Usina de Letras
Usina de Letras
28 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63236 )
Cartas ( 21349)
Contos (13302)
Cordel (10360)
Crônicas (22579)
Discursos (3248)
Ensaios - (10683)
Erótico (13592)
Frases (51761)
Humor (20179)
Infantil (5602)
Infanto Juvenil (4949)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141311)
Redação (3357)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2442)
Textos Jurídicos (1966)
Textos Religiosos/Sermões (6356)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O ESPÍRITO DE NATAL -- 21/04/2009 - 18:00 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Só restavam poucos dias para o Natal em São Paulo e o vírus que provoca a febre das compras, já havia contaminado a maioria das pessoas da cidade. Mario, depois de muitos anos, ainda se lembrava daquele dia, como se fosse hoje. Havia em todos os lugares multidões de pessoas esperando impacientes os meios de transportes coletivos e quando ele chegavam, já vinham totalmente lotados e se isto acontecia desde cedo até a noite, nas outras épocas do ano, quando se aproximavam as festividades de final de ano, a situação se agravava muito mais. Os trens do Metro iam e vinham lotados. A estação Sé mais parecia um formigueiro. Os Shoppings Centers viviam lotados. Seus estacionamentos ficavam o tempo todo entupidos de automóveis. O transito nas redondezas ficava caótico. Uma loucura total. A Rua 25 de Março, era a campeã de vendas e da preferência dos consumidores de todas as camadas sociais, não só de São Paulo, mas de todo o Brasil, e até mesmo do exterior. A região do Brás, outra das áreas comerciais mais antigas e conhecidas da cidade, era uma das favoritas para se fazer compras em todas as épocas do ano, mais ainda, na época do Natal. Lá, no meio de muitos empurrões, cotoveladas, desaforos e disputas por mercadorias em ofertas, entre camelôs se degladiando com a polícia, era possível se comprar muitos presentes com pouco dinheiro e que certamente agradariam a todos que os recebessem. Ao final das compras, as calçadas da Avenida Celso Garcia e do Largo da Concórdia, se transformavam em um local onde as pessoas disputavam um grande premio, a todo o momento.

Quem conseguisse pelo menos entrar em um ônibus, já se sentia de alguma forma vitorioso, mas conseguir pegar um deles, e ainda encontrar um lugar para sentar, era o prêmio mais desejado, quase impossível de se obter. Naquele tumulto de gente se esbarrando e se empurrando, carregados de pacotes e sacolas com presentes, muitos pensavam consigo mesmos, o que estavam fazendo ali, se todos os inúmeros amigos e parentes que iriam recebe-los, realmente mereciam tal sacrifício. No meio daquele burburinho todo, daquela disputa quase que selvagem para conseguir embarcar num coletivo, Mario foi literalmente carregado pelos degraus acima ao entrar em um deles, e acompanhado de seus pacotes e sacolas, ele se viu dentro de uma enorme lata de sardinha. Sem poder respirar direito, ele se viu no meio daquela agonia, apertado, amassado, empurrado e muitas vezes tendo que ouvir insultos e ofensas de passageiros menos pacientes. Sentindo-se mal com toda aquela situação em que se encontrava, ele pensava que aquele não era o espírito de Natal que ele aprendeu quando pequeno e no qual ele foi criado. As pessoas haviam esquecido qual era o verdadeiro significado do espírito de Natal. No meio daquela gente toda, nervosa, ansiosa e desesperada para poder sair daquele sufoco, que deveriam estar achando que todos os que estavam dentro daquele coletivo, só estavam lá para atrapalhar a vida, tomando seu espaço, seu tempo, ele pensou que daria qualquer coisa para um lugar para sentar. Seus pés, suas pernas, seus braços e sua cabeça, doíam além do que ele podia agüentar.

Ele já não era nenhum garotinho. Já era avô e pelo menos para sua netinha, ele sabia que estava levando o presente certo, que ela realmente merecia ganhar o presente que tanto esperava e mentalmente, ele tentava se convencer, de que todo aquele sacrifico iria valer a pena. Do ponto onde ele pegou o ônibus, até chegar em sua casa, havia uma grande distancia a ser percorrida, e por um daqueles estranhos estados em que ficamos quando estamos exaustos, Mario não percebeu que as pessoas aos poucos foram desembarcando pelo caminho, e que já havia espaço, pelo menos para respirar. As pessoas com suas feições sérias e distantes não se olhavam. Cada um que estava viajando naquele coletivo, como em muitos outros pela cidade, só estavam preocupadas consigo mesmas, com seus problemas, e o próximo para eles, não representava nada mais do que um estorvo em seu caminho. Um incomodo que só agravava o desconforto físico e mental naquela corrida louca e alucinada, pelas compras de Natal. Depois que muitos já haviam decido em seus pontos, ainda havia muita gente dentro do coletivo. De rabo de olho, Mario pode ver um garotinho de cabelos loiros, puxando a manga da blusa de uma senhora, perguntando se ela queria se sentar. O menino devia ter uns seis, ou sete anos. Ele segurou-a pela mão e em silêncio, e a levou para perto de onde estava sentada uma outra senhora que ia se levantar para desembarcar. Quando ela se levantou para descer, ele gentilmente ajudou a outra a sentar e a arrumar no colo, todos os pacotes e sacolas que ela carregava.

