Em 1920, o porto de Santos, litoral do Estado de São Paulo, já era o maior e mais movimentado terminal marítimo do país.
E exportação de café e de outros produtos agrícolas, somada aos manufaturados vindos de centros fabris em expansão, e os inúmeros artigos importados obrigavam a zona portuária a trabalhar dia e noite.
No modesto chalé de madeira, no bairro do Macuco, que ficava ao lado de ramais de estradas de ferro, no final do cais, nascia o garoto Jorge Ribeiro, filho do prático da Cia. Docas de Santos, Joaquim Ribeiro. Naquela manhã de 17 de janeiro de 1920, seu Joaquim não foi trabalhar, pois tinha de comemorar e registrar o seu primeiro filho.
Na maioria dos portos do mundo, não são os pilotos que levam as suas embarcações até os cais. Mas sim os práticos que conhecem, a dedo, os caminhos dos acidentes hidrográficos nos estuários e outros canais de navegação.
O porto de Santos não era, nem é, exceção.
Os navios que chegam ficam ao largo da barra, esperando a lancha do prático. E aqueles que deixam os cais são levados pelos práticos até a barra.
O serviço de praticagem remonta a 4.000 mil anos. Os primeiros desses profissionais trabalharam em Ur, Caldéia, no tempo de Abraão.
No Brasil, a abertura dos portos por D. João VI, em janeiro de 1808, levou à formação da Escola de Piloto e Prático da Barra do Porto do Rio de Janeiro.
Assim, a profissão foi se desenvolvendo, país afora.
Jorge Ribeiro, Jorginho para familiares e amigos, cresceu ao lado do pai.
Sempre que podia, e com as devidas autorizações, seu Joaquim levava Jorginho – excelente nadador – nas idas e vindas de sua profissão. O garoto, esperto e com sangue de marujo nas veias, cedo aprendeu a profissão.
Se as leis permitissem, Jorginho poderia, aos quinze anos, comandar navio no estuário de Santos.
Mas a sua atenção não estava na praticagem.
Desde menino ele ficava na beira dos cais, apreciando o movimento dos rebocadores e ajudando a atracar e desatracar as enormes embarcações.
Com doze anos começou a trabalhar a bordo de um pequeno rebocador da Cia. Docas, que trazia navios para os estaleiros de reparo.
Aos dezessete já era imediato de rebocador portuário.
Na escala crescente dos rebocadores existem, além dos pequenos rebocadores portuários, os maiores de alto mar.
Quando chegou a época de prestar serviço militar, Jorginho alistou-se na Marinha de Guerra e foi servir na Escola de Aprendizes-Marinheiros em Florianópolis, Santa Catarina.
A prática e o adestramento, principalmente depois de permanecer durante três meses no Cruzador Barroso, deram-lhe a patente de cabo.
Mas o rapaz não quis seguir a carreira militar. Sua vida estava nos rebocadores, e os seus sonhos, em alto mar.
Certo dia, notou um movimento diferente no canteiro do estaleiro e foi ver, de perto, o motivo de tal agitação.
Funcionários e garotos da redondeza rodeavam vários pintores que, de pé, com os seus cavaletes, caixas de pinturas e paletas nas mãos, desenhavam e pintavam cenas das embarcações e outras paisagens marítimas.
Para a sua surpresa, entre tantos homens havia apenas uma mulher, entretida com a sua tela.
Jorginho parou e notou a beleza daquela garota.
Morena, cabelos negros, soltos nos ombros. Corpo perfeito, um pouco mais baixa do que ele.
Chegou mais perto e notou que os seus olhos eram de um verde que só o mar sabia imitar.
Esqueceu-se do rebocador, da lancha, dos seus homens e ficou, não sabe quanto tempo, admirando aquela pálida garota.
Quando um dos tripulantes chamou a sua atenção, lembrando-o de que faltava pouco tempo para escurecer, Jorginho perguntou à moça se o grupo voltaria a pintar naquele recanto.
– Sim! E estamos procurando outros locais iguais a esse, pois nos próximos dias teremos uma exposição de arte aqui na cidade, respondeu a moça, com toda a graça do mundo!
Jorginho, encabulado, sem saber o que fazer ou responder, apenas indagou:
– Qual é o seu nome?
– Vera Regina.
– Posso levá-los a outros locais, mais interessantes do que este. Como faço para avisar vocês?
– Meu pai é despachante da Sorocabana, na estação de Itanhaém. Passe um telegrama para ele. O seu nome é Agostinho.
Os telégrafos, aparelhos usados na transmissão de mensagens gráficas a partir de códigos, foram inventados em 1835 pelos americanos Joseph Henry e Samuel Morse, o introdutor das linhas telegráficas no mundo, baseadas no sistema de pontos e traços na codificação das mensagens – o código Morse.
Mais tarde, em 1872, o francês Jean Maurice Émile Buador aprimorou o invento, desenvolvendo um método de divisão da mensagem em vários canais. Os telégrafos foram muito importantes na época e suas linhas alastraram-se pelo planeta durante o século XIX. No Brasil chegaram em 1852.
Na época de Jorginho e Vera Regina, as mensagens telegráficas, no Brasil e em boa parte do mundo, eram transmitidas por fios que ficavam em postes, à beira das estradas de ferro. Assim iam correndo de cidade em cidade.
Jorginho despediu-se, dizendo o seu nome. Pois com toda aquela beleza, até isso ele tinha esquecido.
Voltou para o cais de reparos com a lancha rebocada, porém, o seu pensamento estava naquela moça.
Jantou pensando na morena e acordou pensando nela.
