Dona Souza tinha sessenta e quatro anos e morava com seu marido em uma cidade no interior do estado da Bahia. Ele era barbeiro e não ganhava muito, mas como não tinham filhos, dava para se ir vivendo. Ela era do lar, casou-se muito nova com apenas dezessete anos e com seu primeiro e único namorado. Eles tinham poucos amigos e não se davam muito com os vizinhos devido a permanente sisudez do marido, que também nunca permitiu que a esposa trabalhasse fora de sua casa. Ela nunca entendeu direito o motivo de não terem tido filhos, sempre teve consigo que o motivo era ela, pois quando tocava no assunto era um deus-nos-acuda, o homem virava bicho e Dona Souza, acomodada, para não criar mais polêmica, deixava por isso mesmo. Continuou sempre carregando consigo aquela dúvida. Um certo dia, Dona Souza começou a mudar o seu comportamento. Disfarçadamente, sem deixar que o sempre zangado marido percebesse, foi se atualizando de certas coisas que até então ignorava, escutava dali, perguntava de lá, e assim foi por uns tempos se preparando para nem ela mesma sabia o quê; ria sozinha pelos cantos da casa imaginando situações as mais estapafúrdias para o seu pacato modo de vida, situações que no seu devaneio não lhe pareciam muito distantes. Com muita sutileza, ela não deixou o marido perceber o que se passava em sua cabeça; seus afazeres domésticos em nada foram prejudicados. Num belo dia, Dona Souza sentiu-se forte como nunca, levantou determinada, esperou que o marido saísse para o trabalho, arrumou suas coisas numa mala antiga e dura de papelão, foi para a estrada, picou a mula e nunca mais voltou.