Mario ficou observando o garoto com atenção. Ele ia de banco em banco e perguntava às pessoas que estavam sentadas onde iam descer e quando se aproximava o ponto de um deles desembarcar, ele se aproximava de alguém que estivesse precisando realmente de um lugar para sentar e levava a pessoa até o banco que iria ser desocupado. Alguns naquele coletivo, dariam qualquer coisa para conseguir um assento, de tão exaustos que estavam. Não demorou muito tempo foi a vez de Mario. O garotinho puxou a manga de sua blusa e quando ele olhou para baixo, ficou atônito com a beleza dos olhos do menino. Sem poder pegar na mão de Mario porque estavam ocupadas com sacolas, o garotinho segurando seu braço pediu que ele o seguisse. Foi um momento, que Mario jamais esqueceu pelo resto de sua vida. Quando Mario já estava sentado no lugar do passageiro que desceu, o menino o ajudou a arrumar as suas sacolas, deu um sorriso, e partiu para ajudar outra pessoa a se sentar. Todos que estavam naquele ônibus e em todos os outros na cidade, como era usual, evitavam olhar nos olhos uns dos outros. Queriam ter o menor contato possível com estranhos, afinal, a vida moderna nas grandes cidades é tão perigosa. Ninguém sabe ao certo do o próximo é capaz. Contudo, naquele ônibus onde Mario estava, aos poucos, todos já haviam notado a ação do garotinho entre eles, e começaram timidamente a trocar sorrisos e olhares.

Uma senhora abriu sua sacola e deu um pequeno panetone para a moça grávida que estava sentada ao seu lado. Logo as duas começaram a conversar, trocando sorrisos. Um senhor que estava sério lendo seu jornal, tirou a coluna infantil e com um sorriso nos lábios deu ao menino que estava no colo da mulher que estava sentada ao seu lado, que agradeceu a gentileza, pois seu filho adorava ler os quadrinhos da Mônica e do Cebolinha. Duas senhoras sentadas lado a lado, carregadas de pacotes e sacolas, até então pareciam que iriam travar uma batalha por espaço no banco onde estavam, mas de repente, num solavanco do ônibus, um pacote caiu da sacola de uma delas e foi parar embaixo do banco. Ele havia caído num lugar de difícil acesso e nenhuma delas teria condição de pegá-lo. No banco da frente estava sentado um velhinho franzino e quando ele percebeu o pacote caído, com uma certa dificuldade, ele o pegou. Por uma daquelas coincidências da vida, quando ele perguntou a quem ele pertencia, nenhuma das duas pode dizer com certeza de quem era ele, pois os presentes das duas tinham sido comprados na mesma loja e as embalagens, eram exatamente eram iguais. O velhinho ficou segurando o pacote em sua mão e seus olhos pareciam estar sorrindo para elas, esperando que uma delas o pegasse. Foi então que as duas senhoras se olharam constrangidas pela situação e de repente, começaram a sorrir. As duas disseram ao mesmo tempo, como se tivessem combinado antes, que o presente era para ele. O velhinho sorriu, emocionado e surpreso agradeceu o presente às duas, e se ajeitou em seu banco. Em seu rosto havia um ar indescritível de felicidade e contentamento. Ele não tinha ido comprar presentes. Estava apenas voltando de seu trabalho, que mal dava para o sustento dele e de sua velha esposa, e nem por sonho, esperava ganhar alguma coisa naquele Natal.