Sem dúvida, estava apaixonado. Mesmo sendo paixão à primeira vista, não fazia mal. O principal é que estava feliz!
Ele conhecia todos os recantos na orla de Santos, principalmente os canais que separam as ilhas de Santo Amaro e São Vicente do continente, onde várias marinhas bucólicas poderiam interessar à Vera Regina. Porém, esperou três dias para passar o telegrama à sua deusa do momento.
Foi até os telégrafos da Cia. Docas e de lá enviou a mensagem.
Caso ela quisesse responder, o seu endereço telegráfico era o da Cia. Docas.
Durante uma semana, todas as tardes, nosso marujo passava nos telégrafos, para ver se tinha chegado alguma mensagem.
Já estava ficando desiludido quando recebeu a resposta da moça:
“Jorge Ribeiro. Estaremos local último encontro próximo sábado 27 maio 1939 exatamente 10 horas am. Saudações. Vera Regina.”
Jorginho consultou o calendário da cabine de seu rebocador para confirmar se dia 27 de maio cairia mesmo no sábado e, na noite anterior ao tão esperado dia, ele não dormiu, tamanha a sua ansiedade.
Às sete horas, conforme combinado com um amigo, estava na Ponta da Praia, na ponte de desembarque dos práticos, para pilotar uma lancha coberta da travessia Santos – Guarujá. A velha lancha pertencia à família de seu amigo de infância.
Jorginho abasteceu e rumou para o local combinado.
Chegou naqueles cantos da Alemoa antes de nove e meia.
Atracou, apanhou a sua garrafa térmica de café e ficou esperando o grupo de artistas.
Com atraso de mais de meia hora, pelo qual todos pediram desculpas, pois boa parte do caminho foi feita a pé, todos embarcaram e se acomodaram para o passeio.
Vera Regina sentou-se bem ao lado de Jorginho que, de pé, conduzia a embarcação.
O adestrado marujo não cabia em de si de tanta felicidade!
Em meio daquela euforia, Jorginho resolveu navegar pelo Canal da Bertioga.
Os artistas do pincel, abismados com tantas paisagens, não sabiam qual escolher para pintar.
Finalmente, por unanimidade, resolveram ficar ao lado de uma colônia de pescadores, onde, além do movimento de pessoas, a Serra do Mar servia de fundo. Em primeiro plano, as redes, penduradas em varais, e diversas canoas, dentro e fora da água.
Novamente Vera Regina era a única moça entre eles.
Uns desceram, enquanto outros armaram os seus cavaletes e começaram a pintar dentro da lancha mesmo!
Vera Regina continuou conversando com Jorginho.
– Não vai pintar um quadro para mim? Brincou o marinheiro.
– Hoje, não! A minha atenção está presa em outros detalhes, respondeu Vera Regina, com um sorriso enigmático nos lábios.
Durante as quase duas horas de pintura, o casal ficou conversando dentro da lancha.
Trocaram informações e confidências.
Vera Regina tinha a mesma idade de Jorginho: dezenove anos. Nascida em 15 de março de 1920, em Itanhaém, lá cresceu e estudou até os doze anos, quando os pais a matricularam no internato do Colégio de São José, em Santos.
Lá aprendeu, com uma freira francesa, a desenhar e pintar a óleo.
Interessada em artes, principalmente as plásticas, depois de se formar professora continuou a freqüentar as aulas da irmã Marie Blanc.
– E aqui estamos, preparando-nos para um Salão de Artes que acontecerá nas férias de julho, no Colégio São José.
– Mas você está morando em Santos? Perguntou Jorginho.
– Não. Quando tenho reunião, venho de trem, mas preciso ir embora logo para tomar o trem das três horas da tarde. Pretendo jantar em casa, disse Vera Regina.
– Então, vamos embora! Decidiu Jorginho, chamando o resto do pessoal.
De caso pensado, Jorginho desembarcou a sua amada e os rapazes, dos quais já sentia ciúmes, na ponte dos práticos, na Ponta da Praia. De lá até a Estação da Sorocabana, na avenida Ana Costa, de bonde, Vera Regina não perderia o trem das três.
Na despedida, Vera Regina pediu:
– Não esse domingo, o outro, vá passar comigo em Itanhaém. Chegando na estação, pergunte onde mora o senhor Agostinho Rodrigues, meu pai.
E foi embora, olhando diversas vezes para trás.
A Southern São Paulo Railway, que antecedeu a Estrada de Ferro Sorocabana, hoje Fepasa, iniciou a construção da linha Santos a Santo Antônio de Juquiá (Estrada de Ferro Santos a Juquiá) em 1910, ligando o porto ao Vale do Ribeira, para escoar a produção agrícola da região.
Em 1926, a Santos – Juquiá passou a integrar o trecho da Estrada Ferro Sorocabana, denominada Mairinque – Santos, com entroncamento em Juquiá.
Teve todos esses nomes até 1971, quando todas as estradas de ferro paulistas se transformaram em Fepasa, inclusive a Santos – Juquiá da Sorocabana.
Os dias pareciam não ter fim para Jorginho.
Sabendo que iria conhecer os pais de Vera Regina, resolveu comprar uma lembrança para eles.
Foi até a engenharia da Cia. Docas e arrumou um bloco de papel canson e um lápis HB. Chegando em casa, pediu à sua mãe para embrulhar como presente. Para o pai, seu Agostinho que, segundo Vera Regina, gostava de fumar cigarros de palha, meio quilo de fumo de corda, de uma marca famosa da cidade de Tietê. E para dona Rosa, mãe de Verinha? Pensou um pouco, foi até o centro da cidade e comprou um pequeno estojo com material de costura: tesoura, alfinetes, agulhas e retroses de linhas coloridas.
O final da semana em que viajaria para Itanhaém estava próximo.
Dirigiu-se até a estação para saber os horários dos trens e o tempo de viagem – três horas.
Resolveu, então, embarcar no primeiro trem, que partia às seis horas.
Saiu apressado de casa para não perder o horário, sem ao menos tomar café da manhã.
Por fim, entre chiados e apitos, a velha maria-fumaça começou a sacolejar, rumo ao seu futuro.
Na estação de Mongaguá, enquanto a locomotiva era abastecida com água para a caldeira, Jorginho desceu e comeu um sanduíche de queijo e um copo de café com leite.
Dessa cidade em diante, o trem parou em diversas vilas, sempre caminhando paralelo ao mar da Praia Grande.
Em Suarão, ele ouviu o aviso de que Itanhaém era a próxima parada.
Seu coração ia aos pulos, junto com os movimentos do comboio.
Agarrado ao seu pacote, desceu e perguntou ao chefe da estação por Agostinho Rodrigues.
– Moço, ele mora lá no Baixio. O senhor pode ir pelos dormentes na direção que o trem vai seguir. Ao chegar em um desvio ferroviário, à direita, verá algumas casas de madeira. A de cor verde, em cima de varapaus, é a do seu Agostinho. Em bons passos, o senhor não levará dez minutos até lá.
Jorginho consultou o seu relógio de bolso, pois estava de terno, colete e gravata borboleta, emprestada pelo pai – eram quinze para as dez.
Passou por baixo de um pequeno túnel e percebeu, pelo movimento ao lado dos trilhos, que estava na vila da cidade. Observou, inclusive, uma feira, à direita.
De longe, percebeu o desvio e reconheceu a casa verde, em cima de estacas de madeira, isolada dos demais chalés.
Chegou. Bateu palmas e esperou.
Em poucos segundos apareceu Verinha, no alto da escada.
Desceu, cumprimentaram-se efusivamente e ela convidou Jorginho a entrar e conhecer a sua família.
A casa era modesta, pequena, igual à sua, mas bem organizada, cheirando a limpeza.
Na sala, seu Agostinho, um português com seus cinqüenta anos, magro, simpático. Sem tirar o cigarro de palha do canto da boca, disse:
– Seja bem-vindo a esta casa, meu filho. Ela é sua. Saiba respeitá-la.
Enquanto os dois conversavam, Verinha foi buscar a mãe, que estava no fundo do quintal, cuidando da horta, colhendo chuchus e tomates para o almoço.
Além da horta, dona Rosa criava galinhas e porcos.
Jorginho ouviu passos na escada e ficou aguardando a entrada da mãe de sua amada.
Dona Rosa, uma senhora alegre e robusta, queimada de sol, um pouco mais nova do que o marido, filha de Itanhaém, com as mãos ainda molhadas apertou as de Jorginho, dizendo que ele era o primeiro amigo, depois que a filha ficou moça, a subir aquela escada.
Jorginho sentiu-se em sua própria casa e, em seguida, entregou os presentes.
A alegria era contagiante.
Enquanto dona Rosa preparava o almoço, seu Agostinho convidou Jorginho e a filha para irem até o cais do Baixio, pois tinha um despacho a fazer.
No caminho de areia, paralelo ao ramal ferroviário, seu Agostinho foi contando os seus afazeres e o porquê de tudo aquilo:
– A ferrovia foi construída para transportar produtos agrícolas, areia para as construções – tiradas dos diversos rios da região – e outras cargas, mas o principal produto era a banana.
– No meu caso, continuou seu Agostinho, os cachos de banana vindos de sítios e fazendas distantes são transportados em grandes barcaças rebocadas por lanchas, pelos rios Branco e Negro, que nascem na Serra do Mar e formam o rio Itanhaém.
– Agora cedo tenho de conferir a carga e despachar três vagões para a estação. À tarde, lá pelas quatro horas, passará um trem cargueiro para levá-los, com o restante da composição, até o porto de Santos. As bananas são exportadas para a Argentina e Europa.
Chegaram, então, ao porto do rio, onde a movimentação era grande.
Uma locomotiva manobrava os vagões, encostando-os nas barcaças carregadas. Das barcaças, caiçaras transferiam os cachos de banana para outros que, dentro dos vagões, empilhavam a mercadoria. Enquanto isso, um auxiliar de despachante anotava em romaneios a origem e a quantidade de cachos embarcados em cada vagão.
Quando a carga estava completa, as portas laterais dos vagões eram fechadas e lacradas. Sobre o lacre colava-se um manifesto com a data, número de cachos, tipo de banana e a assinatura do auxiliar e do despachante da Sorocabana no local.
Seu Agostinho fez as últimas conferências e despachou os vagões para a estação.
Jorginho estava encantado.
Movimento de lanchas e barcaças. Manobras de trens, soltando apitos e fumaças.
Um estaleiro acima do ancoradouro para a construção de lanchas, barcas e barcaças. Mais adiante, um porto de areia, em pleno movimento.
Jorginho ficou parado por algum tempo, pensando: “Aqui é o local ideal para se viver”.
Foi arrancado dos seus devaneios por Verinha, que sugeriu voltarem à casa, pois seu pai ia demorar mais do que o esperado.
Em júbilo, Jorginho concordou, revelando o quanto estava gostando de Itanhaém.
Almoçaram lá pela uma hora da tarde – Jorginho já estava chateado, pensando no seu retorno a Santos, no trem que passaria às quatro horas.
Depois das despedidas e promessas de voltar, Verinha acompanhou Jorginho até a estação.
E o rapaz seguiu viagem, triste e com o peito cheio de saudades, enquanto a moça ficou chorando na plataforma da estação!
Mas a vida para os dois continuou com troca de cartas e telegramas.
Em 1939, o mundo era um barril de pólvora, prestes a explodir em um conflito devastador.
No dia 1º de setembro de 1939, depois de anexar a Áustria e ocupar a Tchecoslováquia, Hitler invadiu a Polônia, iniciando a sangrenta Segunda Guerra Mundial.
A Alemanha nazista de Adolf Hitler, somada à Itália fascista de Benito Mussolini e ao império japonês de Hirohito, formavam o Eixo – três nações contra o restante dos países do mundo, chamados Aliados.
Devido à guerra, a cada dia as atividades do porto diminuíam, principalmente dos navios chegados da Europa.
No verão de 1940, a Alemanha dominava o leste europeu, depois de ocupar a França, Bélgica e todos os Países Baixos. Faltava a Inglaterra, bombardeada dia e noite pela Luftwaffe. No calor escaldante do Norte da África, forças nazi-fascistas tomavam cidade após cidade, em busca de petróleo. E o Japão, ao invadir a Coréia, China e outros países do Pacífico, dominava o cenário da guerra no Extremo Oriente. .
Neste verão, Jorginho resolveu tirar férias e passar uns dias em Itanhaém.
Escreveu as suas intenções para Verinha, solicitando aprovação.
Em duas semanas recebeu a resposta de que ela e os pais estariam esperando, de braços abertos.
Jorginho, considerando as poucas e pequenas acomodações da casa de Verinha, enviou um telegrama ao chefe da estação de Itanhaém, pedindo informações de hospedagem.
No dia seguinte, a resposta: “Além de uma ou duas pensões, temos o Hotel Balneário”.
No final de fevereiro, numa quinta-feira à tarde, Jorginho chegou. Na manhã seguinte, bem cedo, foi visitar Verinha e sua família.
– Vou ficar até segunda-feira. Estou lá, no Balneário, mas pretendo passar os dias com vocês.
Naquele primeiro dia, Verinha levou Jorginho para conhecer as praias.
A primeira foi a praia da Barra, com água doce na vazante e salgada na maré alta, onde Jorginho conheceu a perigosa barra da foz do Rio Itanhaém.
Atravessaram a ponte de madeira da estrada de ferro, sobre o rio, e seguiram por uma trilha até a praia da Saudade, do outro lado. De lá, a vista era encantadora, e Verinha confessou já tê-la pintado. A paisagem abrangia o rio, a praia da Barra e, ao fundo, para tornar o cenário ainda mais bonito, o morro de Itaguaçu, no alto, o Convento da Nossa Senhora da Conceição, dos frades franciscanos, chamado pelos moradores de conventinho. As torres da Igreja da Matriz destacavam-se pelo colorido do sol. Emoldurando tudo, a Serra do Mar fechava o horizonte, em toda a sua extensão!
Deixaram o rio para trás e seguiram por outra trilha, até a praia dos Pescadores.
– Na volta, disse Jorginho, pararemos aqui para comprar peixe.
Aproveitando que a maré estava baixa, caminharam até a Ilha das Cabras e, de lá, seguiram para a praia do Sonho.
Antes de chegar ao Costão, Verinha mostrou, na linha do horizonte, duas ilhas. Uma próxima a outra.
– São as ilhas da Queimada Grande e Queimada Pequena.
Pararam para observá-las, enquanto Verinha contava as histórias e o folclore fantástico sobre elas.
Estas ilhas localizam-se a 37 quilômetros da costa, cerca de duas horas e meia de barco, de Itanhaém ou Peruíbe.
Perto da Queimada Grande há alguns naufrágios famosos, como os dos navios Rio Negro e Tocantins.
O Rio Negro, construído em 1885, pertencia ao Lloyd Brasileiro e fazia a rota Rio de Janeiro – Buenos Aires, com escalas em Santos, Cananéia, Iguape, Paranaguá. Seu casco era de madeira.
Bateu no costão da ilha em uma madrugada brumosa de 17 de agosto de 1893 e até hoje está lá, no norte da ilha, numa profundidade de 3 a 20 metros.
O Tocantins fazia o trajeto Rio Grande do Sul – Manaus.
No dia 28 de agosto de 1933, depois de deixar Paranaguá com escala em Santos, embora o mar estivesse calmo, uma espessa cerração impedia que se avistasse o farol da ilha, provocando assim o encalhe da proa.
Feita a inspeção dos danos, constatou-se uma infiltração de água nos porões.
Ao perceber a emergência, a tripulação passou um S.O.S, via rádio.
Antes de o rebocador São Paulo chegar de Santos para o resgate, o mar começou a virar, devido ao forte vento sudoeste, comum naquela região, e arrancou o vapor de sua posição original, lançando-o contra as escarpas. O navio emborcou e afundou, mas todos os seus tripulantes e passageiros foram salvos.
Tempos depois, Jorginho seria piloto do rebocador São Paulo.
Apenas a Queimada Grande, além da fauna e da flora, é refúgio da jararaca ilhoa, cobra hermafrodita, parente próxima da jararaca que existe no continente, porém, mortalmente venenosa e muito mais poderosa. Esta cobra é endêmica do local, seu hábitat.
Cansados, Jorginho e Verinha sentaram-se nas pedras e resolveram visitar as outras praias em outra ocasião.
