
Deixando tudo acertado
Logo em seguida os colonos
Começaram a ser chamados.

Às duas horas da tarde
A rádio começa a chamar
Os colonos pra cidade
De Beltrão para lutar
Contra aquelas companhias
Não dava mais pra esperar.

O Chamado

“Trabalhadores da roça
Gente humilde do sertão
Que até agora trabalhou
Lavrando e plantando o chão
Mas por nossos governantes
Só sofreu ingratidão
Verdadeiros brasileiros
Convocados hoje são
A lutar como soldados
Na cidade de Beltrão”.

De volta ao hospital
Depois da mensagem dita
Avistaram uma pessoa
Que lhes parecia aflita
Veio ali falar com eles
Um emissário da CITLA.

“Não sei o que está havendo
No rádio ouvi uma notícia
Os senhores lá estiveram
Deram até uma entrevista
Estamos bem preparados
Do nosso lado está a polícia.

O contingente policial
Faz a segurança da CITLA
Se vocês nos enfrentar
Irão perder muitas vidas
Nós não queremos lutar
Nós não queremos ter briga”.

“Não vamos voltar atrás
A decisão está tomada
Quando queríamos falar
Vocês não disseram nada
Fizeram sim foi “calar”
Por meio da jagunçada
A coisa assim vai andar
A guerra foi proclamada
Atrás não vamos voltar
A revolta agora é armada”.

O medo da comissão
Era de que o colono
Não atendesse ao chamado
Ou chovesse e o lodo
Prejudicasse as estradas
Estragando assim seus planos.

Logo em seguida ao aviso
Começou a chuviscar
E os jagunços à cidade
Começaram a chegar
Muitos, armados e de jipe
Prontos estavam pra lutar.

A expectativa era grande
Depois da convocação
Após ter dado o aviso
A toda a população
Ficar dentro de suas casas
O clima é de tensão
Cada pouco um saia
Para expiar do portão.

Só depois das 15h00minh
Acalmam-se os corações
Chegam ali Na cidade
Os primeiros caminhões
Cheios de colonos vindos
Dos mais diversos rincões.

De são Miguel, Jacutinga,
Linha Gaúcha, Rio do Mato,
Vieram ali de perto
Ou de lugares remotos
Onde não havia condução
A pé, de carroça, a cavalo
Respondendo prontamente
Ao repentino chamado.

Às 18h00min horas da tarde
Três mil pessoas chegadas
Armadas com o que dispunham
Pedaços de pau, enxadas
As armas de fogo que tinham,
Só de caça, espingardas.

Reunidos os colonos
E por unanimidade
Decidiram prontamente
Chegou a hora da verdade
Um grupo foi guarnecer
As entradas da cidade.

Ninguém ali entrava
Se viesse pelo chão
Mas pelo ar poderiam
Chegar lá de avião
Por isso encheram de toras
O campo de aviação.

Um dos chefes dos colonos
Com mais alguns companheiros
Foram vigiar o campo
Junto às toras de pinheiro
Sem dali arredar o pé
Guarnecendo o tempo inteiro.

O próximo passo é prender
O pessoal das companhias
Sem pestanejar rumaram
Até a delegacia
Precisavam descobrir
Quantos presos lá cabiam.

Chegando lá já disseram
“Precisamos da cadeia”
Só então eles perceberam
Que a cela estava cheia
Tinham doze homens presos
Dentro daquela cadeia.

Pondo todos numa sala
Começaram a falar
Vocês vão pras suas casas
Até tudo terminar
Quando isso acontecer
Mandamos a vocês chamar
Pela rádio da cidade
Um aviso vamos dar
Quem não vier espontaneamente
Nós vamos mandar buscar
Não adianta se esconder
Onde estiver vamos achar.

Cada um pra sua casa
A cadeia ficou vazia
Assumiram o controle
Daquela delegacia
Também o da prefeitura
Junto com a coletoria.

Com a cidade tomada
Totalmente pelos colonos
Jagunços qu’eram valentes
Matavam pra ver o tombo
Enfiaram o “rabo” entre as pernas
Feito cachorro sem dono.

A companhia pegou
Todo o seu pessoal
Junto com a jagunçada
Trinta eram no total
Enfiaram-se nos escritórios
Da companhia Comercial.

Fazia alguns instantes
Que lá tinham se trancado
Perceberam que o escritório
Havia sido cercado
Sair de lá nem pensar
Estavam encurralados.

Os colonos deram a eles
Chance de negociar
Um deles foi até lá
Pediu pra eles se entregar
Seis mil colonos lá fora
Loucos para se vingar.

O chefe dos escritórios
De “nariz arrebitado”
Respondeu a tal proposta
Sem ter ao menos pensado
“Se eles vierem aqui
Nós estamos bem armados
Vamos é nos defender
Desse povo alucinado.

O mensageiro responde
“O senhor tome tenência
Se lhe falta sensatez
Use a inteligência
Agora nós não mais pedimos
Fazemos é exigência.

Lá fora há seis mil homens
Esperando um aviso
Se vocês não se entregarem
É só o que eles precisam
Para invadirem esse local
E não deixar aqui um vivo.

Entreguem as suas armas
Revólveres e carabinas
Por estar em minoria
Só isso já desanima
Estou querendo evitar
Uma grande carnificina”.

Disse como se daria
A prisão desses sujeitos
Presos seriam levados
Direto para o exército
Em viaturas e caminhões
É o que seria mais certo.

Tinham que se decidir
Em meio aquele sufoco
Acabar com a raça deles
Os colonos estavam loucos
Para invadir o local
Faltava mesmo bem pouco.

Pecóits disse a eles
“Tenho agora que sair
Pensem bem nessa proposta
Depois eu volto aqui
Se vocês não aceitarem
Ninguém sai vivo daqui”.

Descendo aquelas escadas
Foi seguido pelo diretor
Das companhias, que disse:
“Olha prezado doutor
Conto com sua palavra
Vou confiar no senhor”.

Como prova ele tira
O revólver da cintura
Encara a realidade
Embora pareça dura
Sabe que aqueles colonos
Não vão mudar de postura.

Doutor Walter pega a arma
E sai mostrando que a tem
Fala àqueles revoltosos
“Não vamos matar ninguém
Deixem que eles decidam
Que sorte é que eles têm”.

Pecóits vai para casa
Esperar a decisão
Nesse ínterim os colonos
Que impacientes estão
Se juntam e descem a rua
Pra Comercial eles vão.

O pessoal da companhia
Vê aquela multidão
Mais ou menos uns trezentos
Vindo em sua direção
Pegam os carros, e fogem
Pro campo de aviação.

Doutor Walter fecha o campo
Pra eles não escapar
Segue para o quartel
Com o comandante falar
Pra que ele autorizasse
Deixar os homens presos lá.

Precisavam de uma ordem
Da 5º região militar
Pra que todos aqueles homens
Fossem levados de lá
Passaram vários rádios
E nada de autorizar.

O tempo ia passando
Os colonos injuriados
Ao doutor Walter Pecóits
Eles mandaram um recado
Ficariam só mais um pouco
Mantendo o campo cercado.

Esperariam até
Antes do anoitecer
Se até àquela hora
A ordem não acontecer
De levá-los pro quartel
Chefes e jagunços prender
Seriam atacados por eles
E todos iam morrer.

Como demorava muito
Pra resolver o impasse
O receio dos colonos
É que a noite chegasse
A jagunçada fugisse
E suas famílias pegassem.

Às 17h00min horas
Veio a autorização
O exército foi até
O campo de aviação
Tirando eles de lá
Dentro de um caminhão.

No outro dia saíram
Pelo exército escoltados
Pra cidade de Clevelândia
Seriam todos transportados
Não sem antes escutarem
De seo Walter um recado.

“Desejo-lhes boa viagem
Só quero lhes informar
Que vocês estão saindo
Desta vez pra não voltar
Quem acaso não ouvir
E cá queira retornar
Será devolvido morto
Pra nem a história contar”.

Vergulino que dali
Não tinha arredado o pé
Ficou vigiando o primo
No hospital com seo José
Ao se deparar com um jagunço
Ficou de orelha em pé.

Aquele olhou pra ele
Com o dedo apontado
Atrevido lhe falou
Com um riso debochado
Você parece seu primo
Só lhe faltam os machucados.

Ele saca o revólver
E quando vai atirar
Os colonos pulam nele
Fazem a arma baixar
“Não aceite ironia
Ele quer te provocar”.

Vergulino confirmou
O que estava a suspeitar
Quem esteve lá no rancho
A Rosalino atocaiar
Dos bandidos o pior
O jagunço “Maringá”.

Quando estavam já na ponte
Doutor Walter aproximou-se
De Marquette, e entregou-lhe
O revólver que dele trouxe
“Não vai me servir de nada
Mesmo que preciso fosse”.

Ele foi o único homem
Que saiu dali armado
Todos os outros que se foram
Por soldados escoltados
Levaram nem canivete
Foram embora desarmados.

Mas nenhum daqueles homens
Na verdade ficou preso
Ao contrário até ganharam
Muitos deles um emprego
Protegidos da polícia
Não precisavam ter medo.

Ao jagunço “Maringá”
Deram uma função maneira
Agora legalizado
Pra fazer mais bandalheira
Foi servir como “quarteirão”
Da polícia em Medianeira.

A cidade virou festa
Quando eles foram embora
Entraram nos escritórios
Pegaram as promissórias
Quebraram tudo lá dentro
Comemorando a vitória.

A rua ficou coberta
De tanto papel picado
Promissórias em pedaços
Foi este o troféu ganhado
Alívio mais alegria
Nos seus rostos estampados
Sabiam, daquela dívida,
Tinham sido exonerados.

Foi arrancada a placa
Da principal avenida
Não porque ela era feia
Ao contrário era bonita
Mas porque naquela placa
Constava o nome da CITLA.

Com a cidade tomada
O povo todo na praça
De repente um avião
Voando baixo ele passa
Ruma para aeroporto
Atrás fica só fumaça.

Três caminhões para campo
De aviação rumaram
Cheios de homens armados
Com objetivo claro
Tinham que tirar do campo
As toras que lá botaram.

Assim que o campo foi limpo
Avião pode aterrissar
Descendo dele o chefe
De polícia do Paraná
Com um coronel do Exército
Que veio pra observar.

Pinheiro Junior pediu
Que o piloto aguardasse
Que dentro de meia hora
Pr’ali ele retornasse
Resolveria a pendenga
Pra que logo decolassem.
Pinheiro Junior partiu
Em direção à cidade
Pecóits chama um colono
Do aeroporto responsável
Pede que vá ao avião
E ao piloto ordenasse
Que já imediatamente
Vôo ele levantasse.

Quando o chefe de polícia
No prédio da rádio entrava
Encontra ali lideranças
Que a espera dele estavam
Nisso escuta o avião
Que a cidade sobrevoava.

“O senhor disse ao piloto
Meia hora estou de volta
Um tempo suficiente
Pra resolver esta “majorca”
Saiba, o senhor está preso
Hoje, não mais embarca”.

Pinheiro Junior não se abala
Era um homem de coragem
Ao perceber que o avião
Sobrevoava a cidade
Diz que veio até ali
Estabelecer a verdade.

Os homens ali reunidos
Fizeram uma exposição
Do que vinha acontecendo
No município de Beltrão
Também em todo sudoeste
Qual era a situação
Lá fora colonos gritavam
Batendo na porta e no chão
Amos matar esse cabra
É amigo de Lupion”.

Realmente ele viera
Acalmar a região
Esperto o governador
Deu-lhe expressa recomendação
Atacar direto o problema
Que vem causando agitação.

Atende todas as exigências
Impostas pela comissão
Substituiu o delegado
Ao promotor exoneração
Transferiu de lá o juiz
Acabou com a perseguição
Tirando de imediato
As companhias da região.

Tudo isso aquele dia
Ficou entre eles acertado
Colono podia ir embora
Tranqüilo e sossegado
Doutor Walter Pecóits
Foi nomeado delegado.




Em Santo Antônio

O cerco ao hotel


José, o genro e cunhado
Pra trás deixam o hospital
A cidade em alvoroço
Situação infernal
Dirigem-se á Santo Antônio
Pra se juntar ao pessoal.

Se o chefe de polícia
Com inteligente ação
Conseguiu acalmar os ânimos
De Pato Branco e Beltrão
O mesmo não aconteceu
EM SANTO ANTÔNIO
Capanema e Barracão.

Respondendo o chamado
E em solidariedade
Ao pedido de Beltrão
De vir tomar as cidades
Os municípios de fronteira
Aos centros urbanos invadem.

Colonos de Santo Antônio
Ofendidos e muito brabos
Porque Adão Vasconcelos
Tinha sido exonerado
Por se negar a persegui-los
Enquanto fosse delegado.

O intuito do movimento
Forçar as autoridades
A retirar as companhias
Como nas outras cidades
Pra isso estavam contando
Com sua boa vontade.

Como não adiantou
Apelar pro coração
Colonos entenderam que
Não tinham outra opção
Por isso é que o movimento
Tomou outra proporção.

Quinca, José e Vergulino
Saíram na galopada
Dali não muito distante
Encontraram a colonada
Que dão aviso a eles
“Não andem pela estrada.

Vocês podem ir em frente
Mas andem dentro da mata
Porque aqui pela estrada
Só jagunço é quem passa
Agora é nossa vez
De acabar com essa raça”.

Embora José soubesse
Da importância do chamado
De ir tomar as cidades
Todos tinham concordado
Mas algo de estranho havia
Com aqueles revoltados.

Nisso escutam novamente
O colono, que falou
“Uma renca de jagunços
Faz pouco que aqui passou
Pro km 35
No hotel se enfiou.

Observando da mata
Onde estavam escondidos
Só barrando a passagem
De quem fosse conhecido
Deixando passar apenas
Criminoso e bandido.

Os jagunços que saíram
De Pato Branco e Beltrão
Estavam indo pra lá
Santo Antônio e Barracão
Fugir para a Argentina
Essa era sua intenção.

