Se o Dr. Simão Bacamarte, o médico psiquiatra que no conto O Alienista escrito por Machado de Assis, internou 1/3 da população de Itaguaí vivesse em Tupinambicas das Linhas, certamente internaria a população inteira.
De fato havia tanta gente lelé que a casa de orates denominada Casa Verde, criada pelo doutor, seria insuficiente para abrigar todos os que careciam dos seus cuidados. Diziam alguns que até os serviços públicos da prefeitura paravam em decorrência das afecções que grassavam na urbe.
Algumas figuras se destacavam com as insanidades cometidas no dia-a-dia. Uma delas era Luísa Fernanda sobre quem já lhes contei algumas passagens em textos avulsos.
Luisa Fernanda era gerente do Brafresco e a incumbência que lhe cabia durante o expediente, no horário em que trabalhava, era o de carimbar notas fiscais verdes. Quando houve um remanejamento da papelada e a diretoria resolveu trocar a cor do documento, passando-o para amarelo, Luisa precisou fazer uma oficina durante 26 meses para assimilar as mudanças.
Luisa Fernanda, a mocréia de cabelos curtos, era casada com Célio Justinho que passava o dia todo em casa tentando “tirar de ouvido” o hino do Corinthians. Além de atormentar os dias da cadela Poodle com os desafinos que cometia, ele torturava também os gatos do barbeiro e os pardais incautos, atraídos ao quintal por causa da piscina.
A gerente do Brafresco fazia aniversário no dia 10 de Fevereiro, mas o fato não a impedia de comemorar a tal efeméride, com muita cerveja, churrasco de picanha e som sertanejo todos os demais dias 10 do ano.
Um dia quando Célio Justinho se sentia vitorioso por ter executado totalmente o hino amado, ao ser interrompido pelos latidos da Poodle branca, jogou contra ela uma garrafa de pinga, que por causa do erro na pontaria, atingiu um espelho esquecido pela empregada no quintal, quebrando-o.
Ora à tarde quando Luísa Fernanda chegou da sua labuta bancária e interrogando Célio sobre os danos, foi informada que ele precisou bater na cachorra por não fazer ela nenhum silêncio durante seus ensaios no teclado.
- Você, com certeza deve ter algum parentesco com o funileiro Gabrielzinho boca de porco – afirmou Luísa.
- Por quê meu neném?
- Porque você também acha que tudo o que está errado ou torto deve ser endireitado na pancada, na martelada – arrematou Luísa Fernanda, exibindo os dentes num sorriso irônico.
- Ora, minha gata. Não é assim que a banda toca. Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Na praia já está muito bom. Quando eu aprender direitinho a tocar esse teclado vou aparecer lá no Faustão. Quero me virar nos 30 compreende?
- Eu acho que já é chegada a hora de você parar de freqüentar os botecos do bairro, criar vergonha nessa cara e arrumar um emprego. Você não ganha nem para o cigarro. E olha que o Serra já fez até uma lei proibindo as pessoas de fumarem nos locais públicos fechados. – Luisa Fernanda tinha o rosto afogueado. Durante as discussões ela não podia reprimir aquela sensação de calor que lhe tomava o rosto.
- Não se apoquente minha querida gerente. Um dia ainda ficaremos ricos. Tenho muitas idéias que já estou patenteando. – Célio Justinho falava como se defendesse uma tese de mestrado. Empinando o nariz, pigarreando e, pondo um tom formal na voz, ele prosseguiu:
- Acabo de formular a teoria do churrasco de carne moída que, sem dúvida, será um dos nossos maiores sucessos durante todos os tempos, que esta cidade jamais viu.
- Ah, mas com certeza você enlouqueceu. É mais um candidato à Casa Verde de Tupinambicas das Linhas. - Luisa falou com tanta ênfase que chegou a se dobrar sobre o ventre, mantendo os braços tesos e os punhos fechados como se tivesse prestes a partir para as agressões no corredor da casa.
Naquele dia justamente na hora do almoço, vendo Célio que a discussão não os levaria a lugar nenhum, calçou os chinelos de tiras preto e branco e, ao passar pelo jardim frontal da casa, lavou os pés com o esguicho d´água da mangueira laranja, saindo serelepe em direção ao botequim.
Fernando Zocca.
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