Desistiram, inclusive, de visitar a Cama de Anchieta, no Costão.
– Temos todo o tempo da nossa vida! Disse Verinha.
Na volta, compraram três pescadas-cambucu, ainda se debatendo no fundo de uma barca.
Depois do almoço e de um breve descanso, Verinha levou Jorginho para passear na vila.
Ao subir o morro para visitar o conventinho, Jorginho descobriu que o pequeno túnel da estrada de ferro ficava naquele lugar.
Lá de cima, ele se extasiou com a paisagem da orla marítima.
À esquerda, a praia e o mar perdiam-se de vista pros lados de Mongaguá. À direita, a praia depois do Costão, onde esteve de manhã, terminava nas encostas de Serra da Juréia, em Peruíbe.
Atrás, o rio Itanhaém serpenteava através da mata, para se perder na Serra do Mar.
Para um marinheiro acostumado, desde pequeno, somente com as ondas do mar, aquele cenário aumentava cada vez mais a paixão de Jorginho por Verinha.
Entraram para rezar no conventinho e, pela primeira vez, deram-se as mãos.
Escurecia quando chegaram à estação, e seu Agostinho deixou Jorginho mais feliz ainda, ao dizer:
– Amanhã, depois de um despacho lá no Baixio, vamos subir o rio de lancha. Levaremos comida para um piquenique. Passe em casa lá pelas nove horas.
Despediram-se. Verinha foi embora com o pai e Jorginho voltou para o hotel.
Antes das nove, Jorginho estava no portão da casa de Verinha.
Nem precisou bater palmas.
Seu Agostinho vinha descendo a escada e convidou Jorginho para acompanhá-lo
ao Baixio.
– Vamos, Rosa e Verinha virão daqui a pouco.
Enquanto seu Agostinho cuidava dos despachos, Jorginho foi conversar com o maquinista da locomotiva, que estava fumegando, mas parada.
Waldemar era o nome do enorme negro, conhecedor dos segredos daquele monstro de aço, com alma de vapor.
Sorridente, mostrando-se afável, Waldemar logo fez amizade com Jorginho. Afinal, os dois eram condutores de veículos estranhos.
Conversa vai, conversa vem, Waldemar disse que tinha uma “galera” pronta e que precisava levá-la para o desvio.
O maquinista, como se conhecesse Jorginho há tempos, convidou-o para subir na locomotiva e assistir a manobra.
Jorginho aceitou, enquanto Waldemar puxava um cordão, fazendo a maria-fumaça soltar um breve apito, avisando que ia se movimentar.
Na cabine, foi apresentado a um rapazinho, Carlito, o foguista da locomotiva.
Estavam manobrando o segundo vagão, quando o absorto Jorginho ouviu a voz de Verinha:
– Desça! A lancha já chegou e o meu pai terminou os despachos.
Com a locomotiva movimentando-se lentamente, Jorginho agradeceu e se despediu de Waldemar, saltando ao lado de Verinha.
Dirigiram-se à lancha, onde os aguardavam o proprietário, um tal de Maneco, dona Rosa e seu Agostinho, em mangas de camisa.
Jorginho foi apresentado a Maneco que, depois de saber das suas aptidões como aprendiz de prático e imediato de rebocadores, resolveu permanecer em terra e deixar o comando para o marujo.
– Preste bem atenção, moço! Aconselhou Maneco. Siga sempre pelo meio do rio. Evite as margens, pois há um bocado de bancos de areia. Pra subir vai ser meio dificultoso, devido à correnteza, trazida pelas chuvas. Vão com Deus!
Em quinze minutos Jorginho estava conduzindo aquela pequena lancha, rio Itanhaém acima.
Depois de aproximadamente duas horas de navegação, alcançaram ao lado esquerdo o rio Branco.
Seu Agostinho falou: levamos todo esse tempo para andar nem sete quilômetros. Daqui pra frente é o rio Negro.
Entre risadas e muita conversa, o tempo foi passando e a fome, chegando.
Escolheram um sítio meio abandonado, onde havia um molhe para encostar a lancha e saborear os quitutes de dona Rosa.
Depois da farta refeição, regada a água da bica, como informou o seu Agostinho, resolveram subir mais um pouco até a aldeia indígena, pois eram três horas da tarde.
Continuaram a inesquecível viagem. Só eles, subindo o rio, em meio à mata Atlânticas, às vezes cortada por plantações de bananas, com as margens cobertas por mangues de onde se via milhares de siris e caranguejos.
– Peixe é o que não falta aqui, disse o seu Agostinho.
Verinha pediu para levar a lancha, sob os cuidados de Jorginho, quando em uma das curvas do rio, seu Agostinho apontou para um pequeno cais, ao lado de algumas choupanas.
– É lá, a aldeia. Pare no molhe, vamos descer um pouco e aproveitar para abastecer.
Estavam na Aldeia Piaçagüera, de remanescentes índios tupis-guaranis.
Aportaram sob a maior algazarra da criançada que tomava banho no rio.
Seu Agostinho conhecia o chefe da aldeia, um índio idoso com um pito de bambu na boca, que às vezes aparecia lá no Baixio.
Jorginho aproveitou a oportunidade para comprar artesanatos. Enquanto abasteciam a lancha com óleo diesel tirado em regadores de velhos tambores enferrujados, duas jovens índias, saídas do rio, apenas com tanga e os seios descobertos, vieram conversar com Jorginho.
Com os verdes olhos chispando ciúmes, Verinha lembrou que estava ficando tarde e pediu que fossem embora.
Eram cinco horas da tarde quando iniciaram o trajeto de volta.
– Vamos chegar na metade do tempo em que viemos, calculou Jorginho.
O rapaz estava certo. A forte correnteza ajudaria a levar a lancha com maior rapidez.
Verinha não saía de perto de Jorginho, enquanto seu Agostinho, depois de beber umas caninhas com os índios, cochilava, tranqüilo, no ombro da esposa, que também dormia.
Depois do cair do sol, uma enorme lua cheia despontou no horizonte, clareando aquelas águas como se fosse dia.
O bucolismo e o romantismo aproximavam cada vez mais o jovem casal.
Seu Agostinho, observando a quantidade de lampiões a querosene acesos às margens do rio, comentou:
– São pescadores de siris e caranguejos. Isto é sinal de que estamos chegando.
Em poucos minutos visualizaram o rio Branco e adentraram, novamente, no rio Itanhaém.
– Se fosse época de robalo, com essa lua cheia, e já perto do mar, com certeza levaríamos uns dois para assar em casa, observou seu Agostinho.
– Em meia hora estaremos no Baixio, falou Jorginho.
De fato, logo mais estavam com a lancha ancorada e bem amarrada.
Cansados, foram para casa, jantar.
Eram umas nove horas quando Jorginho decidiu voltar ao hotel.
Despediu-se do casal, enquanto Verinha descia a escada para ficar mais um pouco com ele, no portão.
Deram-se as mãos e ficaram hipnotizados, olhando um para o outro.
Foi quando aconteceu o primeiro e apaixonado beijo, sob o olhar assustado da lua, que já ia alto naquele céu límpido, repleto de estrelas.
– Até amanhã, meu amor! Disse Jorginho.
– Até amanhã, querido! Balbuciou Verinha.
O domingo amanheceu, prometendo ser de muito calor.
Chegando à casa de Verinha, Jorginho pediu licença para trocar de roupa, no banheiro.
Recatado, tinha trazido embrulhados seu calção de banho e uma camiseta regata.
Já em trajes apropriados, ele comunicou à Verinha que queria nadar no rio, na praia da Barra.
E lá foram os namorados, cortando atalhos por aqueles terrenos ainda não loteados de Itanhaém.
Ao passar por uma grande construção, já na beira do rio, Jorginho comentou:
– Pelo jeito, aqui será um clube. Em Santos há diversos, em frente ao canal.
– Não, esta é a construção do futuro Hotel Polastrini, respondeu Verinha.
– Sentaram-se em uma pedra e se beijaram carinhosamente. Jorginho, então, convidou:
– Vamos nadar no rio?
Verinha, rindo, respondeu:
– Embora tenha nascido em meio a tanta água, eu não sei nadar! Além disso, estou sem maiô por baixo da roupa!
Jorginho atirou-se no rio e, dando fortes braçadas, nadou até a outra margem, de onde acenou para Verinha.
Descansou alguns minutos e voltou para os braços de sua amada!
No almoço, contaram os pais de Verinha sobre o namoro.
Para grande surpresa de todos, Jorginho pediu, de forma tradicional, a mão de Verinha em casamento.
– Primeiro, temos de marcar o noivado, lembrou dona Rosa.
– Sim! Exclamou Jorginho. Preciso rever minha profissão, devido à guerra que se alastra pelo mundo, pois de uma hora para outra posso ser convocado. Não há muitos pilotos militares de rebocadores no Brasil.
Naquele momento, uma nuvem de incerteza pairou sobre a felicidade do grupo.
À noite, foram ao convento, para a novena.
Enquanto rezavam, Jorginho disse a Verinha:
– É aqui que vamos nos casar. Você aceita?
– Mas é claro, querido. Este sempre foi o meu sonho!
Na segunda-feira, Jorginho voltou a Santos.
Quando retomou ao trabalho, soube que tinha sido convocado. Ele continuaria a exercer as suas atividades, mas a qualquer momento poderia viajar. Além disso, não deveria deixar a cidade sem avisar a Capitania dos Portos.
O tempo foi passando.
De tempos em tempos, Jorginho ia passar o final de semana com Verinha.
Em uma de suas visitas a Itanhaém, Verinha e seu Agostinho resolveram levar Jorginho para conhecer as ruínas de Abarebebê, próximo a Peruíbe, deixadas pelos jesuítas.
Para isso, tiveram de pedir autorização ao chefe da estação, para ir de carona no trole de tração manual, que fazia a fiscalização dos trilhos e postes do telégrafo.
– Vamos de trole e voltamos no trem das cinco, disse seu Agostinho.
Nos primeiros tempos da colonização, até 1560, os jesuítas ergueram três igrejas na Capitania de São Vicente, das quais duas desapareceram sem deixar vestígios.
As ruínas da orla de Peruíbe existem há mais de quatros séculos. Suas paredes superpostas permaneceram em pé, ainda que arruinadas e maltratadas pelo peso dos anos, permitindo uma visão daquilo que teria sido o conjunto: uma igreja com cerca de dez metros de comprimento por cinco de largura, com um aposento do lado esquerdo, onde deveria ser o claustro dos missionários.
Abarebebê fica a 700 metros da praia, mata adentro.
A palavra original, em tupi-guarani, é abareveve, que depois se tornou abarebebê. É a designação dada pelos índios ao padre jesuíta português Eduardo Nunes, devido à rapidez com que ele se locomovia de um lugar para outro. Abareveve significa o padre que voa.
Em abril de 1941, Jorginho marcou o noivado para sábado, 31 de maio.
– Vou tirar uns dias de licença para consolidar o nosso noivado.
