Dias pouco saia do Sampaio. Administrava as duas bancas
de jornais que o pai deixara e de resto se isolava com seus poucos
hábitos de homem dado a livros.
Porém, ele agora atravessava a Praça em Ipanema em busca
de uma explicação que nem os médicos conseguiam dar.
Fazia dois anos que vinha sofrendo uma espécie de engasgo
sem secreção alguma, embora jurasse
que uma hora sairia alguma coisa. Sentia-se por vezes sufocado.
Havia ido já há três médicos, batido chapa e disseram o mesmo:
"era nada. Pura somatização psicológica." "Esses filhas da puta
estudam e não servem para nada" pensava Dias de si para si.
Resolveu então que tentaria as tais das terapias alternativas.
Leu no folheto que tinha em mãos: "Cure-se através da memória",
Espaço
Corpo e Alma. E lá ia ele. A Loja do Evento era no subsolo de uma
galeria. Viu logo os letreiros e uma dezenha de mulheres, a maioria
senhoras acima dos quarenta anos. Dentro da sala, uma mulher e um
menino ia dispondo as cadeiras em círculos. Pensou para si mesmo
quando sua vida entraria numa coisa qualquer parecida
com a normalidade. - "O senhor por favor, vai participar do evento?
Pode aqui assinar a ficha?" Pois, não. Dias preencheu os dados
e entrou na sala, após tirar os sapatos. Dentro chamou-lhe a atenção
uma linda flamula de Buda no estilo chinês, logo acima de uma bela
fonte artificial. Nas cadeiras dispostas em círculo, haviam umas quatorze
senhoras e um menino de seus dez anos.
Dias era o único homem do evento.
Uma das psicólogas apresentadoras começou a falar sobre a memória e
dar início ao jogo. "Meu nome é Heloisa e agora vou pedir que todos
voces digam o nome e algo que gostavam na infância.
Por exemplo: Heloisa,
bicicleta." E assim, foi indo. Rose, praia. Ivanice, piano.
Dèbora, balé. Dias, radinho. Sim. A primeira coisa que ele lembrou
foi do radinho de pilha azul que ganhou da mãe para escutar o futebol
e ouvir música. Surpreendeu-se que fosse o radinho a primeira coisa
que veio lembrar-lhe a infância. O jogo continuava. -- Voces já repararam
que sempre lembramos dos fatos mais remotos e menos dos recentes?
Isso ocorre por causa da repetição. Aquilo que ja foi mais repetido
é sempre mais lembrado," dizia a apresentadora do evento. --
Agora quero que voces façam outro tipo de exercício.Dessa vez,
com liberdade. Lembrem do que quiser. Ou criem o que quiserem. Vocês
podem se imaginar numa montanha, no seu lugar preferido, na praia, enfim,
como voces quiserem.