As duas senhoras a partir do que aconteceu, encontraram muitos outros assuntos e estavam conversando e sorrindo e assim foi, até onde uma delas teve que desembarcar. Elas se despediram com beijos e abraços, desejando um Natal muito feliz junto às suas famílias. Trocaram telefones e prometeram se comunicar o mais breve possível. Em outro banco, estava um rapaz que era deficiente físico que até então, estava com uma expressão de tristeza em seu rosto. Ele sem querer deixou escorregar sua muleta que estava apoiada no banco e ela caiu no pé de outro rapaz que estava em pé. O rapaz sentiu a dor da pancada, mas ao invés de retrucar como normalmente o faria, sem levar em consideração a situação do outro rapaz, ele a pegou e quando ele foi lhe entregar, para que a segurasse, suas mãos se tocaram. Eles sorriram um para o outro, e daquele momento em diante, seguiram trocando idéias e sorrindo, até o ponto final. Era mais uma amizade que estava começando e o rapaz deficiente, já não tinha em seu rosto aquele ar de tristeza. Em seu lugar havia uma expressão de contentamento e alegria por ter conhecido o outro rapaz que o tratou tão bem. Que respeitou sua condição, mas o tratou como se fosse uma pessoa normal, como todas as outras. Aos poucos, até o ponto final, as pessoas começaram a se relacionar mais abertamente. O clima dentro do coletivo, nem de longe lembrava aquele que era antes, quando Mario subiu a bordo.

Todos estavam tão distraídos com seus novos amigos que ninguém percebeu quando o menino desceu. Mas para Mário, que observava atento os acontecimentos, a atitude daquele menino, mudou alguma coisa dentro dos que estavam dentro daquele coletivo. Todos relaxaram e tiveram um súbito sentimento de calor humano e curtiram alegremente cada segundo que tiveram a oportunidade de ficar juntos, até que cada um teve que descer em seu ponto de destino. Certamente, cada um que desceu depois de ser envolvido pelo espírito do garoto, não saltou, mas flutuou para fora do ônibus, carregando um sorriso largo e sincero nos lábios, desejando a todos os passageiros que ficavam e também ao motorista e ao cobrador, um Feliz Natal. Quando chegou a vez de Mario descer, sentindo-se leve, sem nenhum peso no corpo, ou na alma, ele olhou para a decoração de Natal das casas de sua rua que brilhavam na noite. Eram as mesmas que ele havia visto na noite anterior, mas para ele, era como naquele momento aquele brilho fosse muito diferente. Era como se todas aquelas luzes multicoloridas fossem outras. Parecia que as velhas tinham sido trocadas por novas. O brilho delas agora, era infinitamente mais intenso e envolvente. Mario parou no meio da calçada. Olhou ao seu redor. Observou atentamente cada detalhe da decoração da vizinhança. Seu peito estava leve, livre de qualquer angustia ou sentimento negativo. Uma emoção intensa tomou conta de seu coração. Ele percebeu que a diferença de brilho e cores que ele havia notado na decoração de Natal, foi porque aquele menino do coletivo, o havia feito enxergar o verdadeiro espírito de Natal, do mesmo jeito aberto e cheio de fé com que ele via, quando tinha seis ou sete anos de idade. Com os olhos cheios de lágrimas invadidos pelo espírito de Natal, sentindo em todo o seu ser, o puro poder da fé em Deus, Mario se lembrou de um texto que leu em algum lugar, e que ele associou naquele momento aos seus pensamentos, e ele dizia:

Então, numa noite de dezembro, em algum lugar do tempo e do espaço, uma criança virá, e com a sua luz, conduzirá seu povo pelas mãos. Ela os guiará pelos caminhos que os levarão à terra prometida. Onde encontrarão com sua ajuda, se assim o quiserem, um mundo melhor para se viver...

Mário atravessou a rua, pegou a chave para abrir a porta e quando ele ia coloca-la no buraco da fechadura, a porta se abriu.

Sua netinha que tinha a mesma faixa de idade do garotinho que mudou a sua vida para sempre, abriu a porta, estendeu seus braços e lhe disse com o mais lindo sorriso que uma criança pode dar, que ela o amava muito. Ouvindo aquilo, ele se sentiu um homem realizado. Pronto para comemorar o nascimento do menino Jesus ao lado de um anjo lindo, e que tinha nos olhos, a mesma beleza e brilho que havia agora em seus próprios olhos, e nos olhos daquele garoto do ônibus, que desembarcou ninguém sabe onde, nem quando.

Havia nos olhos dele e de sua neta, a mesma beleza e pureza que há nos olhos de todas as crianças. Uma força divina que tanto o impressionou e que transformou de forma efetiva, a vida de Mário e de todos aqueles que se deixaram levar pelo seu espírito de luz, a partir do momento em que aceitaram ser guiados, cada um na sua vez, ao tão desejado banco, para sentar e descansar, redescobrindo dentro de si mesmos, o verdadeiro e único, espírito de Natal...
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui