Conheci-a numa época difícil de sua vida. Estava recém separada, muito aturdida com toda a mudança de vida imposta pela rapidez dos acontecimentos. Ainda não havia possibilidade de gerenciar tanta coisa nova e diferente em sua vida.
Sabia apenas uma coisa, e com toda certeza: não haveria de afundar-se na lama sórdida da situação criada para o desfecho de um casamento que ela tentara segurar a vida inteira!
Contou-me sem censuras suas desditas, o impacto doloroso de descobrir que seu marido tinha uma amante, e que jamais imaginara tal fato para si em tempo algum! Acreditava ter sido uma boa companheira, fiel, concordada, sem vícios e conhecedora dos prazeres do amor que podia dar a seu companheiro.
Mas ele havia ignorado tudo! E ela percebia que seus esforços foram inúteis e que, inegavelmente teria de admitir que não conhecia tão profundamente os segredos da paixão.
Afinal, o que era paixão? Amor, paixão, amizade, afeto, companheirismo.
Quanta nuance de um mesmo tema de um mesmo sentimento que, no momento, não conseguia juntar de maneira equilibrada para entender onde havia acontecido a ruptura, a quebra fundamental naquela história aparentemente perfeita. Onde – meu Deus! – acontecera a rachadura que rompera todo o conto de fadas vivido? Nada ou ninguém conseguia responder essa questão.
Mas percebi a sua garra, a sua maneira cuidadosa de procurar respostas que a mantivessem ereta e inteira. Ficamos logo amigas, talvez por que eu também havia passado pela mesma situação e já estava curada desse processo. Fui-lhe confidente fiel nesses momentos e pude aprender muito a respeito de mim mesma enquanto passava parte da minha experiência para ajudá-la.
Mas é interessante ver como cada um escolhe um destino. De que forma diferente cada um reage! E, entrar nessa sintonia com outra pessoa tão diferente de nós para acessar sua alma, é um exercício estimulante e difícil. Temos de questionar nossas próprias crenças, quebrar nossos velhos tabus, limpar o olhar do preconceito, enfim, esvaziarmo-nos para poder olhar com o olho alheio e ver como ele vê a situação. Só assim é que conseguimos, realmente, ajudar alguém. Foi o que tentei fazer...
Mais ouvi, do que falei. Mais observei, do que tentei absorver. Quis permanecer isenta e aprender um jeito diferente de ver a vida. Sabia da sua competência, da sua capacidade de decidir e, portanto, seria de melhor serventia apenas permanecer disponível para ouvir seus desabafos e permitir que “vomitasse” seu desconforto, para poder, ela mesma, proceder a sua cura. E acho que acertei a receita necessária...
Acompanhei passo a passo suas decisões, suas escolhas, seus desacertos, suas indecisões e conseqüências. E aprendi demais sobre a natureza humana, sobre a diversidade de recursos, sobre a enorme capacidade de algumas pessoas –como ela- de gerenciarem sua vida e ressurgirem após uma devastação.
Ela tentou tudo o que pôde e soube para entender como funciona a vida. Despiu-se de todo o preconceito que por acaso houvesse em seus critérios para poder entender melhor o funcionamento da existência.
Foi então, que para minha enorme surpresa, tomou uma decisão completamente estapafúrdia ao meu olhar! Quis experimentar a única coisa que jamais imaginara – e muito menos eu!-. Ser a “outra”!
Foi difícil, para mim, permanecer em silêncio respeitoso. Mas em nome da amizade sólida que edificamos, decidi continuar observadora e ouvinte de sua história. E foi aí, que mais aprendi e desaprendi da essência humana...
Assisti ao paradoxo das alegrias e tristezas do outro lado de nós mesmas. Descobri que somos sempre seres em dualidade permanente. Que teremos sempre os mesmos resultados estando de um lado ou do outro em quaisquer situações vividas. Não existe solução aparente. A vida é mesmo um grande desafio, um grande jogo, do qual nunca poderemos imaginar o final, apesar da audácia de cada um dos jogadores.
No princípio, foi tudo um sonho de princesa. Emocionantes escapadas, os riscos, a busca apaixonada de dois amantes. A necessidade premente de o seu amado estar com ela deu-lhe um status jamais imaginado de prazer e sedução. Apaixonou-se perdidamente.
Pelo homem... Ou pela fantasia?... Não entendia ainda, como espectadora, onde estava a verdade da questão. Só sei que foi feliz como ninguém, quase me convencendo de que essa era a situação ideal. Mas o tempo ainda é senhor da razão, e se encarregou de mostrar a realidade.
Logo, as necessidades de ter o objeto do seu desejo começaram a surgir prementes. Já não bastava mais o simples encontro às escondidas. Queria anunciar a todos a sua alegria e seu grito ficava parado no ar, estático no tempo, sem possibilidade de expressão, abafando o peito pleno de felicidade e a alma plena de gozo.
E suas noites se transformaram em vazios monumentais quando ficava só. Seus dias perderam a expressividade com as esperas. Suas certezas se transformaram em dúvidas permanentes. Já não sabia mais como esperar e quando esperar. Passada a emoção do primeiro instante, percebeu-se sendo sempre a preterida, embora tivesse a certeza de ser a mais amada. Tinha de compreender que nem sempre o prometido poderia ser cumprido, que a prioridade não seria ela. Nunca. Afinal, o seu lugar seria sempre a sombra. Por não sabida, não podia também ser a prioridade. Afinal, quem prioriza aquela que não existe?
E a magia foi se transformando em pesada realidade. E o que era fértil, tornou-se árido. Os silêncios dos momentos do amor avassalador quando não se podia falar por não poder perder o momento, foi se transformando em desconhecimento um do outro. E o prazer começou a se transformar em compromissos cobrados. Em moeda de troca. Em forma de chantagem para exigir maior presença do seu amado.
Então se viu chata, desagradável, resignando-se ao mesmo papel que já havia cumprido no seu casamento destroçado pelas mesmas razões, agora revividas. Cheguei a imaginar, assistindo sua luta, que ela não conseguiria resolver esse impasse. E ainda bem que não me pediu opinião! Não saberia dar-lhe nenhuma. Estava tão impactada quanto ela. Ou, pelo menos, pensava que estávamos na mesma sintonia...
E o amado? Esse não podia deixar de ser apenas o amado. O grande “lance”, a grande fantasia, era o encanto do obscuro, a emoção do encontro furtivo, a adrenalina do escondido... Mudasse a regra, mudaria o enredo... E, consequentemente, o resultado!
Foi então que pude ver a pessoa admirável que ela era. Com firmeza e serenidade, fez a única opção plausível para preservar-se do iminente desastre que a esperava.
Rompeu o laço e assumiu a perda, voltando a ter um nome real e coerente com seu próprio sentido de existir. Deixou de ser “a outra” para ser ela mesma. Outra vez, viva, dona do seu destino, da sua integridade, de suas vontades e desejos. Optou por viver, por estar presente, e assumiu o risco das conseqüências da própria escolha.
Só então constatou a grande lição:
Na vida, o importante não é só o Amor... É também necessária a coragem para amar...