Estou num lugar muito estranho. Estranho e, de certo modo, confortável. A natureza se encarrega de ornamentá-lo. De lá, posso distinguir as pessoas da terra. Posso vê-las, porém, não posso ouvi-las. Começo a divertir-me, observando seus gestos e atitudes.
De repente, um clarão na minha mente. Estou diante de um grande palco onde as personagens se apresentam livremente, sem um roteiro preconcebido.
Num toque de mágica, vislumbro um suntuoso salão onde uma multidão de gente se reune bebendo todo tipo de bebida num clima de euforia e congraçamento.
Uma porta se abre, aparece um ancião que difere totalmente das pessoas ali presentes, e inicia um diálogo com alguém do recinto. Como não posso ouvi-los, dou asas a minha imaginação. Pelo movimento que fazem com os corpos, cabeças e braços, deduzo o seguinte:
Espantado pela barulheira, o velho dirige-se a seu interlocutor e indaga: Por que essas pessoas estão radiantes, cantando e dançando com tanto entusiasmo? Responde o outro: A maioria desses homens não é feliz como aparenta. Uns enfrentam dificuldades financeiras e ambicionam dias melhores, outros afrontam problemas no lar e tentam esquecê-los; uns são tristes e tímidos, e se tornam eufóricos e ousados, outros não conseguem realizar-se e anseiam acontecer; uns são ricos desditosos, que sorriem abobalhados, outros, pobres que almejam a riqueza e o poder; uns são invejosos que se tornam solidários, outros, gananciosos que favorecem o próximo... pois que, hoje é dia de festa, e todos estão embriagados. São opulentos, amorosos, produzidos. Todos são iguais... Neste momento. Amanhã, a realidade os trará de volta a seus postos, no grande palco da vida. Contudo, sempre que houver festas, esse quadro será repetido por muitas e muitas vezes.
O ancião que morava no alto da serra, e nunca houvera ingerido bebida alcoólica, assim falou, enquanto se retirava: Um belo quadro que deveria acontecer em situações normais do dia-a-dia, sem a interferência de nenhum tipo de droga.
Alguém no meio da multidão lhe dirigiu a palavra com a voz macia: Ei companheiro, venha comemorar conosco. Hoje, aqui é só alegria! Tome um trago com a gente... Você não paga nada. É nosso convidado. O velho acenou com desprezo e partiu.
Foi assim que interpretei tudo aquilo que ocorrera diante dos meus olhos naquele momento de transe.
Porém, certamente, a circunstância era outra, as conversas e comportamentos eram totalmente diversos do que imaginei.
Nossa fantasia, no entanto, sempre trabalha através de outro ângulo, e cria situações que caminham rumo àquilo que passa a ser realidade na nossa concepção.
O nosso lugar de observação é sempre muito esquisito.