Ele foi um dia um menino, foi um jovem, um adulto e um dia, ele se casou, os anos se passaram, vieram os filhos, outros problemas foram surgindo na vida e a relação do casal, já não era a mesma. Os dois já estavam com uma certa idade e conviviam por conviver. Em seu lar, eram ele, a esposa, a filha mais velha e o filho mais novo, pois o filho mais velho, havia se casado e foi morar em outra cidade. Ele era bem tratado pela esposa e pela filha, mas o que ele realmente precisava na vida, que era atenção, amor e carinho e isto, ele só recebia do filho mais jovem, que não o julgava, apenas o amava por ele mesmo. O garoto só enxergava nele, os valores internos, não os externos. Ele não queria nada em troca, o amava da forma mais pura e intensa, porque ele era seu pai. Quando ele pensava nisto, nos carinhos e atenção que recebia de seu filho, em sua memória vinha a lembrança de seu pai, daquele que representou tanto em sua vida, mas nunca esteve presente, quando mais precisava dele. Lembrar dos tempos de menino, sem ter o apoio e o suporte de um pai, era muito difícil, lembrar dos traumas que sofreu pela ausência dele em sua vida, sempre o maltratou e nestes momentos, as lágrimas sempre rolavam em sua velha face, quando a imagem daqueles tempos invadia seus pensamentos. Por isto a vida inteira ele correu contra o tempo, contra as horas, trabalhava a semana inteira, muitas vezes, nos sábados, domingos e feriados, pois ele não podia parar, precisava de alguma forma distrair sua mente, pois se parasse, ele iria pensar e pensando, iria relembrar de tudo que aconteceu em sua vida, e se relembrasse, iria enlouquecer.
Chegou a um ponto, que a sua correria na vida, que fugindo dos pensamentos do passado, ele ficava muito tempo fora de casa e sua esposa, o acusava injustamente de a estar traindo, mas da sentença, ela não sabia sequer, uma virgula. Em um determinado momento, ele já não podia correr mais como fazia quando mais jovem, o peso do tempo já se fazia sentir em suas costas e suas pernas, não o deixavam caminhar direito, já se faziam presentes em seu corpo, todas as aquelas doenças que aparecem com a idade e que terminam com “ite”ou “ose” Artrite, Trombose, e etc. Havia dores em todas as juntas de seu corpo, mas dentre todas as dores, a dor maior era e sempre foi, a ausência de seu pai, uma ferida profunda que se abriu quando criança e que nunca mais cicatrizou. Numa manhã, após ouvir nervoso, ano, após ano, sempre as mesmas reclamações e acusações injustas de sua esposa, sendo criticado por tudo que fazia, após sentir que iria explodir por dentro, ele se retirou sem dizer uma palavra, pois seu coração sangrava, com tanta incompreensão por parte daquela que ele tanto amou. Ele saiu calado, porque achava que se entrasse em discussão verbal com ela, poderia passar mal e ele não queria dar a ela mais trabalho, já que ela agora o considerava um fardo, um traidor, pois nos tempos em que ele vivia correndo na vida, nada tirou da cabeça dela que ele a traia, mas nunca falou sobre isto com ele como deveria ter feito e assim, usava indiretas, não dando a ele uma chance de se defender, assim, ele apenas sofria calado, mais esta dor.
