Após um ano de formatura, passei a trabalhar em uma clínica médica, junto a um ginecologista famoso e com uma clientela particular invejável.
A paciente era examinada primeiramente por mim.
Eu fazia a anamnese, o exame clínico, e logo após ela era encaminhada, juntamente com a ficha, ao renomado ginecologista, chefe e dono da clínica.
Numa tarde, entra no meu consultório para o exame clínico rotineiro D. Amélia, senhora de aproximadamente 65 anos, sozinha, andando com dificuldade e fisicamente gasta pelo tempo.
Depois de fazer o histórico e ouvir os seus sintomas, coloquei-a sentada em cima da mesa de exames e, de pé e à sua frente, passei a auscultar o seu coração com o estetoscópio.
Na minha frente, e nas costas da paciente, havia uma janela de vidro com quatro metros de largura por três de altura. Essa janela dava para uma praça e, para evitar o sol abrasador da tarde, existia uma persiana sempre fechada tomando toda a sua extensão.
O consultório era no 5o andar do prédio. Durante a consulta reinava um silêncio total.
Eu, compenetrado e tentando auscultar os batimentos cardíacos de D. Amélia, vejo em minha frente a persiana desprendendo-se da parede e, numa explosão violenta e ensurdecedora, ela cai em sua totalidade, penetrando na sala um clarão como se o sol estivesse entrando e se alojando ali.
Assustado, quedei-me inerte, com os braços abertos e estendidos.
D. Amélia, coitada, de costas para a persiana, não vendo nem sabendo o que estava acontecendo, ao escutar o barulho infernal e ver o clarão, pulou e se agarrou no meu pescoço.
Em instantes, a porta do consultório foi aberta bruscamente e a sala foi ocupada por médicos, enfermeiras e pacientes que, apavorados, achavam que o prédio estava desmoronando. O impacto foi terrível.
A cena encontrada era contrastante: de um lado, só destruição (persiana toda arrebentada, cadeiras e livros espalhados pelo chão); e do outro, só ternura (médico e paciente agarradinhos, rostos colados, como se fossem dois pombinhos).
Eles estavam traumatizados e paralisados pelo susto.
A sorte foi que a diferença de idade era muito grande. Caso contrário, seria difícil explicar o que estava ocorrendo.