Na sexta-feira, 30 de maio, Jorginho desembarcou em Itanhaém com as alianças no bolso.
Dona Rosa preparou um almoço especial pra comemorar.
Quando Jorginho chegou, foi apresentado por seu Agostinho a um amigo.
– Este é o meu querido amigo de São Paulo, mas que vive por aqui, Ernesto Monteiro. Ele vai almoçar conosco. E tem mais. Ernesto é fotógrafo profissional e vai deixar registradas algumas imagens de hoje.
Antes de almoçar, sob a benção de dona Rosa e seu Agostinho, Jorginho colocou a aliança no dedo de Verinha, pedindo para ela fazer o mesmo com ele. Beijaram-se, prometendo para breve a data do casamento.
Depois do almoço, tio Ernesto, como Verinha chamava carinhosamente o amigo da família, posicionou a família ao lado da escada do chalé, escolheu bem a luz, colocando a máquina em um tripé, ajustada no obturador automático para trinta segundos. Assim, ao disparar o botão, Ernesto conseguia correr para também sair na foto.
Ele prometeu que, na próxima visita, traria as fotografias.
Foi um sábado de rara felicidade.
Mas a guerra continuava atormentando as intenções de Jorginho.
Apesar de ser o maior fornecedor de materiais bélicos e de produtos alimentares para o esforço de guerra, a favor dos aliados, os Estados Unidos ainda não participavam efetivamente da mesma.
Na manhã de 7 de dezembro de 1941, os japoneses, traiçoeiramente, bombardearam a base naval de Pearl Harbor, dos Estados Unidos, no Pacífico, na ilha de O’ahu, no Havaí, perto de Honolulu.
A totalidade da esquadra ancorada foi a pique. Todas as instalações, portos, aeroportos e quartéis foram destruídos.
A agressão destruiu 14 navios, 188 aviões e matou 2.403 militares norte-americanos.
Foi uma manhã de revoltas e de comovente tristeza para o gigante adormecido – os Estados Unidos da América do Norte.
Ao saber do ataque, o presidente Franklin Delano Roosevelt assina e declara guerra contra o Eixo.
Com isso, Roosevelt começa a carregar os seus aliados latino-americanos para a guerra. Entre eles, o Brasil.
No dia 7 de janeiro de 1942, o Brasil rompe relações diplomáticas contra os países do Eixo.
Na tarde de 15 de fevereiro, pela primeira vez, o navio brasileiro Buarque foi posto a pique por um submarino alemão, nas proximidades do litoral de Norfolk, nos Estados Unidos.
No dia 18, foi a vez do Olinda, torpedeado nas costas da Virginia.
Em março de 1942, sem se despedir de Verinha, Jorginho foi transferido para o Primeiro Distrito Naval da Marinha de Guerra, no Rio de Janeiro, como piloto de rebocador, com a patente de sargento.
Em poucos meses, diversos navios mercantes brasileiros, nas costas americanas e no Mar do Caribe, foram afundados por submarinos alemães que dominavam o Atlântico.
No dia 18 de maio, o Comandante Lira é torpedeado na costa norte do Brasil.
A Segunda Guerra Mundial estava nos rondando.
No dia 22 de maio, aconteceu o primeiro ataque entre brasileiros e alemães. Um avião bombardeiro B-25 Mitchell, da Força Aérea Brasileira, encontra nas costas do nordeste um submarino alemão que ataca com metralhadoras instaladas no seu convés. Não houve danos para ambas as partes.
Depois de diversos navios afundados, com dezenas de mortos e feridos fora das águas brasileiras, a marinha do Eixo começa a atacar, covardemente, em mares nacionais, navios de carga e de passageiros, desarmados.
No dia 15 de agosto os navios brasileiros Araraquaea e Beependy são afundados nas costas de Sergipe.
O Beependy, que navegava de Salvador para Recife, foi afundado pelo submarino U-507. A embarcação levava 73 tripulantes e 232 passageiros. Entre os passageiros, estavam 140 militares que iriam servir em Recife. Cinqüenta e cinco tripulantes e 214 passageiros morreram.
Na mesma noite, o U-507 atacou outros dois navios de passageiros. Em apenas cinco minutos, o Araraquara, que também partira de Salvador com destino a Maceió, naufragou, causando a morte de 66 de 74 tripulantes, e de 65 dos 68 passageiros.
Pouco tempo depois, o U-507 afundou o navio Aníbal Benévolo, em apenas dois minutos, que partira igualmente de Salvador com destino a Aracaju, morrendo 67 dos 71 tripulantes. Todos os 83 passageiros pereceram.
Na fatídica noite de 15 de agosto, o U-507 havia causado a morte de 550 pessoas, a maioria composta por passageiros da navegação costeira. A opinião pública do país foi tomada de revolta e consternação.
Dois dias depois, o mesmo U-507 afundava o Itagiba, navio que ia do Rio a Recife. Nove tripulantes e trinta passageiros faleceram.
No mesmo dia, o submarino alemão continuou a sua jornada assassina, afundando o Arará, um pequeno veleiro de 86 toneladas que viajava de Salvador para Santos, carregado de ferro velho. Vinte tripulantes foram para o fundo do mar.
Desde o início da Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo, implantado pelo ditador Getúlio Vargas em 1930, caminhava em direção aos países do Eixo. A política populista de Getúlio era fascista.
Plagiando a propaganda nazista, idealizado por Joseph Goebbels, Getúlio implantou no Brasil o Departamento de Imprensa e Propaganda, DIP, e com ele a Voz do Brasil, que passou a ir ao ar todos os dias, às 19h00. A intelectualidade da época chamava a Voz do Brasil de Fala Sozinho.