Antes de seguir viagem
Fizeram uma parada
Como era de costume
No hotel lá da estrada
Bebendo, fazendo farra
E soltando gargalhada.

Mal sabiam os jagunços
O que estava por vir
Se desconfiassem da sorte
Não passavam por ali
Nessa noite não teriam
Motivo para se rir.

Seo José observava
Cada rosto que estava ali
Uns mostravam preocupação
Outros não cabiam em si
Esperando para ver
O que estava por vir.

Eles entraram na mata
Cortando pelas picadas
Não se afastando muito
Sempre costeando a estrada
Tinham pela sua frente
Uma longa caminhada.

De quando em quando topavam
Com homens dentro do mato
Ocultos atrás das moitas
Agis como se fossem gatos
Tenteando quem passava
Na estrada ou no mato.

A tarde vinha caindo
O sol já vinha se pondo
O cavalo se assusta
Vergulino leva um tombo
Do jeito que cai no chão
Pula de novo no lombo.

Foi então que perceberam
A baita cobra enrolada
O guizo que chacoalhava
A cabeça levantada
Não podiam atirar
Pra atenção não ser chamada
A única solução
Era matar a paulada.

Vergulino é quem pula
Mata com um pau o cobrão
Só então sente a dor
Ao botar o pé no chão
Não foi mordida de cobra
Apenas uma torsão.

De repente um assobio
Olham para todo lado
Por entre aquelas taquaras
Enxergam um descampado
Muitos homens reunidos
Num enorme aglomerado.

Eles acenam com a mão
Pra os três se aproximarem
O que estão lá acertando
São os últimos detalhes
Para que dê tudo certo
E o plano deles não falhe.

Dividiram-se em três turmas
A coisa foi assim dita
Uns vigiam o hotel
Outros vão lá pra Planchita
O resto vai à Santo Antônio
Pegar os caras da CITLA.

Daquela hora pra frente
O grupo foi separado
Quinca foi para Planchita
COM O
Grupo que havia ficado
Seo José pra Santo Antônio
Partiu para outro lado
Vergulino ali ficou
Pois tinha o pé machucado.

Os homens que ali ficaram
Saíram atrás dos bandidos
Na frente lá do hotel
Dentro da mata escondidos
Do outro lado da estrada
Observando o inimigo.

De dentro da mata viam
No hotel o movimento
O dia ia sumindo
Já vinha anoitecendo
Para atacar o hotel
Esperavam só o momento.

Ao virem de Capanema
Com a passagem liberada
Uns ficavam no hotel
Outros seguiam a estrada
Mas não iam muito longe
Encontravam-na trancada.

Voltavam para o hotel
Esperando o outro dia
Era exatamente isso
Que o colono queria
Quanto mais jagunço lá
MAIS
Completa a tarefa seria.

E foi assim desse jeito
Que lidaram com o problema
Deixaram livre a estrada
Que vinha de Capanema
Trancaram a de Santo Antônio
Pros jagunços um dilema.

Havia escurecido
A noite tinha chegado
Se via pelas janelas
Todos quartos ocupados
Pela luz vinda de dentro
Dessa casa de sobrado
Como nunca se deu antes
Hotel estava lotado.

Não era a primeira vez
Em que o hotel foi cercado
Mas esta era diferente
Tudo estava planejado
Nem mesmo o dono do hotel
Tinha sido avisado.

Esperaram mais um pouco
Quando as luzes apagaram
Mais ou menos dez colonos
Até o hotel rastejaram
Dois deles pela cozinha
Com cuidado adentraram
Procurando pelo dono
Nesta hora lhe avisaram.

Ele pegou a família
Saiu rápido dali
Nessa hora não tiveram
Nem tempo de se vestir
Do jeito que estavam se foram
Com a roupa de dormir.

Só então é que os colonos
Com galões de gasolina
Contornaram aquele hotel
Esparramando tudo em cima
Jagunços nem desconfiavam
Que teriam esta triste sina.

Tocaram fogo e correram
Pra de longe observar
O fogo se alastrou
Hotel começa a queimar
Demorou mais que o previsto
Pros jagunços acordar.

Jagunços apavorados
As janelas começam a abrir
“Fogo! Fogo!” eles gritavam
“Temos que fugir daqui”
Na correria danada
Procurando onde sair.

Colono agora não mais
Escondia-se no mato
Vieram para a estrada
Em frente ao hotel parados
Mais ou menos uns dois mil
Até os dentes armados.

Se no maio deles tinha
Um ou outro fanfarrão
Mas a grande maioria
Lutava pela razão
Foram levados a isso
Para defender o seu chão.

De longe eles olhavam
A força do fogaréu
Que ia se alastrando
Queimando inteiro o hotel
As chamas subiam alto
Clareando todo o céu.

Permaneciam assim
Com as armas apontadas
Em direção ao hotel
E todas engatilhadas
Dali ninguém sairia
Pra contar sobre a emboscada
Morreriam à bala
Ou então dentro queimadas.

Os jagunços no hotel
Tinham nenhuma opção
Se chegassem até a janela
Era tiro de montão
Se pulassem através dela
Tempo eles teriam não
De se arrepender dos pecados
E deles pedir perdão
Morreriam picados de bala
Antes de cair no chão.

Foi exatamente isso
Com muitos aconteceu
Ao pular lá da janela
Pra escapar do fogaréu
Foi alvejado a bala
De qualquer jeito morreu.

Nenhum arredou o pé
Ali daquele lugar
Que ninguém escaparia
Queriam se certificar
Ficaram pra ver até
O hotel inteiro queimar.

Vergulino que está junto
A toda cena assiste
Com fama de “pavio curto”
Acha que de vez desiste
Percebe que matar gente
É uma coisa muito triste.

Assim mesmo ele queria
Que um deles estivesse lá
Este, ele não escondia
Querer dele se vingar
Preferência até pedia
Pra poder aquele matar
Foi quem surrou Rosalino
O jagunço “Maringá”.

Mas isto era impossível
Pois o tal de “Maringá”
Foi preso em Francisco Beltrão
E levado embora de lá
Por isso não tinha jeito
De ele ter vindo pra cá.

Em meio aquela desgraça
Uma cena engraçada
Da mulher que pinoteava
Muito louca desvairada
Quem ouvia essa história
“Morria” de dar risada.

No meio do tiroteio
Aparece a mulher
Ninguém sabe donde veio
Ninguém sabe quem ela é
Só se sabe que pulava
Como um saci num só pé.

A mulher estava tirando
Água ali do poço
De repente uma bala
Passa raspando o pescoço
A gritaria que fez
De ouvir dava desgosto.

Com o cabelo cumprido
Um coque ela enrolou
Mas como pulava muito
O coque dela soltou
Em vez de cair nos ombros
O cabelo arrepiou.

Essa história foi contada
Mas ninguém sabe quem é
Diz que quem matou os bandidos
Foi aquela tal mulher
Jagunço morreu de susto
Ao ver seu cabelo em pé.

Hotel ainda em chamas
O plano saiu perfeito
Homens levantam as armas
Sai-lhes um grito do peito
Um grito não de vitória
Mas pelo que hoje foi feito.

O dono do hotel voltou
Pro seu Rio Grande querido
Deixando somente cinzas
Do que havia construído
Esse hotel nunca mais foi
No lugar reconstruído.

Ninguém mais naquela estrada
Queria por lá passar
Pois diziam que assombrado
Ficou aquele lugar
Que a noite escutavam gritos
Isso era de arrepiar.




A TOMADA DA DELEGACIA EM SANTO ANTÔNIO




Direto à Santo Antônio
O grupo de Augusto Pereira
Galopando a cavalo
Apesar de toda canseira
Não poderiam perder
ESSA FAIXA
De terras na fronteira.

Eram 23h00minh
Do dia 12 de outubro
O amigo de Rosalino
Juntamente com seu grupo
Cercou a delegacia
Seo José estava junto.

Tomar a delegacia
Tentado os colonos tinham
Que estava sob a guarda
Do subtenente Coutinho
Quando chega de repente
O delegado Licínio.

Quase que imediatamente
Os colonos cercam o jipe
Perguntam a ele quem é
“Entrar aqui não se permite
--Sou delegado especial
Ninguém aqui se arrisque
Impedir minha entrada
Senão vocês vão “`pique”.

Ato contínuo empunha
Um revólver na direção
Do seu interlocutor
Que fixa em sua mão
Na mesma hora os colonos
Dão-lhe voz de prisão.

Estando doutor Licínio
Armado de metralhadora
Pra polícia fazer fogo
Gritou, sua voz ecoa
Primeiros tiros são dados
Contra muita gente boa.

É tiro pra todo lado
As balas cruzam no ar
Colono atira daqui
Polícia atira de lá
Se no meio alguém estivesse
Peneira ia virar.

José Raulino se esconde
Atrás de um grande pilão
Os colonos se defendem
Rolando ali pelo chão
Polícia pula no jipe
No meio da confusão.

Mas não durou muito tempo
Toda aquela estripulia
Os tiros que ecoavam
Agora não mais se ouvia
Acabou-se o barulho
Tudo aquilo silencia.

Como não tem calçamento
Virou só um poeirão
Que levantou para o ar
Na hora da confusão
Só acaba por completo
Quando assenta no chão.

A polícia se entrega
Isso acaba com o conflito
Apesar do tiroteio
Nenhum morto tinha sido
Incluindo doutor Lacínio
Um saldo de seis feridos.

Uma decisão impensada
Do delegado lacínio
Deflagrou esse conflito
Por falta de raciocínio
Por pouco isso não causa
Deles todos extermínio.

Na manhâ do dia 13
Colono ameaça ir
Depredar todas as casas
De quem morava ali
Que havia colaborado
Com invasores dali
E para conseguir armas
O fórum iam invadir.

Entraram no hotel Masiero
Onde haviam se hospedado
Investigadores da policia
Agora refugiados
Na vizinha Argentina
Pra onde tinham escapado.

Tendo os hóspedes fugidos
Em seus quartos penetraram
Procurando armas nos mesmos
Três winchesters encontraram
E várias caixas de balas
Seiscentos tiros totalizaram.

Foram direto pra casa
Do advogado da CITLA
Encontraram dinamite
Mas o que mais os irrita
É ter encontrado ali
As promissórias malditas.

Acabaram com os documentos
Tomados de indignação
Contratos e promissórias
Assinados sob coação
Fazendo naquela casa
Completa depredação.

Como nas demais cidades
Havia preocupação
Que rumo é que se daria
A tal movimentação
Também ali se formou
Uma outra comissão.

A primeira coisa feita
Destituir o delegado
Colocar em seu lugar
Quem avia recusado
De perseguir os colonos
Por isso, foi exonerado

Adão Vasconcelos Vargas
Novamente assumiu
A função de delegado
Como o povo exigiu
Assim Augusto Pereira
Cumpre o papel que assumiu.

Como guarda lá da CANGO
Desde o início do conflito
Do lado ali dos colonos
Compromisso assumido
Lutaria por justiça
Devia isso ao amigo.

Com o novo delegado
Um quebra cabeça a montar
Colono tão massacrado
Tem alguém pra confiar
Homem justo e honrado
A coisa comece a andar.

Delegado é avisado
Que Planchita foi tomada
Dois mil homens a manter
Toda a cidade cercada
Quartel general da CITLA
Encerra sua “jornada”.

Ali prenderam um médico
Por todo povo odiado
Que foi tirado de lá
Por ordem do delegado
Levado pra outra cidade
Em lugar ignorado
A fim de evitar que fosse
Por gente dali linchado.

Em prisão domiciliar
Também ficou em Planchita
O vigário da paróquia
Pela propaganda explícita
Que fazia em seus sermões
Da tão odiada CITLA.

Então no dia quatorze
Começam as negociações
Entre o chefe da polícia
Mais uma das comissões
Pra acabar com o movimento
Impunham-lhes condições.

Anistia dos colonos
Que formaram o movimento
Não vinda de policiais
Impondo desarmamento
E Adão como delegado
Pelo efetivamento.

Comprometeu-se a polícia
Em cumprir o combinado
Nenhum colono foi preso
Muito menos foi julgado
As tropas policiais
Sob o novo delegado
Adão Vasconcelos Vargas
Pelo povo indicado.

A comissão se compromete
Que até as 12h00minh
Do dia 15 de outubro
Colonos iriam embora
A chefatura da polícia
SÓ ENTÃO
Com a exigência concorda.

Enganam-se quem pensar
Que foi tudo resolvido
A polícia não cumpriu
O que tinha prometido
Quando colono foi embora
O acordo é esquecido.

Concorda com as exigências
Mas é só pra ganhar tempo
Porque lá de Curitiba
Vem vindo um destacamento
Da polícia militar
Acordo vai se rompendo.

O contingente que vem
Da polícia militar
Chega simultaneamente
Pras cidades retomar
Colonos que foram embora
Se preparam pra voltar.

Porém isso não ocorre
Por hábil negociação
Do governo estadual
Com expressa recomendação
Evitar qualquer confronto
Por aquela região
Pois do governo federal
Significaria intervenção.

Em todas aquelas cidades
Tudo muito parecido
O que assumia hoje
Amanhã destituído
Pra compensar a desfeita
Sempre havia algum motivo.

A questão do sudoeste
A quem pertence às terras
Continua sendo travada
Como se fosse uma guerra
A luta agora é política
E essa, nunca se encerra.

Para o colono dali
Isso não tinha sentido
Pra eles o que importava
Atingir seus objetivos
Com aquele movimento
Isso tinham conseguido.

E num primeiro momento
A expulsão das companhias
Em um segundo momento
O título que se daria
De propriedade da terra
Pra quem lutou por ela um dia.




A VOLTA PARA CASA



Ficaram fora de casa
Por apenas poucos dias
Porém tanto para eles
Como para as famílias
Aquele tempo distante
Transformou-se em agonia
Pois ninguém tinha certeza
Se a casa retornaria.

Esmerina e as crianças
Em pé na frente da casa
Olhar além do horizonte
Até onde a vista alcançava
Às vezes pareciam eles
Mas qual nada se enganava.

