E lá estava ela, a lâmpada fluorescente compacta, com seu design moderno e arrojado, acomodada confortavelmente em seu trono numa gôndola de uma grande loja de materiais para construção. Ela tinha consciência de que era famosa, de que tinha vindo de berço esplêndido, afinal, seu fabricante, era uma multinacional conhecida no mundo inteiro. Por este motivo, ela era convencida, olhava para as outras concorrentes com desdém, ela se achava melhor do que todas as lâmpadas do mundo e tinha pavor, só de pensar, em viver no meio da pobreza, pois seu lugar era nos ambientes requintados, não em qualquer lugar. Ela era admirada e elogiada por suas características. Seu design futurista encantava a todos e sua incrível capacidade de duração, era decisiva na hora da compra, sem falar é claro, que ela, ao contrario das antigas e ultrapassadas lâmpadas incandescentes, propiciava a luz do dia nos ambientes internos, mais um motivo para que ela se sentisse a melhor lâmpada exposta naquele corredor. Desde que nasceu e veio parar na loja, que ficava num shopping famoso de São Paulo, ela sonhava em ser comprada por alguém de muito bom gosto, que a colocasse em lugar de destaque, porque ela nasceu para brilhar e não seria justo para uma lâmpada como ela, ser comprada sem critério e ser colocada, como ela dizia, num pardieiro qualquer.
Certo dia, ela foi comprada, exatamente como acontece a qualquer produto numa loja, uma cliente entrou preocupada no corredor onde ela estava exposta e no meio de tantas concorrentes, ela foi escolhida com louvor. E ela se foi, feliz e orgulhosa por ter sido comprada por uma pessoa fina e elegante e tinha certeza, de que seu destino era ficar em lugar de destaque na residência dela, num Condomínio de luxo, que a lâmpada pode ler na nota fiscal, ficava no bairro do Morumbi. Todas as outras lâmpadas, ficaram lá na loja, tristes e esperando a sua vez, e imaginando, qual seria o destino que estava reservado para elas e assim, dias, semanas, meses se passaram, e uma a uma, foram sendo compradas afinal, porque o fabricante da lâmpada fluorescente compacta, mais vendida no mundo, havia falido e então, todas as outras marcas, tiveram sua chance de mostrar seus produtos, que também eram de qualidade e ganhar, não só a confiança do consumidor, mas também um bom conceito no mercado da iluminação. Lá, no condomínio de alto luxo, aquela lâmpada orgulhosa e convencida, tinha estado desde que chegou , no lugar de mais status da residência. Ela tinha sido instalada em um spot, dando vida e charme a um quadro de um pintor famoso, pendurado num canto, à meia luz. Ela não nunca pensou em sua vida que seria tão feliz. Era impressionante como sua luz, destacava com magia os detalhes daquela obra de arte e ela era elogiada por todos que visitavam a casa, por que sem ela, aquela obra de arte, não seria nada, sem a devida luz. Lâmpada mais feliz que ela não poderia haver, pois ela era a lâmpada mais importante daquela casa. Ela participava de tudo das grandes festas, das grandes comemorações e assim, seu sonho, era terminar seus dias, no mesmo lugar.