Em um discurso nesse programa, logo após a Alemanha invadir a Polônia, Getúlio foi enfático: “Marchamos para um futuro diverso de tudo quanto conhecemos em matéria de organização econômica, política e social. Passou a época dos liberalismos imprevidentes, das demagogias estéreis, dos personalismos inúteis e semeadores da desordem”.
Outro fato histórico e intrigante, até hoje discutido, é a elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, promulgada em 1943. Ela foi ou não copiada da Carta Del Lavoro, de 1927, do fascista Benito Mussolini?
No entanto, as pressões norte-americanas falaram mais alto. Além de contar com o apoio de outros países latino-americanos, Tio Sam utilizou-se de diversos mecanismos, o mais eficiente foi a liberação de recursos para a construção da Usina de Volta Redonda. Assim nasceu um novo modelo de relação, batizado de “política de boa vizinhança” pelo presidente F. Roosevelt, dos EUA, que em visita ao Brasil, vindo do norte da África, conseguiu a concessão para instalar bases militares norte-americanas em Belém, Natal e na ilha de Fernando de Noronha.
Os ataques de submarinos em nossos mares continuavam mais ferozes.
Em 22 de agosto de 1942, Vargas reúne-se com o ministério e declara: “Diante da comprovação dos atos de guerra contra a nossa soberania, reconhecendo a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras – Alemanha, Itália e Japão, o Brasil declara guerra ao Eixo”, instalando também o estado de emergência e guerra em todo o território brasileiro”. Era 31 de agosto de 1942.
Em dezembro desse mesmo ano, Jorginho foi transferido para o Terceiro Distrito Naval de Natal, para servir de imediato em um grande rebocador de alto mar de bandeira norte-americana.
Depois de muitos resgates e reboques de embarcações avariadas, ele conseguiu uma licença de quinze dias. Era junho de 1943, terceiro ano de guerra.
Eufórico, pegou uma carona num transporte aéreo militar para o Rio de Janeiro.
De lá, viajou de trem até São Paulo, de onde desceria a serra de ônibus para a casa de seus pais.
Mas a sua verdadeira intenção era encontrar Verinha.
Passou um telegrama para seu Agostinho, dizendo que no dia seguinte estaria entre eles.
Jorginho chegou em Itanhaém no dia 15 de junho.
Depois de matar a saudade que atormentava o casal, sentaram-se para almoçar e conversar sobre o futuro.
– Voltarei amanhã, pois preciso me apresentar à Base, no próximo dia 25, e não sei se conseguirei um vôo até Natal. De navio, nem pensar, pois leva muito tempo. Mas a guerra deve terminar logo, assim eu retorno e me caso. Podem avisar o padre, brincou Jorginho.
Quando ficaram sós, Verinha abriu um envelope e mostrou as fotos do dia do noivado.
Tio Ernesto tinha revelado duas fotografias para cada chapa.
Trocaram as fotos repletas de dedicações amorosas.
As despedidas, na manhã do dia 16, foram de profunda ternura entre os dois enamorados.
Ficaram abraçados, se beijando, até o trem dar o último apito.
Jorginho correu para o comboio em movimento e permaneceu na plataforma do último vagão, acenando para Verinha.
Verinha, em soluços, ficou dando adeus até o trem sumir, lá pros lados de Suarão.
Na tarde de 25 de junho de 1943, Jorginho apresentou-se ao comando da Base.
O tempo foi passando, com troca de cartas e telegramas.
Em julho de 1944, a guerra pendia, favorável, para os aliados.
A Alemanha tinha abandonado o norte da África e vinha de reveses na campanha da Rússia. No dia 6 de junho, o famoso Dia D, as forças aliadas invadiram a França, ocupada pela Alemanha. No Pacífico, os Estados Unidos, praticamente sozinhos, estavam-se preparando para invadir o Japão.
No final de julho, foram programados exercícios entre as forças aeronavais norte-americanas e brasileiras, ao largo de Fernando de Noronha.
Jorginho, a bordo do rebocador de alto mar, participava das manobras, quando, no dia 7 de agosto, um destróier americano alertou para a presença de submarinos inimigos na aérea.
Não se passaram cinco minutos quando um petroleiro americano foi a pique, depois de uma tremenda explosão.
Todas as embarcações pequenas, inclusive o rebocador, partiram em busca dos sobreviventes.
Jorginho, sempre prestativo, cuidava de diversos feridos na cabine debaixo do convés, quando o rebocador foi atingido por um torpedo, bem ao lado da casa de máquinas.
O pânico tomou conta do rebocador.
O tanque de combustível explodiu, partindo a embarcação ao meio.
Jorginho ficou preso entre as ferragens da cabine e, com o pensamento em Verinha, soçobrou, pedindo a Deus para olhar por ela.
Uma semana depois, o trágico telegrama chegou às mãos da moça.
Em 1961, depois do falecimento de seus pais, Verinha, solteira e reclusa, com 41 anos, vendeu o chalé de Itanhaém e foi morar num pensionato das Irmãs de São José, em Santos.
Para se distrair e ocupar o tempo, passou a dar aulas de desenho e pintura no colégio.
Sempre tristonha, todas as manhãs colhia flores do enorme quintal do pensionato, quase uma chácara, e ia jogá-las com carinho no mar.
Até morrer, talvez de tristeza, com 47 anos, Verinha sempre floriu o túmulo de seu amado Jorginho.
Roberto Stavale
São Paulo, Abril de 2009.-
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