Neste dia em especial
Sentam na área da frente
Esta cena corriqueira
Faziam diariamente
Seus corações lhes diziam
Hoje seria diferente.

De repente lá bem longe
Vêem um rastro de poeira
Com a mão sobre os olhos
Protege feito viseira
Esmerina chama o Jaime
Pede pra abrir a porteira.

Quanto mais se aproximam
Muito mais poeira sobe
Chapéu quebrado na testa
O cavalo a galope
Até o cachorro da casa
De alegria dá pinote.

A não ser o Vergulino
Que havia chego na frente
Hoje é José e os vizinhos
Muitos deles são parentes
Voltando pras suas casas
Abraçando sua gente.

Ainda no estradão
Cada um vai pro seu lado
Loucos pra chegar em casa
Rever quem tinham deixado
Solteiro abraçava os pais
Mulher e filho os casados.

Seo José e o genro Quinca
Cruzam a porteira num zás
Param em frente à casa
Jaime vem correndo atrás
Ansioso pra saber
As novidades que trás.

Abraça sua família
Depois senta na cadeira
Cansado dessa jornada
Coberto está de poeira
O chapéu todo furado
Parecendo uma peneira.

Perguntas de todo lado
Tudo queriam saber
Inclusive indagaram
Quantos vieram a morrer
Coisa que nem mesmo eles
Conseguiram responder.

Com paciência responderam
O que lhes foi perguntado
Nisso indagam a José
Que fica desconcertado
Queriam dele saber
Quantos havia matado.

Embora tivesse sido
Do exército um soldado
Nunca em toda a sua vida
Tinha com alguém brigado
Matar um seu semelhante
Jamais tinha cogitado.

“Eu nunca matei ninguém
Não sou nenhum homem vil”
Era isso que a família
Dele queria ouvir
Mal sabia seo José
O que estava por vir.

Alguns dias se passaram
Depois da volta pra casa
Precisavam cultivar
A roça abandonada
Rotina volta ao normal
A vida é organizada.

Quanto ao problema das terras
Ainda não resolvido
Os colonos, porém tinham
Confiança adquirido
Por saber que as companhias
De vez haviam se ido.

A luta se dava agora
Entre os partidos políticos
Eleições se aproximando
Tudo ia ser definido
Colono receberia
Título definitivo.




O ADEUS A ROSALINO



Dez dias tinham passado
O senhor José Raulino
Atrela sua charrete
Ao cavalo pingo-lino
Junto com a esposa visita
O seu primo Rosalino.

O rancho de pau-a-pique
Avistam Esmerina e José
A porta da frente aberta
Fumaça na chaminé
Pelo cheirinho gostoso
A pouco se fez café.

A charrete vai parar
Bem no meio do terreiro
Vem correndo um guri
Com o seu jeito trigueiro
Pega as rédeas do cavalo
Afasta-se dali ligeiro.

Já na entrada do rancho
Que tem uma só divisão
Deparam-se com um cenário
Mais parece uma visão
Numa cama muito baixa
Quase encostada no chão
Deitado está Rosalino
De vê-lo corta o coração.

Homem de pouca estatura
Considerado um portento
Arriscou a própria vida
Na busca de melhoramento
Lutou por uma causa nobre
Disto tinha conhecimento
Que um grande homem se faz
Não só de idéias e pensamentos
Mas de honra, luta, coragem
E também de sofrimento.

Ao sinal de Rosalino
Seo José se aproxima
Enquanto a esposa conversa
Junto ao fogão com a prima
Os dois apertam as mãos
Num gesto de muita estima.

Pendura o chapéu num prego
Puxa um banquinho e se senta
Enquanto o primo revela
O que mais o atormenta
Mas com muita dignidade
Esse mal ele agüenta.

Ainda tinha hematomas
Da surra que ele levou
Com alguns ossos quebrados
Mas este se engessou
O que não teve conserto
Foi o que dentro quebrou.

O pulmão foi perfurado
O fígado estraçalhou
Um rim seu lhe foi tirado
O outro dentro ficou
Um tanto danificado
De funcionar quase parou.

“Primo Zeca não sou mais
Companhia agradável
Às vezes até mesmo eu
Me acho insuportável
Confesso-te um segredo
A ninguém conte a verdade
Em todos os sentidos hoje
Sou um homem imprestável”.

José Raulino promete
Dar um jeito na situação
Despedem-se e vão embora
Com aperto no coração
Como pode um ser humano
Sofrer tal humilhação.

Em silêncio por quilômetros
Perece até que estão sós
Não falam, nem poderiam
Na garganta tem um nó
Do pequeno grande homem
Estão “morrendo” de dó.

Já em casa altas horas
Quando estão descansando
José finge estar dormindo
Escuta a mulher chorando
Sabe que está a lembrar
Do que o primo está passando.

No outro dia levanta
De manhã logo cedinho
Despacha Juca e o Jaime
João Maria e Zezinho
Marca uma reunião
Pra falar com os vizinhos.

Conta o que está acontecendo
Com o primo Rosalino
“Precisamos ajudar”
Levanta e diz Vergulino
Num gesto afirmativo
Todos juntos consentindo.

Em apenas alguns dias
Pra costa do Iguaçu vão
Num carro pôem Rosalino
Com cuidado e proteção
Partindo logo em seguida
Direto pra Barrocão.

Internam no hospital
Que dá pronto atendimento
Em casa ele não iria
Ficar bom dos ferimentos
Aqui ele sim teria
O melhor dos tratamentos.

Em seguida a família
Também veio ali morar
Para ficar perto dele
E assistência lhe dar
Isso era fundamental
Pra ele se recuperar.

Decorrido uns seis meses
O pior aconteceu
Mesmo fazendo de tudo
Nada daquilo valeu
Chegou a triste notícia
Primo Rosalino morreu.

Mesmo não tendo podido
Usufruir de sua terra
Seu nome ficou na história
Mostrando o homem que era
Rosalino Amandio da Costa
Uma lição de vida dera.




UMA NOITE FRIA



Desanimado da vida
Com a morte de seu primo
Vende o direito da terra
Vai embora Vergulino
Procurar em outro lugar
Um diferente destino.

Muda-se para a Gaúcha
Perto de Foz do Iguaçu
Que depois muda de nome
Pra São Miguel do Iguaçu
Divisa com Medianeira
Também do Parque Iguaçu.

Certa noite de inverno
Seo José ao acordar
Percebe que Esmerina
A seu lado não está
Levanta e sai a procura
A noite é de congelar.

Enrolada a um cobertor
Em pé na área da frente
Ao se aproximar percebe
Chega estar batendo os dentes
Abraça-a e a trás pra dentro
Onde o lugar é mais quente.

Seo José diz que entende
Porque ela está sofrendo
“A morte é muito triste
Em mim também tá doendo
Mas um dia isso passa
Vamos dar tempo-ao-tempo.

Esmerina seca as lágrimas
Olhando para o marido
Por mais que se preocupasse
Ele não tinha entendido
Não chorava pela morte
Mas por quem estava vivo.

Embora ela mantivesse
Por tanto tempo escondido
Sentia muita saudade
Do seu Rio Grande querido
Ocultava de seus filhos
O quanto havia sofrido.

Seo José vê só então
Como andou despercebido
Preocupado com os problemas
Os “seus” ficaram esquecidos
O jeito é recuperar
O tempo que foi perdido.

Pede uma solução
Que ela possa sugerir
Em seguida lhe responde
“Não quero ficar mais aqui
O meu sonho sempre foi
Voltar pra Tramandaí”.

Nessa hora vêm-lhe à mente
Lembranças lá do passado
Quando andava na praia
Pés descalços e molhados
Pelas ondas que batiam
De um mar sempre agitado.

Muitas vezes com seus filhos
Saiam pra passear
Sentavam-se sobre as pedras
Sentindo a brisa do mar
Sonhavam que um dia iriam
Através dele navegar.

Às filhas que aqui nasceram
Do mar se punha a falar
“Atemorizante fascínio
Se sente ao observar”
DIZ A ELAS
“Fechem os olhos e ouvidos
E escutem o barulho do mar”.

Nisto a voz do marido
Lhe trás de volta atenção
“Ir embora pro Rio Grande
Agora tem jeito não
Mas nós vamos passear
Quando chegar o verão”.

Não era o que queria
Mas já dava pra sonhar
Saber que bem logo iria
No Rio Grande passear
Ansiosa esperaria
Até o verão chegar.




3º PARTE




A MUDANÇA



Dois anos tinham passado
Quando José recebeu
Uma carta de Vergulino
O conteúdo ele leu
Mais que depressa queria
Saber o que ele escreveu.

Como da primeira vez
Um convite lhe fazia
“Vendam as terras aí
Com todo benfeitoria
Estou de olho num lote
Que tem até moradia
É só fechar o negócio
E mudar no outro dia.

Ainda não tem escritura
Mas logo ela vai sair
Como foi tudo acertado
O INCRA entrará aqui
Trazendo os agrimensores
Para essas terras medir”.

José viajou pra lá
Em poucos dias voltava
Havia comprado as terras
Veio vender a morada
Estavam em uma semana
Com a mudança arrumada.

Zezinho também iria
Embora junto com o pai
Bastião seu afilhado
Com eles diz que se vai
O Juca e João Maria
Não iam ficar para trás.

A mudança encaixotada
Em cima do caminhão
Nisso escutam um chamado
Que lhes chama atenção
Todos se voltam pra olhar
Quem vem vindo no estradão.

A filha Vilma fugida
Vinha apertando o passo
Com a gravidez avançada
Sentia mais o cansaço
Porque trazia consigo
A trouxa debaixo do braço.

Todos olhavam pra ela
Enquanto ia chegando
“o que tu estás fazendo?”
A mãe foi lhe perguntando
Na hora ela respondeu
“Com vocês estou mudando
Aqui é que eu não fico
Meu marido estou deixando”.

Sem tempo pra discutir
Embarcam no caminhão
Que sai fazendo poeira
Poeira vermelha do chão
Enquanto os vizinhos da roça
Acenavam com a mão.

Ao longe ainda se vê
A casa no pé da serra
A escolinha de madeira
A bodega e a cancela
A cerca que as rodeava
Contornando a todas elas.

Haviam ficado lá
Duas filhas de Esmerina
Uma que tinha fugido
Com o caboclo, a Leondina
Outra casada com Quinca
A mais velha Angelina.

O que tinha de valor
Levavam tudo consigo
Só sentiam era deixar
Os vizinhos e amigos
Lembrança deste lugar
Os anos ali vividos.

Moraram por nove anos
Um tempo muito sofrido
Agora iam embora
Deixavam aquele convívio
Um sentimento estranho
Sentiam quase um alívio.

Quando perderam de vista
A casa que ficou pra trás
Entre àquelas pessoas
Grande silêncio se faz
Só o ronco do caminhão
De falar ainda é capaz.

Já na costa do Iguaçu
A balsa do outro lado
Pra fazer a travessia
Demoraria um bocado
Como estavam com fome
Foram comer um pescado
O melhor dos peixes fritos
Que havia pr’aqueles lados.




A MORADA



O caminhão foi chegando
A terra era muito plana
Enxergava-se bem longe
Não se via uma montanha
Apenas uns elevados
Entre uma e outra campana.

Para chegar à morada
Uma sanga atravessava
Por entre as cercas vivas
Caminhão ali passava
Uma estradinha estreita
Que a cerca nele raspava.

Passando este caminho
Chegando lá no terreiro
De um lado a encerra
Do outro lado o potreiro
Ao lado daquele tinha
Um pequeno galinheiro
Cujo poleiro ficava
De frente para um chiqueiro.

A casa não era grande
Nem tão pouco pequeninha
Foi feita com taboas largas
E coberta de taboinhas
Tinha uma sala grande
Dois quartos e uma cozinha.

Ali na casa um fogão
De lenha que ficou dentro
Feito todo de tijolos
Rebocado com cimento
Com uma “mão” de roxo-terra
Encarnado e reluzento.

A casa se localizava
Entre a encerra e a invernada
Nos fundos passava um rio
Que a propriedade banhava
Na frente aquela sanga
Que a terra inteira cortava.

A sanga era um tesouro
Exclusivo e pertencente
Àquela propriedade
Porque a sua nascente
Ficava dentro das terras
Vertendo água corrente.

Do outro lado da sanga
A terra continuava
Onde havia mata virgem
Logo esta foi derrubada
Mais em frente uma várzea
Onde arroz se plantava.

Foi aberta uma estradinha
Entre a sanga e o plantio
Um pouco mais adiante
Ela fazia um desvio
Porque a sanga acabava
Ao desaguar lá no rio.

A estradinha continuava
Costeando o rio Represo
Passava por outras terras
Que aos colonos dava acesso
Pra chegar no estradão
E se dirigir ao comércio.

Desceram do caminhão
Admirando o lugar
Realmente muito lindo
Aonde vieram morar
Vergulino vem chegando
Pra na mudança ajudar.

Os rapazes vão correndo
Tomar um banho no rio
As moças arrumam a janta
Enquanto o pai e o tio
Planejam derrubar o mato
Para fazer o plantio.

A noite todas as pessoas
Estão por demais cansadas
Um quarto é para os pais
O outro pra mulherada
Na sala ficam os rapazes
Um total de doze na casa.

O dia era pequeno
Para o tanto de trabalho
Derrubando e plantando
Entre picada e atalho
A noite ensopados de suor
De manhã molhados de orvalho.

Depois da lavoura pronta
Chegou à vez do Zezinho
Construíram a casa dele
O estradão passa pertinho
Dava no Parque Iguaçu
Com mato por todo o caminho.

Algum tempinho depois
Veio chegando mais gente
Foram loteando as terras
Vendendo pra amigo e parente
Um pouco pra cada um
Todos ficavam contentes.

José vendeu um pedaço
De terras com mandioca
A um homem cuja alcunha
O povo fazia troça
Apelidado Tibiri
E sua mulher Tibiroca.

Logo veio Angelina
E o Quinca ali morar
Escolheram de José
À esquerda da terra ficar
Onde passava a estradinha
E a sanga ia desaguar.