Deitado em seu quarto, com as lágrimas rolando livremente em sua face, ele se lembrava de seu pai, de como ele sempre o recriminou por ter sido ausente em sua vida, ele finalmente compreendeu, que muito do que aconteceu em sua própria vida, foi causado pelo trauma da ausência de seu pai, mas agora, sendo um pai, sendo criticado pela esposa e ignorado pela filha que ele tanto amava, ele finalmente compreendeu que só é possível compreender um pai, quando se é pai. E entendeu, no mais intimo de seu ser, que só mesmo vivendo como um pai, a gente sabe das carências e conseqüências de tudo que nos envolve e ele soube, bem lá no fundo de seu coração, que a melhor coisa que ele poderia fazer era pedir perdão e perdoar o seu pai, mesmo sem saber se estava vivo, ou onde estaria naquele momento e sem ter idéia, de como procura-lo. Foi então, que veio uma vontade louca de escrever a ele uma carta, com um pedido de perdão e dizendo que o havia perdoado, mesmo sabendo, que não tinha para onde manda-la, mas ele sentia em suas entranhas, que precisava fazer isto, porque o papel onde ele a escreveria, certamente iria deixar gravadas nele suas palavras, cheias de emoção e então ele começou:
“Pai, não sei onde você esta, nem se um dia ainda vou te encontrar, mas quero te pedir perdão. Perdoe-me se eu não pude perdoa-lo por tudo que você deixou de fazer por mim e por não ter sido tudo que eu esperava de você. Sabe Pai, desde que eu era bem pequenino, sentia a necessidade de ter pelo menos um pouquinho de sua atenção, quantas vezes eu quis sentir teus braços me protegendo num abraço carinhoso, quantas vezes quis ouvir tua voz falando comigo, me dando conselhos, me ensinando a viver. Pena meu Pai, pena que mesmo estando presente fisicamente no dia a dia de nossas vidas, você nunca tenha se dado ao trabalho de me dirigir tua voz, de pelo menos demonstrar que sabia da minha existência. Como eu gostaria de ter podido dizer a todo mundo com orgulho (Este é meu pai e ele me ama !). Você não faz idéia do vazio que deixou em mim, que sonhava um dia poder te abraçar e te beijar, mas você nunca se aproximou de mim. Pai, eu poderia ter sido muita coisa ruim neste mundo sem sua mão para me guiar pelo caminho certo. Se hoje sou quem eu sou, honesto, integro devo à minha mãe, que apesar de sofrer muito para nos criar, nunca negou seu carinho, sua compreensão e sua mão para nos guiar. Nunca pude esquecer meu Pai, que você aos 58 anos de vida resolveu trocar minha mãe depois de 40 anos de casamento, por uma garotinha de 18 anos. Jamais pude tirar do meu coração a dor de saber, que enquanto minha mãe morria com um câncer terminal, você a traia dentro de nossa própria casa com nossa empregada, com a qual você foi morar apenas 10 dias após a morte de mamãe. Olha Pai, tudo poderia ter sido tão diferente, nosso relacionamento poderia ter sido tão bom, se você me deixasse te amar e demonstrar meus sentimentos, se me tivesse aberto os braços e me dito “filho da cá um abraço !”, se você não tivesse sido tão frio e insensível comigo e com minha mãe. Tudo que você fez e deixou de fazer Pai, vai me acompanhar pelo resto de minha vida, num trauma que nada poderá apagar. Se minha vida hoje, apesar dos sofrimentos causados por sua ausência, tem momentos maravilhosos de alegria Pai, é porque em parte eu não segui seu exemplo com meus filhos e minha neta, porque eu procuro sentir as necessidades de cada um deles e procuro supri-las, da melhor maneira possível, mesmo que muitas vezes, por mais que eu tente e não consiga, pelo menos, me sinto bem por ter tentado. Eu Pai, ao contrario de você, transpiro amor e sensibilidade, jamais vou deixar passar uma oportunidade de dizer aos meus filhos e minha neta que os amo, que são a coisas mais importantes que me aconteceram na vida. Eu hoje Pai, sinto o calor de um abraço, a doçura de um beijo com o coração aberto, sempre com espaço para acomodar a quem mais quiser nele entrar, pois sei que assim nunca estarei só neste mundo, que sempre haverá um coração que bate com muito carinho quando pensa em mim. Mas Pai, eu não quero apenas te dizer de minhas carências, nem apenas apontar erros cometidos pelos caminhos da vida, porque eu tambem errei e meus erros, não foram poucos pai. Quero dizer a você, que quando chega o dia dos Pais, apesar de todas as alegrias que tenho com meus filhos e neta, sinto tua falta, sinto que existe e sempre existira uma lacuna deixada por você em minha vida, da qual jamais poderei me livrar. Pai, não sei onde você esta, nem mesmo sei se você está vivo ou não, mas sei que nunca poderei esquece-lo, mesmo que minhas lembranças não sejam as melhores. Quem sabe se você estiver vivo, possa ler esta carta, possa ter mudado, possa ter aberto seu coração para o amor. Olha Pai, o que eu gostaria mesmo, era de poder te encontrar, te dar um beijo e um abraço, pedir-lhe perdão por tudo se já não for tarde demais. Perdão por não tê-lo compreendido, perdão por ter esperado muito de você, por não ter reconhecido suas limitações e mais do que tudo, por eu não ter sido bom o suficiente para ter te perdoado antes, muito antes, há exatamente 30 anos atrás, desde que nós nos vimos pela última vez.”