A dona da casa, uma empresária altamente ativa e participante em todas as áreas de sua empresa, soube numa reunião que a multinacional, a fabricante da lâmpada fluorescente compacta, que iluminava seu quadro tão valioso, havia falido, e pensando longe, ela resolveu que iria trocar aquela lâmpada, porque afinal, sendo ela um modelo especial, com um design arrojado e diferente, logo não poderia ser reposta por outra igual. Para o desespero da lâmpada, num certo dia, sem mesmo ser avisada de tal, (um absurdo, pelo fato dela ser uma lâmpada tão especial), veio a governanta com a faxineira e a removeram do spot e nele, foi colocada uma outra lâmpada, de outro fabricante, do qual ela nem mesmo havia ouvido falar. Ela não sabia, mas seu destino era a luminária da cozinha, e lá ela se foi, nas mãos de uma faxineira (outro absurdo, ela pensava), rumo ao lugar onde ficavam os pobres, ela iria ficar entre cozinheiras, faxineiras, copeiras e isto para ela, era o fim! Quando chegaram à cozinha, havia um menino num canto, ele estava esperando a governanta, pois de vez em quando, sempre que podia, ela doava algumas coisas e alimentos para ele levar para casa, porque por um destes gritantes contrates sociais, no bairro chique do Morumbi, enquanto de um lado da rua havia uma rede de condomínios de alto luxo, do outro lado, havia uma favela e era nela, que ele morava. O pequeno garoto, pedia esmolas porque em sua casa, eram ele, sua mãe e mais duas irmãs menores, pois seu pai sem coração, os havia abandonando, à mercê do destino, para viver com outra pessoa. Sua mãe, uma pobre mulher com pressão alta, além de outras complicações de saúde, não podia trabalhar fora para manter a ela e seus filhos e então, só conseguia algum dinheiro, costurando para fora, mas era pouco, só dava para comer de vez em quando, mas comer todos os dias, nem pensar.
A governanta, uma pessoa justa, de origem humilde e de bom coração, desde a primeira vez que conversou com o garotinho e conheceu sua casa e sua família, sempre os ajudou como pode, mas também não era muito, porque sem ordens da patroa, ela não poderia fazer muito mais. Tem certas coisas que não tem explicação e a lâmpada que se achava tão especial, que achava um absurdo, estar sendo levada para a cozinha, foi dada pela governanta ao garoto num gesto de bondade e colocada numa sacola cheia de batatas, para que ele levasse para sua casa e ela pudesse ser colocada no bico vazio de luz de seu pobre lar. A governanta soube pelo garoto, que sua mãe agora só estava podendo costurar, enquanto havia a luz do sol, porque quando chegava a noite, todos tinham que ir dormir, pois a única lâmpada que eles tinham, era uma velha lâmpada incandescente que depois de muito tempo, veio a queimar e eles não tinham dinheiro nem para comer, quanto mais para comprar outra. O menino ficou contente, agradeceu à governanta com um beijo e um abraço e com um sorriso humilde em seu rosto, dizendo que aquela noite, ele e suas irmãs poderiam ficar acordados até mais tarde para brincar. A filha da dona da casa que estava por perto, ouviu o que ele disse e falou com um sorriso lindo e mágico em seu rosto, que mostrava toda a sua felicidade, que naquela noite, ela também poderia finalmente ficar acordada até mais tarde, para participar de uma festa de aniversário e poderia usar seu tão sonhado vestido novo, todo branco, leve como uma nuvem, usando um laço vermelho em seus cabelos.
A lâmpada ouvindo tudo, mesmo magoada e ferida por seu destino imposto por aquelas pessoas, pode ver que não havia no mundo, sorriso mais lindo do que o daquela garotinha e que em seus olhos, havia uma estranha luz e aquela imagem, a do sorriso e do olhar da menina, ficou gravada em sua mente enquanto ela seguia na sacola, pelas mãos do garotinho, para sua casa na favela. Aquele dia, havia sido o pior da existência daquela lâmpada, que se achava tão especial, nele, ela foi destituída de seu mais alto posto naquela casa, foi condenada e viver entre os subalternos na cozinha e finalmente, o golpe final, sua condenação anterior foi revogada e ela foi sentenciada a viver o resto de sua existência, numa favela, no meio da camada mais baixa da sociedade e o mundo daquela lâmpada, fluorescente e compacta, desabou de uma só vez. Quando o garoto chegou em casa e mostrou a sua mãe a lãmpada e a sacola cheia de batatas, ela chorou de alegria, dizendo que o coração daquela governanta não poderia ser maior, ela agradeceu a Deus pelo milagre e disse que naquela noite, ela poderia costurar até mais tarde e ganhar mais algum dinheiro, porque finalmente haveria luz. Quando chegou a noite, com a lâmpada iluminando a escuridão na vida daquela família, o garotinho sua irmã do meio estavam sentados num caixote que usavam como banco, enquanto esperavam sua mãe preparar algo para comer, quando sua irmã mais nova chegou por trás, se enfiou no meio deles, passando os braços no pescoço dos dois dizendo com um sorriso lindo e mágico no rosto, que eles não iriam acreditar, mas naquela noite, eles iriam ter batatas assadas para o jantar. Então, todos se abraçaram e sorriram juntos e nos olhos deles, havia uma estranha luz.