Da casa de seo José
Estradão fica afastado
Mas da casa de Zezinho
Passava bem a seu lado
Aí fizeram outra estrada
Que a José tinha chegado.

Zezinho abriu um boliche
Pra atender o pessoal
Vendia trigo, açúcar,
Farinha de milho e sal
Também vendia cachaça
E gasosas pros saraus.

Seo José viu que aumentava
No lugar a população
Muita gente se mudando
Para aquela região
Porém faltava igreja
E escola pra educação.

Doou um alqueire de terra
A igreja construíra
Também fez uma escolinha
Pra alfabetizar servia
Somente o cemitério
Inaugurar ninguém queria.

Na igreja um padroeiro
Devia por no altar
José sempre foi devoto
De um Santo de nome São Braz
Protegia a garganta
Também deu nome ao lugar.




A CASA NOVA



Sem demorar outra casa
Seo José quis construir
Bem alta e na sua frente
Uma escada pra subir
Em cima ao lado da porta
Um janelão a se abrir.

Na lateral uma porta
Também tinha uma janela
Uma área construída
Com um poço ao lado dela
Pra tirar água do mesmo
Corda, balde e manivela.

Era uma casa grande
Janela pra todo lado
Madeirame de primeira
Assoalho beneficiado
Coberta não de taboinha
De cerâmica o telhado.

Foi feito um grande sarau
Para a casa inaugurar
O Jaime e João Maria
O baile iam tocar
Os melhores sanfoneiros
Que existia no lugar.

Maria Luci e Vilma
Auto-de-data na música
Aprenderam até tocar
Numa sanfona única
Uma teclado, outra baixo
Davam um show, as duas juntas.

Elas foram convidadas
Pra tocar em Medianeira
Numa rádio de audiência
Enorme na redondeza
Tornaram-se conhecidas
Como as irmãs sertanejas.

No dia da inauguração
Jaime agradece as manas
Porque antes de tocar
COMEU
Sete quilos de banana
Quando começou o baile
Quem diz que pega a sanfona
Teve de sair correndo
Pra “passar um telegrama”.

As duas mais João Maria
Deram conta do recado
Tocaram a noite toda
O povo estava animado
Só ao amanhecer o dia
Que o baile foi encerrado.

Seo José e Esmerina
Sabiam e tinham certeza
Suas filhas eram donas
Da mais completa beleza
Moças lindas como elas
Só naquelas redondezas.

Todas pareciam rosa
Num jardim a ser tiradas
A Vilma mais parecia
Uma rosa encarnada
A Luci rosa amarela
Pronta pra ser apanhada
Isaura uma cor-de-rosa
Menina-moça formada
A mais nova um botão branco
Uma princesa encantada.

Zezinho como sabemos
Casado com a Delci
Tia de Leonel e Osvaldo
Que com Vilma ia fugir
O Leonel casou por lá
Osvaldo apareceu aqui
E pra surpresa de todos
Engraçou-se por Luci.

Um dia a rapaziada
Foram para o taquaral
Como sempre eles faziam
Iam lá caçar pardal
O qu’eles não esperavam
É que isso acabasse mal.

Zezinho viu arapuca
Qu’ele mesmo tinha armado
A espingarda de espoleta
Jaime tinha carregado
Nisso atirou num pardal
Que ao longe havia mirado.

Só escutaram o grito
Que veio do outro lado
“Levei um tiro” falava
Zezinho desesperado
Correram todos pra ver
S’ele estava ensangüentado.

Não se via sangue nele
E nem mesmo desmaiou
Apenas um buraquinho
Por onde a bala entrou
Picotando nas taquaras
Sem força ela chegou
Quando bateu na barriga
Só a pele perfurou.

Combinaram que em casa
Pra ninguém iam contar
Principalmente pra mãe
Pois nervosa ia ficar
Ela estranha a rapidez
De a caçada eles voltar.

Pediram uma toalha
Pra tomar banho no rio
Quando a mãe veio trazer
Zezinho branco ela viu
Semblante sério demais
Não era do seu feitio.

Pergunta a eles que houve
Ninguém ali respondeu
O nervoso aumentando
Um grito Esmerina deu
Nisso uma mancha preta
Na camisa percebeu.

Corre indo até Zezinho
Erguendo sua camisa
Com olhos arregalados
Vê o buraco na barriga
Apalpa pra ver o que é
O chumbo está ali ainda.

Aperta a pele com os dedos
Pra ver se o chumbo desgruda
Enquanto faz isso xinga
O Jaime de filho da p...
Os presentes se entreolham
Estranhando essa conduta
Porque esqueça que ela é
Mãe daquela filho da p...

De repente o chumbo salta
Para todos um alívio
De banha, sal e vinagre
Ela faz um curativo
Colocado como emplastro
No lugar que foi ferido.

Esse fato se tornou
Motivo para piada
Quando a mãe ia ralhar
Punham-se a dar risada
“Por favor, não se irrite
Ou serás auto-xingada”.

Nesse pedaço do mundo
Sabiam viver feliz
Um cantinho do paraíso
Quem vive lá é quem diz
Quem chegasse até ali
Fincava sua raiz.




POR ESSA O PADRE NÃO ESPERAVA



Tinha sarau, baile e festa
Por toda a redondeza
De vez em quando havia
Uma festa na igreja
Com muita cuca e churrasco
Gasosa, pinga e cerveja.

Preparavam grande festa
Na igreja de São Braz
Estavam esperando o Padre
Para os acertos finais
Pois sem seu consentimento
Nenhuma festa se faz.

A cada mês ele vinha
Como foi o combinado
Dava sermão na missa
Perdoava os confessados
Aos inocentes nascidos
Fazia os batizados.

No sermão daquele dia
O padre estava empolgado
Falando sobre a intenção
Se má, seria um pecado
Se alguém pensasse em matar
Já teria ele matado.

Como ele sempre fazia
Quando ali ia rezar
Na casa de Seo José
Meio-dia ia almoçar
Além de lhe dar o almoço
A missa tinha que pagar.

Seo José pega o dinheiro
Como havia prometido
Quando entrega para o padre
Braço ainda estendido
Esmerina de um salto
Interrompe o marido.

“- O que você está fazendo
Com o dinheiro na mão?
- Estou pagando o padre!
Responde ele então
- Você pensou em pagar
Precisa pagar mais não
Como o padre mesmo disse
O que vale é a intenção”.

O padre olha pra ela
Esta mulher é danada
Pega tudo ao pé da letra
Por alto não passa nada
Passado o primeiro instante
Caíram na gargalhada.

Um dia esse mesmo padre
Quando a missa ali rezou
Na casa de Seo José
Uma bíblia encontrou
Irritado com a descoberta
A bíblia ele pegou
Foi até o fogão de lenha
E sem pestanejar queimou.

A explicação que deu
Não convenceu nenhum pouco
Disse que quem lesse a bíblia
Acabava ficando louco
Nunca esqueceram o dia
Em que a bíblia pegou fogo.

O padre era gente boa
Sempre isso demonstrou
Apenas acreditava
No que a igreja ensinou
Proibia ler a bíblia
Crença que por demais durou.

Está tudo combinado
Pra festa do padroeiro
Precisavam agilizar
O tempo passa ligeiro
Quando menos esperavam
Chegara o mês de janeiro.

UM POUCO ANTES DA FESTA

Certa noite Seo José
Depois de voltar da roça
No outro lado da sanga
Viu parar uma carroça
“Deve ser algum vizinho
Que veio dar uma prosa”.

Sim eram mesmo vizinhos
Dois irmãos os visitantes
Almerindo e Antoninho1
Diziam algo importante
Pra José e a familia
Um fato muito intrigante.

Seo Almerindo falante
Toma logo à dianteira
Diz que na linha Santa Rosa
Interior de Medianeira
Ocorreu uma arruaça
Próprio de gente baderneira.

Uma família de colonos
Na roça estava trabalhando
Quando chegaram uns sujeitos
A cavalo atirando
Fazendo com que fugissem
Sua terra abandonado.

Esses homens se instalaram
Dizendo que são os donos
Vizinhos ficaram com medo
Pois estão ameaçando
Querem que os colonos acabem
A eles se sujeitando.

Seo José ouve o relato
Sem nele interferir
Calado pensa consigo
“Isso já cansei de ouvir
Será possível outra vez
A história se repetir?”




A FESTA



Com a proximidade da festa
Assunto foi sendo esquecido
Toda a comunidade
Havia se envolvido
Ajudando os responsáveis
Com todos os preparativos.

A festa foi um sucesso
Regada por alegria
Moça paquera rapaz
Rapaz de olho na guria
Ninguém ali esperava
O incidente no fim do dia.

Seo José que a vida toda
Sofreu de epilepsia
Dá um grito e cai no chão
Tremendo se contorcia
A multidão fecha em volta
Pra ver o que acontecia.

Joanim que havia ficado
Quando a Vilma veio embora
Não agüentou ficar sem ela
E veio atrás sem demora
Foi por eles recebido
Como da família agora.

Joanim afasta o povo
Pro ar ali não faltar
Como eles se recusam
Ele começa a empurrar
Forçando o afastamento
Para o sogro respirar.

Ao empurrar Tibiri
Por este, ele é xingado
Ao ouvir o desaforo
Fica muito irritado
Tira uma faca da cinta
Tibiri é esfaqueado.

Todos correm acudir
Tibiri ensangüentado
Joanim foge pelo mato
Pensou que o tinha matado
Tibiri numa rural
Pra Gaúcha é levado.

Os ataques de José
Pra família um mistério
Tibiri não entendeu
Que Joanim falava sério
Parece que até queria
Inaugurar o cemitério.

A mulher de Tibiri
Pro hospital vai com o marido
As duas filhas pequenas
Esmerina leva consigo
Com o pai e a mãe ausentes
Na vizinha têm abrigo.

Tibiri se recupera
Mas fica internado uns dias
A mulher volta pra casa
Mas não quer ficar sozinha
Se junta às suas filhas
Na casa lá da vizinha.

A Vilma cujo Joanim
Debandou pra não ser preso
Vai para casa dos pais
Lá ela não sente medo
Se junta a Tibiroca
Na reza pelos maridos.

Tibiri volta pra casa
Recuperado de verdade
Ficou bem uns quinze dias
No hospital lá da cidade
Joanim volta e responde
O processo em liberdade.




O DIA-A-DIA NA ROÇA

As cobras

Seo José roçando o mato
De repente ele se dobra
Percebe que com a foice
Cortou a cabeça da cobra
Procura por todo lado
Mas só o corpo dela sobra.

Quando ele chega em casa
Conta o que aconteceu
Não entende como foi
A cabeça desapareceu
De qualquer forma o fogo
Um fim na cabeça deu.

Ela deve ter queimado
No meio do fogaréu
Mas levou um grande susto
Quando tirou o chapéu
Na aba dele estava
A cabeça da cascavel.

Ele agradece aos céus
Um alívio agora sente
Pois na aba do chapéu
Enfiado estavam os dentes
Da terrível cascavel
O veneno ainda recente.

Muitas histórias de cobras
Tinham eles pra contar
Certa vez a Esmerina
Lá da São Jorge ao voltar
No caminho uma urutu
Logo pensou em matar.

Puxou da bolsa o revólver
Preparou-se para atirar
A cobra se enrolou
Pronta para o bote dar
Mirou no meio do rolo
O tiro a fez desenrolar.

Com o barulho do tiro
Cavalo se pôs a empinar
E a filha na garupa
A mãe teve que segurar
A menina muito esperta
Na mãe veio se grudar.

Esse episódio Esmerina
Contava e repetia
Por querer matar a cobra
Quase derruba a filha
Que se não fosse ligeira
Em cima da cobra caia.

Outra vez foi com o Jaime
Ao armar uma arapuca
Viu na árvore uma cobra
Com um pau ele a cutuca
Ela dá um vôo rasante
Passa lhe raspando a nuca.

Ele começa a correr
Ela vem correndo atrás
Não está rente ao chão
Em pé ela ali se faz
Jaime não corre, ele voa
Vez em quando olha pra trás.

A mãe na frente da casa
Avista o filho a correr
Um pouquinho mais atrás
Uma cobra verde vê
Cena, esta, inusitada
Só vendo para se crer.

Esmerina pega um pau
Ao encontro dele vai
O Terreiro e a cerca viva
Vão ficando para trás
De tanto correr, o Jaime
Não está agüentando mais.

O filho passa correndo
Cobra vem no mesmo embalo
Entre ele e a bichana
Apenas um intervalo
Esmerina com o porrete
Na cobra dá um pialo.

A cobra cai meio tonta
Da paulada não morreu
Depois de dar uns pinotes
No capim desapareceu
Por certo atrás de alguém
Nunca mais ela correu.

O Jaime agora aprendeu
Que não pode cutucar
A cobra com vara curta
Que ela se põe a voar
Nem com sebo nas canelas
Outra vez vai se safar.

Outro dia as duas irmãs
A Vilma mais a Luci
Andavam pela estrada
Vilma quis fazer xixi
Abaixou-se atrás da moita
Enquanto esperava Luci.

Vilma escutou um barulho
Pensou que se fosse um coiote
Nisso olhou pra trás
Na hora levou um choque
A cascavel enrolada
Pronta para dar o bote.

Sentada a beira da estrada
Esperando estava Luci
Quando viu desesperada
Detrás da moita sair
A irmã descabelada
Pulando que nem saci.

“Uma cobra! Uma cobra!
Levanta e baixa o vestido
Luci puxa a irmã
Trás ela junto consigo
Pensando que aquela cobra
À Vilma tinha mordido.

Mas foi somente o susto
Que aquela moça levou
Daquele dia em diante
Xixi ela segurou
Vilma atrás de uma moita
Nunca mais se abaixou.




O MILAGRE DA QUEROSENE



Era alta madrugada
Quando a turca acoou
Uma cachorra esperta
Que a filha Vilma adotou
Ver o que acontecia
Esmerina levantou.

Bastião veio chamar
Estava desesperado
“Angelina me mandou
Trazer aqui um recado
Quinca está passando mal
Foi por uma cobra picado.

