Seu Lopes, homem de seus 54 anos, garçom de um restaurante famoso, muito educado, amigo e querido dos fregueses, estando desaparecido há dois meses, num determinado dia reaparece reassumindo suas funções. Sua aparência era desoladora – magro, cicatrizes no rosto, não apresentava nenhum dente na boca e sim um pino (parecia um prego) bem no meio do maxilar superior.
A primeira impressão era de que ele tinha sido atropelado por uma jamanta. Foi aí que Seu Lopes contou o acontecido:
“Fui a São Paulo há dois meses no velório de um irmão e levei uns dólares para ajudar minha cunhada nas despesas do enterro. Passei a noite toda velando o corpo e lá pelas 6 horas da manhã, ainda escuro, cansado e sentindo um calor intenso, resolvi sair para respirar um ar puro e tomar um café no bar da esquina. No trajeto, fui abordado por dois brutamontes que gritaram:
‘É um assalto’.
Resolvi reagir. Dei três passos para trás e também ¬gritei:
‘Vocês podem levar, mas não vai ser fácil’”.
Abaixando a voz, Seu Lopes confessou:
“Olha, Doutor, nunca foi tão fácil.
Acordei no Hospital das Clínicas após 30 dias em coma. Foi um soco só!”.
A trombada.
Em uma tarde de feriado, resolvi assistir a um filme no cinema e fazer minha higiene mental.
Ao entrar na sala de projeção, a sessão já tinha começado e a escuridão era total.
Comecei a caminhar lentamente pelo corredor, às apalpadelas, esperando clarear a sala para poder visualizar as poltronas e escolher um bom lugar. Após dar uns cinco ou seis passos, ainda no escuro, bati de frente com uma jamanta, pois o cara devia ter uns dois metros de altura e ser forte como um touro. Ele nem se moveu e permaneceu calado. Eu fiquei com a cabeça e o peito doloridos pela topada.
Preocupado e apavorado pela provável reação daquele sujeito enorme, comecei a pedir mil desculpas, mais desculpas, muitas desculpas, e continuei andando pelo corredor, aguardando que aparecesse alguma luminosidade para me sentar e misturar-me com os demais espectadores, evitando, dessa maneira, ser reconhecido como o agressor daquele guarda-roupa.
Após uns 30 segundos, clareou-se a sala e eu, ainda em pé, de relance, dei uma olhada para ver a fera. Ao ver aquela imagem estática, fria e dura, parei de tremer e comecei a rir.
Acabara de pedir desculpas para um enorme extintor de incêndio pendurado na parede do corredor.
Observação: estes e outros contos fazem parte do livro `Injeções de Humor` de Antonio Accacio Talli, publicado pela Editora Comedi.