Na hora do jantar, foi uma festa, todos comeram suas batatas assadas que estavam deliciosas, na verdade, de lamber os beiços, pois haviam sido preparadas com o melhor recheio do mundo, o amor de uma mãe. Após o jantar, repleto de alegria e felicidade da mãe e das crianças pela benção recebida, a cada criança, foi dada a metade de uma laranja, porque não havia o suficiente para mais. Do outro lado da rua, era possível ouvir a musica tocando e a lâmpada ficava imaginando que aquela que a substituiu, deveria estar sendo o maior sucesso, no meio daquela gente linda e bem vestida e aquilo, fazia um mal imenso ao seu coração. Ela que observava tudo em silencio naquele barraco, pobre e mau cheiroso, mas mesmo com sua tristeza profunda, inconformada pelo seu destino que ela considerava injusto, não pode deixar de se perguntar, como era possível que nos rostos e no olhar daquelas crianças, pobres e maltrapilhas, houvesse aquela mesma luz estranha, a mesma felicidade e alegria que havia no rosto daquela menina rica, que tinha tudo que queria na vida. A resposta viria mais tarde, quando todos foram dormir. Naquela casa, onde ela tinha um lugar de destaque, iluminando o quadro do famoso pintor, de seu spot num canto da sala, ela nunca teve a oportunidade de ver mais nada além de sua própria luz. As crianças já haviam ido dormir em suas esteiras espalhadas pelo chão, a mãe delas já estava cansada e resolveu ir dormir também. Ela levantou-se com dificuldade, pois sua dor na coluna a maltratava, fazendo até com que seus passos fossem dolorosos e dirigiu-se para onde estava estendida sua esteira e no caminho, ela apagou a luz.
Foi então, que aquela lâmpada, foi deixada a sós, pendurada em um fio elétrico, comprido e improvisado, para que ela pudesse ser apagada manualmente, já que não havia nem mesmo um interruptor naquele barraco. Na escuridão, olhando pela janela aberta, finalmente ela descobriu a verdadeira luz. A janela não havia sido fechada quando todos foram dormir e por ela, era possível ver os fogos de artifício e ouvir a musica ainda tocando no condomínio de luxo, do outro lado da rua. Mas olhando para cima, em direção ao firmamento, naquela noite de céu limpo e radiante, lá estavam elas, a Lua e as estrelas, a lampada percebeu, que elas brilhavam para todos sem distinção, tanto lá, sobre o teto dos ricos, quanto cá, sobre o teto dos pobres, e era o mesmo brilho que a ela viu estampado no rosto , no sorriso e no olhar da menina rica e das crianças pobres, que tanto a impressionou. Foi então, que ela compreendeu, observando encantada aquela magia, que a verdadeira luz, é a luz divina, aquela que brilha para todos, sem restrição. Ela entendeu, diante daquilo tudo, que ela mesma, não passava de um objeto, uma simples lâmpada, feita de matéria e como toda matéria, era perecivel e apesar de ter brilhado para todos, iluminando a escuridão na vida dos homens, ela não era nada, comparado àquele espetáculo eterno de luz. A lâmpada fluorescente e compacta, com seu design arrojado e futurista, que desde o inicio de sua existência, se achou melhor do que todas as outras, digna apenas daqueles abastados e de ocupar lugares de destaque no espetáculo da vida, na verdade, sempre viveu até aquele momento, na mais completa escuridão.