José que estava deitado
Com o grito de Esmerina
D’um pulo salta da cama
Calça logo a butina
E os três na disparada
Vão pra casa da Angelina.

Chegando lá já escutam
O genro está a gemer
A criançada chorando
“Vó o meu pai vai morrer”
Adentrando pelo quarto
Quinca deitado se vê.

Há pouco tempo eles tinham
Chegado ali de mudança
Como sua nova casa
Não ficara ainda pronta
Moravam perto da sanga
Num rancho bem na barranca.

Perguntaram para a filha
Onde que a cobra picou
Responde: ”foi na cabeça”
Xiii..., a coisa complicou
Na cabeça era grave
O veneno já se espalhou.

Os pais viram que a filha
Contava com sua ajuda
Pois, sentindo-se inútil
Num canto sentou-se muda
Esperando que em pouco
Tornar-se-ia viúva.

Diante do sofrimento
De um moribundo que geme
Esmerina tem uma idéia
Terá alguém que a condene?
Do genro goela abaixo
Enfia-lhe querosene.

Pensara em lhe dar leite
Mas ele não tomou veneno
Cortar e chupar o sangue
Nem isso acabaram fazendo
O jeito foi esperar
Para dar tempo ao tempo.

Indo e vindo da cozinha
Muitos quilômetros andara
Pano molhado na testa
A todo o momento botava
O genro foi se acalmando
Sentou-se e até conversava.

Esmerina estranhou
A rapidez da melhora
Chama o marido de lado
E diz sem muita demora
“Até Santo desconfia
Do tamanho da esmola”.

Examinou a mordida
Ao ver a filha contente
Estranhou porque havia
O sinal de vários dentes
Se fosse cobra, dois furos
Seria mais condizente.

Indagou quem viu a cobra
No rosto dele picar
Ninguém viu, estava escuro
Quinca só sentiu passar
Percebeu que era comprida
Pois, no rabo conseguiu pegar.

Esmerina pôs José
E Bastião a procurar
Em todo canto do rancho
“Ainda aqui deve estar”
Nisto num caibro da casa
O animal estava lá.

O bicho era tão grande
Até parecia um gato
Descobriram ele lá
Pelo tamanho do rabo
Que ao tentar se esconder
Deixou este pendurado
Quinca pensou que morria
Pela mordida de um rato.

Foi então neste momento
Estômago a revirar
Dentro dele combustível
Difícil de aceitar
Quinca corre lá pra fora
Para poder vomitar.

Enquanto estamos dormindo
Pouca coisa se percebe
O povo não perdoou
E o estigma o persegue
O Quinca levou a fama
De “comprar gato por lebre”.

Começou pelos cunhados
Gozação só fez crescer
“Quando estiveres doente
Mas muito mal pra morrer
Vá a um posto de gasolina
Para reabastecer”.

Mas ele não se importava
Chegou até confessar
Naquela noite fatídica
Ele se punha a pensar
“Será que será comigo
Que o cemitério vai inaugurar?”

Chega de falar de cobras
Leitor deve estar cansado
Agora vamos passar
Daqui para o outro lado
Do outro lado do rio
Onde aconteceram dois casos.

Primeiro, foram os primos
Que vieram relatar
Falaram sobre os abusos
Que aconteciam por lá
Segundo é o nascimento
Do filhinho do Dalprá.




A VINDA DOS PRIMOS



José um dia na roça
Trabalhando com os filhos
O tempo estava de chuva
Tinham que dobrar o milho
Precisou voltar pra casa
Pois lá chegou o Hercílio.

O primo dele morava
Do outro lado do rio
Município Medianeira
Também morava o tio
Porque será que ali veio
Se faz pouco tempo que o viu.

José chegando a casa
Depois de um dia puxado
Lavou-se numa gamela
O corpo muito suado
Sentou-se pra conversar
Com os dois recém chegados.

Hercílio trouxe consigo
O seu irmão Adelino
Que ainda não conhecia
A moradia do primo
Na ocasião conheceu
Também, o seo Vergulino.

Seo José manda o Jaime
A Vergulino chamar
Em seguida, este, chega
Bem na hora do jantar
Que na mesa está servido
Pronto pra saborear.

Depois de comer proseiam
Sobre o qu’está acontecendo
Pras bandas de Medianeira
Colonos estão sofrendo
Ameaças da polícia
Vinda a mando do governo.

“Após o que aconteceu
Lá em Nova Santa Rosa
O governo muito astuto
Mudou o rumo da prosa
Diz que até o Parque Iguaçu
A terra não é mais nossa.”

O que o governo queria
Convencer quem lá estava
Desse lado do Iguaçu
As terras eram do estado
Tinham até documento
Com tudo legalizado.

Como isso pode ser
O que havia acontecido
Se o governo federal
Tinha tudo resolvido
As terras são dos colonos
Já estava decidido.

Primeiro eles chegavam
Aos colonos avisando
Pra pegarem suas tralhas
E de lá ir se mudando
O mais rápido possível
POIS
Logo estariam voltando.

Na frente vinha a polícia
Fazendo advertência
Eles teriam algum tempo
Pra tomarem providência
Mas a grande maioria
Disso nem tomou ciência.

Mas por terem se atrevido
A tal desobediência
Não demorou muito tempo
Sofreram as conseqüências
O governo demonstrou
Seu poder, com violência.

Vieram se aconselhar
Ninguém queria enguiço
Se falassem com o governo
Pra que desse um jeito nisso
De nada adiantaria
José já passou por isso.

Foi bem por esse motivo
Que vieram até ali
Precisavam ouvir dele
Como deveriam agir
Contra àquelas investidas
Que postura assumir.

Sentindo que aqueles homens
Que estavam à sua frente
Contavam com sua ajuda
Não porque fosse parente
Mas porque José sabia
Que eram pessoas decentes
Por isso se juntaria
Em ajudar essa gente.

A José vem à memória
Coisa que quer esquecer
A mulher de João Saldanha
Com os filhos a morrer
As crianças que apanharam
Sem poder se defender
E o primo Rosalino
Dava dó só de se ver.

Não podiam permitir
Violência repetida
Nem deixar que a história
Fosse um dia esquecida
Deviam isso às pessoas
Que perderam suas vidas.

Há um silêncio geral
José está preocupado
Com a mão coça a cabeça
Depois olha do seu lado
Como quisesse saber
O que pensa o cunhado.

Vergulino franze a testa
Mostra que a coisa vai mal
Este gesto lhe custou
Uma ruga na horizontal
Não podiam se negar
De dar ajuda afinal.

Homem de poucas palavras
Só falando o que é certo
“Se o governo está pensando
Em dar uma de esperto
Nós aqui da nossa parte
Vamos falar com o exército.”

Se o governo em Medianeira
Aos colonos, ele, expulsa
Logo do lado de cá
Também levariam “bucha”
Apenas questão de tempo
Invadiriam a Gaúcha.

Assim ficou combinado
Esta estratégia seguir
Falariam com o exército
Sobre o que se passa ali
Só depois de isto feito
Começariam a agir.

Acertam em quinze dias
Os primos ali voltarem
Trazendo junto consigo
Colonos pra reforçar
A EQUIPE
Que a Foz do Iguaçu
Com o exército irá falar.




UM PARTO DIFICIL



ESMERINA,
Que em Santo Antônio
Com a comadre aprendera
De tanto vê-la atuando
O ofício de parteira
Atravessaria o rio
Chegaria a Medianeira.

Desta vez vizinha Elsa
Seria a parturiente
Bem mais nova que o marido
Sempre quieta e obediente
Ele, homem rude e forte
Por natureza exigente.

Escuta um gemido sofrido
Ao entrar naquela casa
Vai direto para o quarto
Encontra a moça deitada
Que olha para Esmerina
Parecendo assustada.

Com jeito fala pra ela
Que não precisa ter medo
Isso acontece a todas
Não tendo nenhum segredo
A presença da parteira
Dá a moça mais sossego.

Aplica-lhe uma injeção
E põe Elsa para andar
Ao marido ela manda
Bastante água esquentar
Um monte de lençóis brancos
Preparados para usar.

O tempo ia passando
Elsa andava e sentava
De quando em quando a moça
Esmerina examinava
Mesmo com todo esforço
Nenhum dedo dilatava.

À noite se adentrando
Foi chegando à madrugada
Quando amanhece o dia
As duas estão cansadas
Esmerina vê, que a criança
Não irá nascer sentada.

Chamam uma condução
Elsa nela é colocada
Até chegar ao hospital
Um bom pedaço de estrada
Porém assim que lá chegaram
Na hora é internada.

Médico examina a moça
Taxativo não se engana
Elogia Esmerina
Fez um trabalho bacana
Mas esse bebê só nasce
Se for de cesariana.

Muita criança ao mundo
Esmerina ajudou trazer
Uns difíceis, outros fáceis
Os partos a se fazer
Mas nenhum demorou tanto
Como este pra nascer.

Nasce um menino grande
O pai tá que não se cabe
Pesou quase cinco quilos
Porque não nascia se sabe
Esmerina nesse dia
Teve mais uma comadre.

Volta pra casa exausta
Quer agora descansar
Era sempre a mesma coisa
Demorava pra voltar
Sua filhinha caçula
Na escada a esperar
Só abria o sorriso
Quando via a mãe chegar.

Por falar nessa menina
Vale a pena se dizer
O medo que ela tinha
De sua mãezinha perder
Foi só na adolescência
Que descobriram por que.

Lá em Santa Catarina
Quando foram passear
Contaram aquilo a um padre
Que com ela foi falar
Descobriu que aquele medo
Vem de um bom tempo atrás.

Na gravidez Esmerina
Nervosa estava então
Disse se fosse mulher
Daria em doação
No ventre o bebê sentiu
Toda aquela rejeição.

Quem sabe não foi por isso
Que tanta mulher ajudou
Quantas não queriam o filho
Mas depois atrás voltou
Após ouvir a parteira
Nenhuma seu filho doou.




DOS CAVALOS



Um dia Isaura na roça
Subiu em cima de um galho
Gritou pra mãe lá do alto
“Mande-me aqui um balaio
Para chegar mais depressa
Que venha pelo atalho.”

Só tinha a filha mais nova
Pra disso se incumbir
Mas por falta de vontade
Preguiça morava ali
Só se fosse a cavalo
Ela aceitaria ir.

Seo José pegou o cavalo
Que ainda estava “em pêlo”
Porém não quis encilhá-lo
Jogou em cima um pelego
A filha ele montou
No meio ali do terreiro.

Tudo ia muito bem
Até ela pegar o balaio
Quando este bateu no lombo
Dá um salto, o cavalo
Quanto mais ele pulava
Mais lhe batia o balaio.

Seo José e Esmerina
Ficaram desesperados
Vendo logo ali em frente
A cerca de arame farpado
Se o cavalo disparasse
Iria pr’aquele lado.

Com uma mão segurava
Nas crinas de seu cavalo
Com a outra ela mantinha
Bem firme e preso o balaio
Pensava consigo mesma
“Daqui de cima não caio.”

O cavalo sai correndo
Lá pras bandas do potreiro
O pai corre a par dele
Tentando chegar primeiro
Ou quem sabe se consegue
Segurar-lhe pelo freio.

A mãe que fazia o almoço
Corre largando o trabalho
Desce as escadas gritando
Na mão carregando o alho
A filha escuta uma voz
“Jogue fora o balaio!”

José diz a mesma coisa
Enquanto tenta agarrar
Às rédeas lá do cavalo
De correr não quer parar
Dizendo mais uma vez
Pro balaio ela jogar.

Agora a menina entende
O que ela tem de fazer
Deve soltar o balaio
O mais rápido por quê
Só assim é que o cavalo
Irá parar de correr.

Ela joga o balaio
Que levanta um poeirão
O cavalo dá um pinote
No meio da confusão
A menina de um vôo
Vai se esborrachar no chão.

Isaura que assiste a cena
No começo ela faz troça
Bem feito pra sua irmã
Trabalhar ela não gosta
Mas quando cai do cavalo
Sai correndo lá da roça.

Ao chegar perto da filha
Que jaz ali embaçada
Caiu perto do balaio
No qual estava agarrada
A cara rente ao chão
De poeira está tomada.

Para lhe voltar à fala
Dão-lhe batidas nas costas
Jogam ela para cima
O ar retorna, ela gosta
Não chegou a se finar
Outra vez está disposta.

Isaura xinga a irmã
A mãe com Isaura ralha
Assim mesmo continua
A irmã mais nova malha
“Vê se agora tu aprendes
Montar não é pra pirralha.”

Tem coisa que a gente houve
Mas não pára pra escutar
Já outras a gente escuta
E nelas se põe a pensar
É isso que a menina fez
Quando ouviu seu pai falar.

Foi naquela mesma noite
A família se reunindo
Os pais contaram o que ouve
Todos acabaram rindo
A menina tudo escuta
Fingindo estar dormindo.

Contaram como proeza
O tempo que ela ficou
Montada lá no cavalo
Só caiu porque soltou
O balaio que ao cair
O cavalo assustou.

Ouviu seu papai falar
Pronunciando seu nome
Essa menina é um ginete
Ah! Se ela fosse homem
Eu a montaria no “pingo”
Pra que esse cavalo se dome.

“Pingo” era cavalo bravo
Que só charrete puxava
Quando via montaria
O cavalo empinava
Quem estivesse no lombo
Pela garupa escapava
Emborrachava-se no chão
E uns coices ainda levava.

Um dia José Raulino
Encasquetou com o cavalo
“Hoje um de nós dois vence
Ou amanso ou dele caio”
Levou ele até a estrada
Montou no lombo do baio.

Na frente de casa Esmerina
Viu o cavalo disparar
As crinas e as orelhas
Iam deitadas pra trás
O rabo um pouco erguido
Parecia até voar.

José em cima do cavalo
Grudado igual carrapato
A mulher preocupada
Os viu sumir lá no mato
Pra reaparecer de novo
Na curva do Fortunato.

Correram cinco quilômetros
O cavalo então parou
Arisco, sapateando
De repente ele empinou
José mais do que depressa
Em seu pescoço agarrou.

Do mesmo jeito que foi
De volta ele disparou
Chegando em frente à casa
Cavalo pinoteou
Num pulo, baixou a cabeça
Mesma hora ajoelhou
Seo José naquele instante
Do lombo longe voou.

Correram ver se José
Ainda estava respirando
Mas como “macaco velho”
Já foi logo levantando
Cavalo saiu dali
Vitorioso relinchando.

A partir daquele dia
Ninguém quis se arriscar
Como é que poderia
Em tal cavalo montar
Só se aparecesse alguém
Maluco para tentar.

Mais uma vez a menina
Aquela história escutou
“E se ela fosse homem...”
Ouviu o que o pai falou
Montaria ela no “pingo”
Assim como ele montou.

Nisso escuta alguém falar
Espicha bem os ouvidos
Pra ver se o que eles disseram
Havia mesmo entendido
“Se não fosse o balaio
Ela não teria caído.”

Passou a noite sonhando
Com aquele cavalo baio
Quando acorda, o pensamento
Na cabeça é como um raio
“E se ela fosse homem...
E se não fosse o balaio...”

No outro dia o cavalo
No pasto estava amarrado
Da mãe escuta uma ordem
Que há horas tinha esperado
“Leve água para o “pingo”
Que ele está “assuliado.”

Sem que a mãe se aperceba
Entra no quarto dos pais
Tenta calçar as botinas
Mas, esta, é grande demais
Então pendurado a um prego
Apanha o chapéu de seu pai.

Da casa sai escondida
Dando-lhe a volta por trás
Com o chapéu na cabeça
Agora homem se faz
Sem o balaio na mão
Cair não iria mais.

Aproxima-se do cavalo
Enquanto ele pastava
Ao chegar bem perto vê
É mais alto que pensava
Pra que levar água a ele
Ele é que fosse até a água.

Vê uma tora de guajuvira
Que ali fora cortada
Sai puxando o cavalo
Um pouco atrapalhada
Pra qu’ele possa encostar
A barriga é empurrada
Sobe no toco e se agarra
Nas crinas que são puxadas.

Esmerina ao ver a cena
Pensa estar delirando
Sem acreditar que a filha
Vem no cavalo trotando
Passa na frente da casa
Ao lado do poço parando.

Correndo desesperada
A tampa do poço fecha
Se o cavalo se “negar”
A guria ele arremessa
Podendo cair no poço
Tragédia seria essa.

Ninguém até hoje entende
Como que aconteceu isso
Se foi tentado montar
Não deixou, pois era arisco
O que fez aquela menina
Pra ter montado no bicho?

Seo José quis no cavalo
Dos nove tirar a prova
Outra vez tentou montar
Pulava igual uma cobra
Quem em seu lombo ficava
Somente a filha mais nova.

Também havia uma égua
De velha caiu-lhe os dentes
Como um coringa usada
Ali de sobressalente
Parte dos bichos estimados
Das moças principalmente.

Vendida ainda bezerra
Cedo ela foi desmamada
Por isso desde pequena
Na mamadeira criada
Dando origem ao seu nome
Por “guaxa” era chamada.

O serviço dessa égua
Trotear até o moinho
Na ida levava grãos
Na volta farinha de milho
Se ninguém fosse montado
Faria sozinha o caminho.

Certo dia como sempre
Isaura e a irmã caçula
Aquela sentada no arreio
Esta vinha na garupa
Cantarolando distraídas
Viram-se numa sinuca.

AS DUAS CANTAVAM MAIS OU MENOS ISSO:

“eu faço ralo, faço réli, faço rolo,
Faço bali, faço béli, se me réli
Eu faço rolo.

O Zé Manolo se meteu
Entrou no trolo
Quando viu que era rolo
Deixou o bolo no lugar...

Peguei o bóle que é róle
Quando tróle
Expliquei pro Zé Manóle
Como faz pra controlá...”

Assim as duas iam
Pela estrada cantarolando
Sem perceberem que a “guaxa”
Ia devagar quase parando
Olhos abrindo a fechando
Sem dúvida cochilando.

Nisso a “guaxa” tropeça
Os joelhos vão dobrando
No chão vai afocinhando
As duas se vêem voando
A égua, rodopiando
No chão se esborrachando.

Deitadas ali no chão
Sentiram a aterrissagem
Das ancas da égua “guaxa”
Junto ao saco de moagem
No qual jaziam abraçadas
Precisavam de coragem
Pois na hora estremeceram
Com o estrondo selvagem
Por um triz que não lhes cai
Em cima, mas que bobagem,
Porém com toda certeza
Foi esta a pior viagem.




CRIME NO EXÉRCITO



Amanhecia o dia
Quando os homens lá chegaram
De Medianeira vieram
Do jeito que combinaram
Parece até que foi ontem
Mas quinze dias passaram.

Foram pra Foz do Iguaçu
Que dali não era perto
Relatariam os fatos
Pro comandante do Exército
Uma solução acharia
Davam isso como certo.

Chegando a Foz do Iguaçu
Ficaram embaraçados
Pela movimentação
Milico pra todo lado
Até então não sabiam
O que tinha se passado.

Carros das Forças Armadas
Rodando de lá pra cá
Helicóptero do Exército
Vários deles a voar
Nem mesmo a população
Sabia o que falar.

Ao passar pelas barreiras
Foram todos revistados
Ao indagarem o que houve
Responde o homem fardado
Foi morto um capitão
Por um de nossos soldados.

Chegando lá no quartel
Algo lhes chamou atenção
Quando falaram o nome
De quem matou o capitão
Este não foi nada menos
Que o soldado Ramon.

A rixa entre os dois
Foi por causa do bigode
Capitão manda tirar
Ramon lhe diz que não pode
Isso chegou num limite
Que a ira deles explode.

Nesse dia o capitão
A Ramon manda chamar
Que vem a seu gabinete
Pra com ele conversar
Pergunta quando é que vai
A porcaria raspar.

Ramon que naquele dia
Estava fazendo a ronda
Assim que chamado veio
Para resolver a bronca
Manter aquele bigode
Pra ele, questão de honra.

No jogo ali de ofensas
Parecia uma disputa
Um esquece do seu posto
Outro esquece a conduta
“Você vai tirar o bigode
Seu grande filho da p....

Ramon ao ouvir aquilo
Na frente nada mais viu
Sua mãezinha ofendida
De uma maneira tão vil
No peito daquele homem
Dá um tiro de fuzil.

Sai andando pelo pátio
No meio ali dos soldados
Nenhum deles dá um passo
Todos ficaram parados
Só quando cruza o portão
Comandante é avisado.

Seo José e o genro Quinca
Junto com a comissão
Vieram ali conversar
Com o chefe do batalhão
Sem atitude, parados,
Bem na frente do portão.

Para entrar eles pediam
Sua identificação
Acharam por bem que o Quinca
Não passasse do portão
Senão iam descobrir
Que de Ramon era irmão.

O grupo some lá dentro
Lá fora fica pensando
“Onde ele se meteu?”
A cabeça matutando
“Se pegarem ele vivo
Vão acabar o matando”.

Ramon fugiu pra Argentina
Por lá mesmo se casou
Para não ser encontrado
Seu nome ele trocou
Só muitos anos depois
Para o Brasil retornou.

Lá fora Quinca esperava
A volta dos companheiros
Quando se abre o portão
Viu José sair primeiro
Depois um atrás do outro
Foi saindo o grupo inteiro.

Conseguiram uma audiência
Com aquele comandante
Contaram o que acontecia
Em suas terras distantes
Que não mais aceitariam
Expulsão de agora em diante.

Comandante aconselhou-os
A voltar pras suas casas
Em breve, ele prometeu
Um jeito naquilo dava
Hoje não tinha cabeça
Devido aquela desgraça.

O que mais alegrou Quinca
Foi o que em seguida ouviu
Comandante disse aos homens
O tal soldado fugiu
Reviraram toda a Foz
Ninguém sabe ninguém viu.




DE VOLTA PARA SÃO BRAZ



Ao voltarem para casa
Foi uma estripulia
Tod’elas falavam juntas
Ninguém ali entendia
Esmerina dá um grito
Ralhando com as gurias.

Nisso se houve uma voz
A Vilma foi quem falou
“A culpa foi da assanhada
Que à Angelina provocou
Por isso com o facão
A cabeça dela cortou”.

Os homens ao ouvirem isso
Quase caíram pra trás
Angelina era brava
Brava até por demais
MAS
Arrancar uma cabeça
É coisa que não se faz.

Quinca sem acreditar
Leva a mão ao coração
Até agora pensava
Somente no seu irmão
Como num passe de mágica
Toda sua atenção
Volta pra sua mulher
Com aquele barrigão.

Angelina estava grávida
Oito meses de gestação
Mas isso não a deteve
De passar à mão no facão
Da cabeça da assanhada
Arrancar-lhe um tampão.

Tudo isso começou
Um dia lá na estrada
A sirigaita passou
De Angelina deu risada
Esta cá ameaçou
Dar-lhe uma vassourada.

Daquele dia em diante
Toda vez que ali passava
No maior descaramento
Pro Quinca se assanhava
Angelina prometeu
Um dia ainda a pegava.

Nesse dia Angelina
No outro lado da estrada
Fora buscar uma vaca
De leite que lá pastava
O facão foi pra cortar
A corda que a enrolava.

Na hora passa a assanhada
Querendo incomodar
Pára na frente da casa
E começa a “inticar”
Sem perceber que atrás dela
O perigo está a rondar.

Quando esta se dá por conta
Nem grito sai, perde a voz
Agora sem mais ninguém
As duas estão a sós
Vai correr, tropeça, cai
Só vê o facão e sua algoz.

Disseram que a assanhada
Teve foi é muita sorte
Ou piedade de Angelina
Que lhe deu apenas um corte
Desta vez a desvalida
Livrou-se da própria morte.

Pai e marido se sentam
Suspirando aliviados
Pensaram que o facão
Tivesse mesmo decepado
A cabeça da mulher
E do corpo separado.

A mãe, mulher corajosa
Modelo pras suas filhas
O pai, homem exemplar
Como chefe de família
Se os irmãos eram valentes
Medo não tinham as gurias.

Isso me trás a lembrança
De uma coça danada
Que Derli um rapagão
Levou na beira da estrada
Por ter ido tomar banho
Dentro do “olho de água”.

Antes de se construir
Aquela nova morada
Com poço e água fresca
Que dele era tirada
Iam buscar água limpa
No “olho” à beira da estrada.

Como ali era a nascente
Da sanga que lá corria
Limparam e aproveitavam
Água que dali vertia
Por ser limpa, a família
Da água “pura” bebia.

Certo dia indo Isaura
Na estrada caminhando
Com um balde em cada mão
Pela sanga costeando
Nisso escutou um barulho
Tinha alguém lá se lavando.

Pé-por-pé se aproxima
Expiando entre as taquaras
Lá estava o folgado
Até sabão ele usara
Derli cantando se banha,
E a água toda sujara.

A moça indignada
Num pulo desce o barranco
Dá baldada, chute, tapa
Deixa ele meio tonto
Que corre para a estrada
Mas continua apanhando.

Nesse dia a família
Não tomou água fresquinha
Mas um homem apanhou
Lá na beira da sanguinha
Nada mais e nada menos
Que de uma linda mocinha.

Quando perguntam a Derli
Se ele quer ir se banhar
Responde por que já sabe
Que a intenção é lhe gozar
“Não, eu só fui no “olho d’água”
Porque gosto de apanhar.”




MORRE UM COLONO



Deixa estar não levou muito
Logo uma noticia correu
Perto do Parque Iguaçu
Um colono faleceu
Dizem que foi atacado
Morte natural, não morreu.

Estava ele trabalhando
Quando lá foi encontrado
Marca no corpo não tinha
Por dentro tudo estourado
Ninguém entendia o que
Havia ali se passado.

Disseram ser coração
Mas isto foi descartado
Descobriram que a polícia
Por lá havia passado
Mesmo eles tendo certeza
Nada pode ser provado.

Pra quem denunciariam
Se a polícia acobertava
Quando não era jagunço
Ela própria ameaçava
Pra ver se o colono foge
Abandonando a morada.

Duas semanas depois
O que chamou atenção
A chegada de indivíduos
Na casa de um alemão
Indagando o colono
Com uma lista na mão.

Foi na linha Petracine
Onde o alemão morava
O povo se agitou
Da lista desconfiava
Porque todos conheciam
Os nomes que lá estavam.

Ao irem embora dali
Um deles ficou pra trás
Os outros nem perceberam
O que o companheiro faz
Porque ele foi ligeiro
Comparando aos demais.

Rapidamente cochicha
No ouvido do alemão
Que fica admirado
Ouvindo a declaração
Isso foi fundamental
Para uma futura ação.




O HELICÓPTERO



José “desacorsoado”
Esperando uma instrução
Por parte lá do Exército
Fazia bem um tempão
Que em Foz tinham estado
Ele mais a comissão.

Certo dia como sempre
Da roça ia voltando
Escutou uma barulheira
Um motor forte roncando
Estranhou, pois era raro
Caminhão ali passando.

Olhou pra um lado da estrada
Nenhum carro apontando
Pro outro lado qual nada
Nem poeira levantando
Nisso em frente à sua casa
Vê a mulher abanando.

Todos correm para fora
No terreiro acenando
Seo José olha pra cima
Pra ver o que estão olhando
Só agora é que enxerga
Um helicóptero voando.

O teco-teco voava
Por toda a linha São Braz
Ia até as moradias
Depois voltava pra trás
Sobrevoava a igreja
Ali se detinha mais.

Avião ia e vinha
Numa espécie de chamado
Colono corre pra igreja
Entendendo o recado
Conversavam entre si
De fato estavam intrigados.

Seo José um dos primeiros
Porque morava lá perto
Logo o pátio da igreja
De gente ficou coberto
Esperando que voltasse
O avião do Exército.

Em breve reaparece
Quase raspando o telhado
Em cima daqueles homens
No ar, fica ele parado
Nisso um saco é aberto
De dentro dele é jogado
O que a primeira vista
Parece papel picado.