“Perdão meu Pai, eu sinto e sempre vou sentir tua falta !”
Quando ele terminou de escrever a carta, estava muito cansado, seus olhos pesavam, ele sentiu que precisava se deitar e descansar um pouco, e lentamente ele se deitou em sua cama, colocando a carta e caneta que estavam em suas mãos no criado mudo. Olhando para o teto, ele sentiu sua visão ficar turva, um frio imenso tomou conta de seu corpo e tudo foi ficando cada vez mais escuro, era como se mesmo sendo meio dia, a noite já tivesse chegado e com ela, as trevas da escuridão. Tudo foi desaparecendo lentamente e de repente, uma luz muito linda e brilhante, foi surgindo do meio de toda aquela escuridão. Em meio àquela luz, um vulto foi surgindo, aos poucos, tornando-se mais nítido conforme se aproximava, e finalmente, ele pode ver de quem era aquele vulto, e num milagre divino, seu coração se encheu de alegrias e emoção, era seu pai, e ele estava de braços abertos, dizendo a ele que tinha vindo busca-lo. Que ele o havia perdoado também e que iria leva-lo para um lugar, onde poderiam ficar juntos para todo o sempre e recuperar todo o tempo perdido, porque lá, naquele lugar, o conceito de tempo não existia, só existiam os sentimentos, onde o amor, era o Rei. Feliz e leve como nunca se sentiu na vida, ele estendeu seus braços ao pai que ele tanto amou em sua vida, e juntos eles se foram, flutuando lentamente, em direção à verdadeira Luz.
Passou-se a tarde inteira e nem sua esposa, nem sua filha o procuraram em seu quarto, afinal, ele era inconveniente, não produzia mais, não tinha mais utilidade, só dava trabalho e despesas, não tinha mais valor. Mas o filho mais novo, quando chegou do trabalho para se alimentar antes de ir para a faculdade, quis saber porque seu pai não estava na mesa com eles para o jantar, sua mãe e sua irmã balançaram os ombros, como se quisessem dizer que era melhor assim, mas o rapaz revoltado com a falta de sensibilidade e compreensão das duas, levantou-se e foi ao quarto procurar pelo pai. Quando lá chegou, estava escuro, teve que acender a luz e quando pode ver direito, seu pai, estava deitado em sua cama, como se estivesse dormindo. Seus olhos estavam fechados, em seus lábios havia um sorriso e em sua face, uma expressão de paz que ele nunca havia visto no rosto de seu querido pai. Não foi preciso chegar muito perto, ele sentiu em seu peito que havia chegado o momento, que ele havia partido afinal. O rapaz leu a carta que seu velho pai havia escrito e enquanto lia, ele compreendia cada palavra escrita pelo seu amado pai, ele sentia suas emoções emanarem do papel, como se ele estivesse o ouvindo falar e lágrimas de profunda emoção correram livres de seus olhos, e ao terminar, ele tocou com carinho a face gelada de seu querido pai e disse a ele com uma voz doce e suave, da mesma maneira com que ele sempre o tratou, que ele sempre o amou, porque era o seu pai, porque sempre o sentiu presente em sua vida, mas principalmente, em seu coração. No mais profundo de seu ser, o jovem sentiu que seu pai havia partido para finalmente ir ficar com seu avô, mas ele não se sentiu abandonado, pois ele sabia que ele estaria para sempre em seu coração, pois seu velho havia lhe deixado tudo que ele mais quis dele em sua vida, ele lhe deixou, as marcas do amor...