Muitos deles pelo vento
Saem voando ao léu
Outros direto nos homens
Que acabam enchendo os chapéus
Nem sabiam o porquê
Pois era apenas papel.

Por um tempo o avião
Ficou pairando no ar
Isso porque os ocupantes
Queriam se certificar
Que os colonos aos papéis
Iriam mesmo juntar.

Quando isso acontece
Avião começa a subir
Bem longe atrás das nuvens
No horizonte vai sumir
O que foram lá fazer
Vamos aqui descobrir.

Na mão eles seguravam
Cada um o seu panfleto
Em silêncio indagavam
Olhando pro companheiro
Esperando em silêncio
Quem deles fala primeiro.

José segura o papel
Com sua mão calejada
Tira o chapéu da cabeça
De novo dá outra olhada
Colonos ali pressentem
Qual a decisão tomada.

O PANFLETO DIZIA ASSIM:

“Analisando a ajuda
A qual vieram pedir
É público e notório
O Exército não pode agir
MAS COM
Derramamento de sangue
AS
Forças Armadas vão intervir.”

O silêncio foi cortado
Formou-se uma agitação
Falavam ao mesmo tempo
Expressando opinião
Pra resolver o impasse
Marcaram uma reunião.

Foram chamadas pessoas
Do lado de Medianeira
Pra durante a reunião
Servir como conselheiras
Pois era lá do seu lado
Que se dava à baderneira.

No dia que foi marcado
Muita gente se reuniu
Tanto do lado de cá
Como do outro lado do rio
A escola de São Braz
De colono entupiu.

A coisa mais importante
No dia da reunião
Lá estaria presente
O colono alemão
Que contaria a todos
O que soube de antemão.

Alemão relata a eles
Sobre os caras esquisitos
Que passaram com uma lista
Com vários nomes escritos
Mais estranho foi ainda
O que um deles teria dito.

FOI MAIS OU MENOS ISTO:

“Vocês fiquem preparados
Que a policia vai entrar
Matarão uma meia dúzia
Outros irão expulsar
Querem com esta ação
O restante assustar
Tomem suas providências
Que isto não vai demorar.”

Vergulino mais Hercílio
Que tomavam à dianteira
Um representante dali
O outro de Medianeira
Decidiram com os colonos
Não marcariam bobeira.

Escolheram ali três homens
Um deles o alemão
Iriam até Medianeira
Observar a situação
E como quem não quer nada
Sondar a movimentação.

Os três vão para a cidade
E qual a surpresa suas
Encontram o indivíduo
Qu’estava andando na rua
Reconhece o alemão
Mesmo estando à rua escura.

Tentaram de ele esconderem-se
Mas isto não adiantou
Aquele chegando mais perto
Alemão ele chamou
“O que estão fazendo aqui?”
O tal homem perguntou.

Procuram desconversar
Mudando o rumo da prosa
Aquele homem insiste
Num tom de voz amistosa
Atitude da polícia
Ele diz que não aprova.

Só podiam estar loucos
Pr’essa decisão tomar
Como num desconhecido
Poderiam confiar
O jeito pagar pra ver
E deixar o homem falar.

Homem diz que o governo
Está armando um plano
Quer o mais rápido possível
Tirar a terra do colono
Porque sabe que eles são
Os seus verdadeiros donos.

“Primeiro invadem aqui
Depois tomam o outro lado
Se o colono daqui correu
De lá será arrancado
Isso já é coisa certa
Têm tudo planejado.

Do lado lá da Gaúcha
A coisa é meio incerta
No entanto em Medianeira
Há uma porta aberta
Pra polícia invadir
Já tem dia e hora certa.”

Os três ouvindo aquilo
Giram sobre um só pé
Sem restar dúvida alguma
O homem é digno de fé
Vão direto sem parada
Pra casa de seo José.

À noite uns quinze colonos
Atendem de José o chamado
Das últimas novidades
A par foram colocados
Agora os próximos passos
Tinha que ser bem pensado.

Trancado a sete chaves
O que eles planejaram
Somente os quinze sabiam
Pra ninguém mais revelaram
Se vazasse qualquer coisa
Ia tudo pelo ralo.

Quinze era o suficiente
Todos eles preparados
Não precisavam de mais
Pra dar conta do recado
Estavam tão certos disso
Mas só depois foi provado.

Querido e atento leitor
Que este livro está a ler
Com certeza perguntando
Curioso quer saber
O que aquele homem falou
E o que irá acontecer.

Da causa daqueles colonos
Tal homem era simpático
Falou sem fazer rodeios
De um modo muito prático
A corda sempre arrebenta
Do lado que é mais fraco.

O GOVERNO

Mandaria a polícia
PRA
Resolver logo a questão
DE SURPRESA
Entrariam nas posses
Fariam um arrastão
Com tudo bem acertado
PARA O QUE
Eles chamavam de ação.

Um jipe com policiais
Seria mandado na frente
Intimidando os colonos
Assustando aquela gente
Em seguida atrás deles
Viria um grande contingente.

Para entrar lá nas posses
Melhor ir por Flor da Serra
Uma linda vilazinha
Comparada a uma pérola
Que nos seus entendimentos
Era uma porta aberta
Surpreenderiam os colonos
Entrando lá pela serra.

A estratégia era perfeita
O caso foi bem pensado
Porém aqueles colonos
Contavam com um aliado
Cuja armação de lá
Os de cá foram avisados.

O jipe ia à frente
O resto vinha depois
Espaço de uma hora
Que separaria os dois
Um comboio policial
Com dois ou três caminhões.

Deu a eles data exata
Que a polícia ia entrar
Oportunizando os colonos
De uma estratégia criar
Quando a polícia invadisse
Prontos estavam a esperar.

O plano assim se deu
O dia esperado chegou
Uma reunião foi feita
Na noite anterior
Convocaram alguns rapazes
E a eles se revelou.

“A tarefa de vocês
Amanhã de madrugada
Avisem cada colono
Da estratégia aqui montada
Nós vamos à Flor da Serra
Preparar uma emboscada.




A REVOLTA DE FLOR DA SERRA



José mais os companheiros
Cruzam o rio numa pinguela
Passava da meia noite
Nem madrugada ainda era
Pra encontrar com os outros homens
E seguirem pra Flor da Serra.

Dispensaram os cavalos
Deduziram mais seguro
Uma longa caminhada
Trabalho árduo e duro
Iam andando pela estrada
Enquanto ainda escuro.

No topo em cima da serra
Os homens tinham chegado
Agora é descer o vale
E andar mais um bocado
Subir novamente a serra
Que estava do outro lado.

Chegando embaixo no vale
Na casa de um colono
Com pão, manteiga e café
Os estava esperando
Somente depois de comer
Subiram a serra andando.

O dono daquela casa
Junto com eles quis ir
Conhecia palmo a palmo
Toda região por ali
Bem antes do amanhecer
A serra começam a subir.

Do outro lado da serra
Chegaram com sobra de hora
Porém sem perda de tempo
Não podia ter demora
Precisavam de uma árvore
Que desse uma grossa tora.

Logo em seguida avistaram
Bem na beira da estrada
Um baita pé de angico
Era a árvore procurada
Foi só meter o machado
Pra tora ser derrubada.

Angico geme ao cair
Atravessando a estrada
Impedindo a passagem
Totalmente interditada
Quem quer que ali passasse
Cairia na emboscada.

A tora foi derrubada
Na curva lá da estrada
Pra que ela não pudesse
De longe ser avistada
Só quando estivesse perto
Podia ser enxergada.

Tudo certo conferiram
O dia a amanhecer
Eles entram lá na mata
Cada um vai se esconder
Agora é ter paciência
E deixar acontecer.

Há esta hora os colonos
Tinham sido avisados
Pelos rapazes que a eles
Haviam sido mandados
Trataram de prevenir-se
Nas propriedades armados.

José atrás de uma moita
Com o cunhado ao lado
Alguns se encheram de folhas
Como árvores camuflados
Estes, não foram pra mata
FICARAM
Atrás das toras abaixados.

Ao olhar para o cunhado
Que se ajeita por ali
José pergunta a si mesmo
“Como foi que te segui?
Se eu soubesse como era
Tratada a gente daqui
Pegaria aquela carta
Que um dia recebi
Rasgaria em mil pedaços
Hoje não estaria aqui
Certeza ainda moraria
Na praia de Tramandaí.”

Vergulino até parece
Adivinhar seu pensamento
Pelo que fala ao cunhado
Neste exato momento
“Se não quiser atirar
PODE DEIXAR
Que este “rojão” eu agüento.”

As palavras são cortadas
Pelo ronco de um motor
Escutam um assobio
Sinal que se combinou
Sobe pelo corpo todo
Um tão intenso calor
Que o rosto fica molhado
Por completo de suor.

Aquele ronco distante
Aos poucos vai aumentando
Isso se dá porque o carro
Dali está se aproximando
José limpa o suor
QUE
No olho teima ir pingando.

Nisto um pensamento tolo
A sua mente invade
“Pode não ser a polícia
Um outro carro quem sabe
Ninguém iria atirar
E O CARRO
Voltaria pra cidade.

Mas se isso acontecesse
Toda ação deles estraga
Encontrariam a polícia
Esta seria alertada
“Por ali não tem passagem
Devido à tora na estrada.”

Lembra-se do helicóptero
Do panfleto do Exército
Teria que correr sangue
Uma sugestão por certo
De resolver o problema
Agora estavam bem perto.

Por isso foi decidido
No dia da reunião
E os quinze naquela noite
Acharam que foi provisão
A polícia ter planejado
Nas posses a invasão.

Mas agora não tem tempo
Para pensar mais em nada
O ronco está muito perto
Próximo da emboscada
Seus olhos estão vidrados
Na curva lá da estrada.

Neste instante ele deseja
Que o carro logo apareça
O que tiver que acontecer
Que logo isso aconteça
Se demorar mais um pouco
Explode sua cabeça.

Lá vem o carro apontando
Os olhares nele atentam
Vem andando devagar
PARECE
Estar em câmara lenta
Não é apenas o corpo
Também a cabeça esquenta
Se ver de cara com a morte
Não é qualquer um que agüenta.

Passa-se uma eternidade
Até o jipe parar
Ocupantes só percebem
Quando vão desembarcar
Caíram numa emboscada
Agora é tarde pra voltar.

O jipe anda de ré
Numa manobra arriscada
A intenção era fugir
Pra não morrer na cilada
Porém roda alguns metros
E atravessa na estrada.

O motorista cai morto
Debruçado no volante
Carona tenta fugir
Cai morto logo adiante
UM
Enfia-se embaixo do jipe
Faltam lá dois ocupantes.

Os colonos saem da mata
Já quase sem munição
Tamanho número de tiros
Detonados na direção
Do jipe que agora jaz
COM OS QUATRO
Pneus arriados no chão.

No carro encontram dois mortos
Sentados no banco detrás
Vergulino vê um coturno
Que debaixo do jipe sai
Arrasta ele pelas pernas
Esconder-se não dá mais.

Ao ver o riso do homem
Irônico e debochado
Lembra-se de Rosalino
Todo roxo e machucado
Da família de João Saldanha
QUE ATÉ
Cachorro tinha chorado.

Espingarda de dois canos
Gatilho é acionado
Pipoca porque o cartucho
Do cano já foi usado
Procura munição no bolso
Estas haviam acabado
O rosto de Vergulino
José vê está transtornado.

“Atira! Atira! Atira!”
Grita ele ao cunhado
José aponta a arma
Pro homem ali deitado
Passado alguns instantes
Nenhum tiro é disparado.

“Você já matou alguém?”
José lembra a pergunta
Também lembra a resposta
“Matar alguém? Isso nunca!”
E agora seo José
Será que a resposta muda?

Outra vez ouve o cunhado
“Você não vai atirar?
Sabe quem é este homem
Que em nossa frente está
O pior de todos os bandidos
É o jagunço “Maringá”.”

José ao ouvir o nome
Sente as vistas turvadas
De um safanão Vergulino
DAS MÃOS
Lhe arranca a espingarda
Engatilha os dois canos
No bandido é mirada.

Uma cena como aquela
Só quem viu acreditava
Algo aterrador acontece
A quem tudo presenciava
Jagunço ria deitado
Outro em pé dava risada.

Há um dito popular
Falava meu pai idoso
Quando alguém ri ao brigar
Não se ri porque é garboso
Queira dele longe ficar
Que o sujeito é perigoso.

Dois estrondos se ouviram
Quinze minutos passados
Quinze homens pela mata
Cinco corpos lá tombados
Uma espingarda a fumegar
Um rosto desfigurado.

Ao senhor José Raulino
Nunca mais se perguntou
Se algum dia em sua vida
Uma pessoa matou
Sabe-se que a munição
Sua inteirinha sobrou.




O PORÃO



A tarde vinha caindo
O sol vermelho se pondo
Lá na linha do horizonte
Céu perecia sangrando
Com o fim da primavera
Verão estava chegando.

Sentada naquele banco
Sob o pé de sinamão*
Acaricia-lhe o rosto
O ventinho temporão
Esmerina fecha os olhos
E sente o gosto do verão.

*cinamomo (no sul cinamão)

É reportada ao passado
Inevitável lembrar
Da casa de Santo Antônio
Uma noite fria a gear
Ouve ainda a voz do marido
“Espere o verão chegar.”

Muitos verões se passaram
Mas ela nunca esqueceu
Daquela noite de inverno
E o que José prometeu
Que iriam para o sul
Esperança nunca morreu.

Ao pensar em seu marido
Retorna à realidade
Dois dias tinham passado
Sem nenhuma novidade
A ausência de notícia
Aumentava a ansiedade.

Os filhos não concordavam
Mas ela se decidiu
No outro dia bem cedo
Com o Jaime de lá partiu
Quando estava amanhecendo
Já tinham cruzado o rio.

Demoraram um pouco mais
Devagar por causa dela
Mas em ponto do meio dia
Estavam em cima da serra
Se andassem mais um pouco
Chegariam a Flor da Serra.

Do lugar onde estavam
Viam toda a região
Uma casa ao pé da serra
É que lhes chamou atenção
“Vamos descer até lá
E pedir informação.”

Chegando eles mais perto
Tratava-se de um casarão
Mas não era de sobrado
Havia embaixo um porão
Bateram palma, esperaram
Na frente do grande portão.

Parecia sem ninguém
Por estar toda fechada
Esmerina na torcida
Pra que houvesse alguém em casa
A caminhada foi longa
Estava muito cansada.

Escutaram um barulho
Uma janela se abria
Pela abertura pequena
Baixinho alguém assobia
Com a mão faz um sinal
Pra subirem a escadaria.

Já no topo da escada
Nisso a porta é aberta
São puxados para dentro
Os dois entram em alerta
Nesse exato momento
É que fazem a descoberta.

A casa dentro é escura
Porque está toda fechada
Bastam uns poucos instantes
“Vista” fica acostumada
Tem tanta gente ali
Que não dá pra ser contada.

Aquela casa está cheia
De mulheres assustadas
Com indicador nos lábios
Mandando ficar calada
Outra aponta pro porão
Ainda sem dizer nada.

Uma delas se aproxima
Cochichando ao pé do ouvido
Esmerina não entende
Pede pra ser repetido
Sem dúvida aquelas mulheres
Vieram atrás dos maridos.

Com muito custo conseguem
Se inteirar da situação
Contam que de policiais
Está cheio o porão
Prendendo quem ali chega
E sair não poderão.

Neste momento elas vêem
Pela fresta do assoalho
Alguns deles caminhando
Outros jogando baralho
Pra sair daquela casa
Devia haver um atalho.

A dona da casa conta
Que depois da emboscada
Os colonos pela mata
Bateram em retirada
Sabendo que logo em seguida
A policia vinha reforçada.

“Quando encontraram o jipe
Com cinco ocupantes mortos
Solicitaram na hora
Que viessem mais reforços
Enfiaram-se no porão
E aqui estão a postos.

Eles estão esperando
O meu marido voltar
Talvez se pressionado
Seja obrigado a falar
Por isso agora é urgente
A ele ir avisar.”

Elas são interrompidas
Neste exato momento
Por um deles que subiu
Agora está lá dentro
Deve ser superior
Pois o chamam de sargento.

Dirige-se até o Jaime
“Bendito fruto” entre as mulheres
A mãe toma-lhe a frente
Perguntando o que querem
Ele olha para ela
Suas pernas estremecem.

O temor daquela mãe
À coragem dá lugar
Eles bem que poderiam
Em seu filho se vingar
Mas pra encostar a mão nele
Iam ter que lhe matar.

Estranhamente o sargento
Pára, e escuta ela falar
Indagando em seguida
O que foram fazer lá
“Íamos à Flor da Serra
Paramos pra descansar.”

Ele diz que pra cidade
Ninguém vai dali passar
Se alguém teimar em ir
A polícia vai pegar
É melhor ela e o filho
Dar meia-volta e voltar.

Mal podiam acreditar
No que acabaram de ouvir
O policial liberou
Embora podiam ir
Abraça a dona da casa
Um pouco antes de sair.

De volta em cima da serra
Recorda que ao abraçar
A mulher dona da casa
Baixinho conseguiu falar
Que ela daria um jeito
De seu marido avisar
Pra que tomasse cuidado
Ao pra casa retornar.

Nisso o filho lhe cutuca
Apontando na direção
Da casa ao pé da serra
O que lhe chamou atenção
Ver as mulheres saindo
Libertadas foram então.




A TRAVESSIA DO RIO



Seo José o genro Quinca
Três vizinhos e o cunhado
Que dos outros companheiros
Haviam se dispersado
Acharam melhor assim
Para não serem encontrados.

Cansados de tal jornada
Na beira do rio estão
Há três dias pelo mato
Sem nenhuma refeição
“Loucos” pra chegar em casa
Saber da repercussão.

Preferiram não passar
Por nenhuma das pinguelas
Temendo que a polícia
Estivesse em uma delas
De campana esperando
Quem passasse ali por elas.

Mesmo estando muito fracos
Também bastante cansados
Melhor jeito de ir pra casa
Chegar lá sem ser notado
Seria ir pelo rio
Atravessando ele a nado.

Colocaram suas roupas
Em um plástico enrolado
Se não fosse a ocasião
Tinha ficado engraçado
De ver seis homens no rio
Nadando quase pelados.

A corrente era forte
Rio fundo, não dava pé
Como o dito popular
“Nadavam” contra a maré
Por essa não esperavam
Deu câimbra em seo José.

Já lá no meio do rio
Ele começa a gritar
“Endureceu minha perna
Não consigo mais nadar”
Diz isso e na mesma hora
Começou a afundar.

Os homens dão meia volta
A ele vêem socorrer
A correnteza puxava
Eles tinham que correr
Seo José naquele dia
Pensou que ia morrer.

Conseguiram pôr José
Nas costas de Vergulino
Que atravessou o rio
Afundando e emergindo
Ao chegar do outro lado
Do susto acabaram rindo.

Em casa veio à notícia
Que tanto tinham esperado
Cumprindo com o prometido
Exército havia entrado
Resolveria o problema
Com o governo do estado.




MUDANÇA NO CENÁRIO PILÍTICO



Mil novecentos e sessenta
Houve uma grande inversão
Com mudança na política
Pros colonos a solução
Governo foi para as mãos
De quem era oposição.

Jânio Quadros e Ney Braga
Prometeram solução
Quando fizeram campanha
Por toda a região
Esmagadora vitória
Em cima da situação.

Ainda guardo na memória
Um fato muito engraçado
Quando a turma de Lupion
Fez campanha pro estado
Foram à casa de José
Pedir votos os “deslavados.”

Convidados a entrar
Lá já estando sentados
Viram fotos de Ney Braga
Cartazes por todo lado
Pediram pra pregar também
Fotos de seu candidato.

Esmerina que há tempos
Oportunidade esperava
De dizer umas verdades
À hora agora chegara
“Se eu encontrar propaganda
De Lupion cara-a-cara
Pregado numa parede
Arranco e jogo fora
Se não alcançar com as mãos
Cutuco com uma taquara.”

Mais ou menos desse jeito
Eles eram recebidos
Em todo lugar que iam
De lá saiam corridos
Só perderam o seu tempo
Melhor não tivessem ido.

Como era esperado
Candidatos da oposição
Receberam a maioria
Dos votos da região
Com mais de 80%
Jânio e Ney ganham a eleição.

Começo do ano seguinte
Jânio assina o decreto
Desapropriando as terras
Que ficam no sudoeste
Em regime de urgência
É só o que o colono pede.

Em sessenta e dois, o então
Presidente João Goulart
A tal desapropriação
Termina de efetivar
Pra definitivamente
O problema solucionar.

Em seguida entra o INCRA
Trabalha na medição
No início foi difícil
Não havia aceitação
Colono desconfiava
Se tinham boa intenção.

Por isso foi que o Exército
Acompanhou a demarcação
Em vista de ele gozar
De boa reputação
Entre àqueles colonos
Moradores da região.

Agora dono legítimo
Com tudo documentado
Colono tem interesse
De estar bem informado
Pela política vigente
Aqui dentro do estado.

José nunca foi político
Mas era politizado
Com o novo panorama
Que se tinha instalado
A cidade e a colônia
Tornaram-se aliados.

São Miguel do Iguaçu
Gaúcha não era mais
Uniu-se com a São Jorge
Também a linha São Braz
Colocando o município
No cenário dos demais.

Rico Gueller, André Maggi
Seo José e Fortunato
Políticos e mais colonos
Trabalhando lado-a-lado
Tudo ia muito bem
Até em quarenta e quatro.

Vejam como é a vida
O que hoje é amigo
Sem demorar muito tempo
Transformou-se em inimigo
Mas isso já é assunto
Pra se escrever outro livro.




INAUGURA O CEMITÉRIO



Seo Ventura entra no mato
Pra madeira derrubar
Acha três pés de peroba
Elas se põe a cortar
Encosta sua carroça
Difícil é carregar
Dirige-se a serraria
Para as toras lá serrar.

Pega nas rédeas dos bois
Sentado em cima das toras
Sabe que é demorado
Pra chegar lá não tem hora
Ter cuidado pela estrada
É o que importa agora.

O eixo da roda geme
Porque a carga é pesada
Duas juntas de bois puxam
A carroça carregada
Saem do carreador
Encaminham-se pra estrada.

Para atravessar a ponte
Que fica sobre uma sanga
Tem que descer a ladeira
Com os bois puxando a canga
Ventura freia a carroça
Mesmo assim ela desanda.

Carroça derruba os bois
Descendo na disparada
Ao invés de descer reto
Pra na sanga ser parada
Antes disso ela atravessa
Começando a ser tombada.

Dá umas cinco cambotas
Até parar lá na ponte
Taboas, roda cabeçalho
Agora é só um monte
A viagem à serraria
Terminou nesse instante.

Seo Ventura que sentado
Na tora de lá pulou
Mas enroscou na corrente
Que na tora amarrou
Caindo por baixo dela
Que sobre ele rolou.

Quando se deu a notícia
Do que tinha acontecido
Vizinhos foram pra lá
Pra socorrer o amigo
Mas de nada adiantou
Ventura tinha morrido.

O enterro do vizinho
Reuniu a multidão
Pois era homem estimado
Em toda a região
Não faltou quem não quisesse
Pegar na alça do caixão.

Fizeram muita piada
Mas o caso era sério
Ninguém queria morrer
Isso não tinha mistério
O certo é que algum dia
Inauguraria o cemitério.

Teve foi muito suspiro
Tristes ou aliviados
Dando graças não ter sido
Um deles lá enterrado
O fato é que naquele dia
Cemitério foi inaugurado.




DOIS CASAMENTOS E UMA FESTA



Lembra-se de Osvaldo Dutra
Que com Vilma ia fugir
Pois agora estava ele
Namorando com a Luci
De ser daquela família
Não cansou de insistir.

Com os preparativos prontos
Pro casório do momento
Uma festança animada
Pra comemorar o evento
Mesmo porque haveria
No dia dois casamentos.

O casamento seria
Da Luci com o Osvaldo
Mas como Vilma e Joanim
Viviam amasiados
Seo José achou por bem
Ter os dois também casados.

Os três dias que antecedem
O grande acontecimento
Na casa de seo José
Há enorme movimento
Com gente que vem chegando
Pra assistir ao casamento.

Nisso os gritos de alguém
Chama atenção de Esmerina
Que olha para a estrada
Pra uma mulher que lá vinha
Ainda não acreditando
Se tratar de Leondina.

Ao chegar ela mais perto
A dúvida se desfez
Realmente era Leondina
Que a casa torna outra vez
Dez anos tinham passado
De volta o caminho fez.

Mãe e irmãs ao seu encontro
Imediatamente correram
Abraçam-na com saudades
Quase que com desespero
Leondina e a irmã caçula
Só então se conheceram.

Chegou o dia esperado
O céu amanhece azul
Os noivos vão se casar
Em São Miguel do Iguaçu
Um casamento à gaúcha
Como se faz lá no sul.

Alugou-se um caminhão
Pra levar eles no dia
Noivos iam na gabine
Os outros na carroceria
Caminhão estava cheio
Também de muita alegria.

Quem ficou assa o churrasco
Na vala feita no chão
Aproveitam pra tomar
Uma rodada de chimarrão
Nisso escutam o foguetório
E o ronco do caminhão.

Casamento igual a esse
Não se viu na redondeza
Ninguém lá ficou de fora
José fez esta proeza
Comparecendo em massa
Toda gente sertaneja.

As noivas estavam lindas
Valia a pena se ver
O povo se divertindo
Se alegrando pra valer
O fandango correu solto
Até o anoitecer.

Esmerina e seo José
Sentados a observar
Na área em frente à escola
O povo a farrear
Momento a ser guardado
Pra posteridade lembrar.

Nisto chega-lhes correndo
Sua filha mais novinha
Lápis e papel na mão
Rabiscado entre as linhas
Perguntada por seus pais
O que escrito ali tinha
Responde toda garbosa
“To escrevendo uma historinha.”

Do jeito que chega vai
Sentar-se ao pé da escada
Quando ela entrou na escola
Já era alfabetizada
Por sua irmã Isaura
Que tudo lhe ensinava.

Os pais atentam ao povo
Que se diverte faceiro
Uns que vem outros que vão
Da escola ao terreiro
Quantos dos que ali estão
São seus leais companheiros

O Juca e Bastião
Também o João Maria
Não eram apenas peões
Tornaram-se da família
Amigos do coração
Na tristeza e na alegria.

Angelina e Zezinho
A Vilma e Leondina
Todos eles deram netos
A José e Esmerina
Luci se casou há pouco
Os outros casariam ainda.

Relembram o que passaram
O quanto tinham sofrido
Mas hoje estão felizes
Tudo será esquecido
Pois pela primeira vez
Têm os filhos reunidos.




QUANDO O VERÃO CHEGOU


Depois daquele casamento
Muitos verões se passaram
Primaveras e outonos
Invernos que até gearam
Porém mais por duas vezes
Todos os filhos se encontraram.

Encontraram-se duas vezes
Juntos no mesmo recinto
A tristeza foi intensa
Tenha certeza não minto
Uma em setenta e seis
Outra em oitenta e cinco.

Dezembro de setenta e cinco
Esmerina viajou
Foi pra Santa Catarina
Até o Rio Grande chegou
No verão daquele ano
Seu sonho realizou.

No dia vinte de julho
Abalo a família sofreu
Ano de setenta e seis
Ninguém dele esqueceu
Reuniram-se outra vez
Porque Esmerina morreu.

Nove anos se passaram
Infelizmente a família
Setembro daquele ano
Novamente se reunia
Desta vez foi seo José
Deste mundo partiria.

A caçula que eles pensavam
Ser um dia professora
Em direito se formou
Porém não quis ser doutora
Largou advocacia
Pra se tornar escritora.











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